ELETRÔNICA ORGÂNICA
A Eletrônica Orgânica (EO) tem seu alicerce edificado na área dos Polímeros Condutores, que surgiu nos últimos anos da década de 1970. O grupo de pesquisa do prof. Hideki Shirakawa, da Universidade de Tsukuba do Japão, produziu a primeira película de poliacetileno, e em conjunto com pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, dos EUA, observaram que sob dopagem química esse filme plástico sofria uma variação em condutividade elétrica de cerca de 10 ordens de grandeza, passando de material isolante a condutor de eletricidade. Imediatamente cunhou-se o termo “Polímeros Condutores” para designar essa nova área dentro da Ciência dos Materiais. Já nos seus primórdios, a área, a qual pode ser chamada de polímeros eletrônicos, mostrou ser um campo científico de forte caráter interdisciplinar, conectando ramos até então muito distintos da ciência, como a da síntese química e a da física teórica. Os trabalhos pioneiros, então liderados pelos cientistas Alan G. MacDiarmid (químico de materiais), A. J. Heeger (físico teórico) e Hideki Shirakawa (químico de síntese orgânica) [1-4] revolucionaram a Ciência dos Materiais e foram reconhecidos pela Academia Real das Ciências da Suécia, que os laureou com o Prêmio Nobel de Química no ano 2000.
Na segunda metade da década de 1980, e na década seguinte, surgem as primeiras publicações sobre dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos, tendo como camada ativa filmes finos fabricados a partir de moléculas orgânicas eletrônicas. O primeiro dispositivo fotovoltaico orgânico foi produzido em 1986 [5], e se consolidou como uma alternativa à geração de energia elétrica a partir da irradiação solar com o surgimento das estruturas de heterojunção de volume [6]. Concomitantemente, emergem os diodos orgânicos emissores de luz, tanto de moléculas pequenas [7] quanto de poliméricas [8]. As aplicações dos OLEDs (Organic Light Emitting Diodes), como ficaram denominados esses dispositivos, divergiram em duas direções opostas: a de miniaturização, gerando pixels micrométricos luminescentes para telas de celulares, computadores, televisores, etc.; e a de grandes áreas, aplicadas em painéis de iluminação de baixo consumo de energia. No final da década de 1980 emergem também os trabalhos pioneiros em transistores orgânicos [9, 10], cuja evolução vem em direção à fabricação de processadores (chips orgânicos), abrindo assim grandes perspectivas à área da eletrônica impressa e flexível. Essa eletrônica nascente, pela sua constituição orgânica, propiciou a aproximação dos dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos a sistemas biológicos, pavimentando a rota das aplicações ligadas à medicina. Esse ramo da EO culminou por gerar uma nova área, a Bioletrônica [11].
A área da EO firmou-se como uma das mais férteis dentro da Ciência dos Materiais e da Tecnologia de Dispositivos, e com o tempo floresceu, ganhou personalidade própria e se abriu em inúmeros ramos, a saber: (i) no ramo de dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos de filmes ultrafinos; (ii) no de eletrônica flexível; (iii) no de sensores e biossensores; (iv) na bioletrônica; entre outros. O avanço nas pesquisas desses diferentes ramos mostra um futuro extremamente promissor da EO em benefício da medicina, do meio ambiente, da geração de energia limpa e renovável, de sensores aplicados á produção agropecuária, etc.
[1] H. Shirakawa, E.Louis, A. G . Macdiarmid, C. H. Wan, K. Chiang, and A. J . Heeger, Synthesis of Electrically Conducting Organic Polymers : Halogen Derivatives of Polyacetylene, (CH), J.C.S. Chem. Comm., 578-580 (1977)
[2] C. K. Chiang, C. B. Fincher, Jr., Y. W. Park, and A. J. Heeger, H. Shirakawa, E. J. Louis, S. C. Gau, and Alan G. MacDiarmid, Electrical Conductivity in Doped Polyacetylene, Phys. Rev. Lett. 39, 1098-1101 (1977)
[3] C. K. Chiang,M. A. Druy,S. C. Gau, A. J. Heeger,E. J. Louis, A. G. MacDiarmid, Y. W. Park,H. Shirakawa, Synthesis of Highly Conducting Films of Derivatives of Polyacetylene, (CH)X , J. Am. Chem.Soc. 100:3. 1013-1015 (1978)
[4] W. P. Su, J. R. Schrieffer, and A. J. Heeger, Solitons in Polyaeetylene, Phys. Rev. Lett. 42, 1698-1701 (1977)
[5] C. W. Tang, Two‐layer organic photovoltaic cell, Appl. Phys. Lett. 48, 183-185 (1986)
[6] N. S. Sariciftci, D. Braun, and C. Zhang V. I. Srdanov, A. J. Heeger, G. Stucky, and F. Wudl, Semiconducting polymer‐buckminsterfullerene heterojunctions: Diodes, photodiodes, and photovoltaic cells, Appl. Phys. Lett. 62, 585-587 (1993)
[7] C. W. Tang and S. A. VanSlyke, Organic electroluminescent diodes, Appl. Phys. Lett. 51, 913 (1987)
[8] J. H. Burroughes, D. D. C. Bradley, A. R. Brown, R. N. Marks, K. Mackay, R. H. Friend, P. L. Burns and A. B. Holmes, Light-emitting diodes based on conjugated polymers, Nature 347, 539–541 (1990)
[9] J. H. Burroughes, C. A. Jones & R. H. Friend, New semiconductor device physics in polymer diodes and transistors, Nature 335, 147–141 (1988)
[10] F. Gamier, G. Horowitz, X. Peng, and D. Fichou, An All-Organic “Soft” Thin Film Transistor With Very High Carrier Mobility, Adv. Muter. 2, 592-594 (1990)
[11] T. Someya, Z. Bao, and G. G. Malliaras, The rise of plastic bioelectronics, Nature 540, 379–385(2016)
INEO - Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica
A área da Eletrônica Orgânica, como mencionado acima, foi semeada a partir da segunda metade da década de 1970. Já no início da década de 1980 surgiram os primeiros trabalhos teóricos realizados no Brasil, pelo Departamento de Física da UFPE, versando sobre cálculos de estrutura eletrônica de poliacetileno. Importantes estudos teóricos na área de Polímeros Condutores passaram a ser realizados por pesquisadores da UFPE, da USP e da UNICAMP, e concomitantemente, os primeiros trabalhos experimentais na área foram realizados no Instituto de Química da UNICAMP. Os primeiros projetos sobre dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos poliméricos surgiram na segunda metade dos anos 1990, sendo o primeiro financiado pelo programa PADCT II, do então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), e o segundo dentro de um Projeto Temático financiado pela FAPESP. Os dois projetos foram coordenados no Instituto de Física de São Carlos da USP (IFSC/USP), com a participação de pesquisadores da Escola Politécnica e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras também da USP. Na mesma época, no Instituto de Física da USP, desenvolvia-se também um Projeto Temático/FAPESP na área teórica. Nascia então o embrião do que futuramente comporia uma rede de pesquisa em Eletrônica Orgânica.
No ano de 2001, o MCT em parceria com o Banco Mundial criou o programa dos Institutos do Milênio, cujo objetivo foi o de estimular a formação de redes de pesquisa entre laboratórios de todo o país de modo a produzir conhecimento em áreas estratégicas para o desenvolvimento do Brasil. O núcleo oriundo dos projetos PADCT II e Temáticos, acima citados, elaboraram um projeto na área de materiais poliméricos, com a inserção de grupos de pesquisa da USP, da UNICAMP, da UNESP, da UFPR, do LACTEC/COPEL, da UFPI, etc., que foi denominado Instituto Multidisciplinar de Materiais Poliméricos (IMMP). O IMMP tinha como sede o IFSC/USP e contava com uma equipe bastante interdisciplinar que envolveu as seguintes áreas: polímeros eletrônicos, polímeros isolantes, polímeros ferroelétricos, polímeros fotônicos e biopolímeros. No ano de 2005 foi lançado o segundo edital dos Institutos do Milênio, e uma vez mais o IMMP foi aprovado em mais uma disputa muito competitiva. O programa dos Institutos do Milênio termina em 2009, e o MCT lança em seu lugar o programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). A equipe do IMMP se reorganizou e definiu que teria que apresentar um projeto mais específico para que bem atendesse às exigências do novo Edital. Foi eleita então a área de Eletrônica Orgânica, e assim foi apresentado o projeto do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (INEO), o qual já contava com cerca de 35 grupos de pesquisa em 14 estados da Federação, e foi dividido em dois ramos de pesquisa: o de dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos e o de materiais biológicos e biossensores. Uma vez mais o projeto foi um sucesso, cumprindo com eficiência sua missão científica, de formação de recursos humanos, de disseminação de conhecimento científico e de interação com setores de desenvolvimento tecnológico. Assim, em 2014 o INEO concorreu em mais um edital, e hoje continua suas atividades em pesquisa, formação de recursos humanos e extensão até o final de 2023. Hoje o INEO conta com mais de 40 grupos de pesquisa, mais de 90 pesquisadores, cerca de 40 pós-doutores e de 150 estudantes de pós-graduação e inúmeros estudantes de Iniciação Científica.