A desenvolver estudos, discussões e reflexões sobre aspectos históricos;
A permitir uma visão crítica da área, ética e diversidade.
Neste nosso primeiro capítulo, abordaremos o assunto História da Educação Física. A abordagem parte do princípio de que a Educação Física, do modo como a concebemos hoje, tem uma história relativamente recente. As atividades humanas durante o período da pré-história dependia do movimento, de força, velocidade e resistência por uma questão de sobrevivência. A história mostra que as verdades e crenças, dentro de uma dada sociedade, relacionadas ao homem e seu corpo, resultaram em conceitos bastante diferentes e programas que hoje chamamos Educação Física, conforme será explicitado quando falarmos sobre o tema.
Outra temática a ser explorada neste capítulo é a Ética na Educação Física, o conjunto de padrões focados no Profissional de Educação Física, os Princípios de Conduta Ética do estudante.
E o que esse assunto tem a ver com o seu curso ou sua futura profissão?
É importante lembrar que ao conhecer a história da educação física, em diferentes contextos e situações, e que dominar bem os conceitos explorados neste capítulo servirão de subsídio para sua preparação acadêmica e profissional.
Mãos à obra!
Podemos relacionar o início da Educação Física aos tempos do homem primitivo. Por uma questão de sobrevivência, as atividades físicas durante o período da pré-história dependiam do movimento, de força, velocidade e resistência. À procura de alimentos, marchando, subindo em árvores, escalando penhascos, nadando, saltando e lançando as suas diferentes armas de arremesso, o homem primitivo deslocava-se constantemente e sua economia era basicamente a caça e a pesca (Figura 1). Na luta pela sobrevivência, com a repetição contínua de movimentos básicos e naturais, o homem aperfeiçoava as funções, educando-as gradativa e inconscientemente. O aprimoramento das habilidades físicas para a otimização de gestos e construção de ferramentas, caracterizam o início do processo de sedentarização, alinhadas às técnicas rudimentares de agricultura e domesticação de animais (BAGNARA et al., 2010).
Com isso, seu espaço ocioso aumenta e as atividades praticadas, até então para sobrevivência, surgem para uma concepção esportiva. A civilidade inerente às atividades lúdicas conduzia ao aparecimento de uma hierarquia de valores éticos sociais. A partir do instante em que o homem se sedentarizou, podemos registrar o começo das lutas por posse de terras e os primeiros embates marcaram a vitória dos agressores, por seu maior vigor físico. Os que viviam da plantação, visando sucesso diante de novos ataques, aproveitavam seus momentos de ócio para o treinamento (OLIVEIRA, 2004).
Os povos mesopotâmicos estavam constantemente em lutas e o sistema educativo era, basicamente, o intelectual e o físico. O povo era preparado severamente para a guerra e a educação física era praticada nos aspectos militares, médicos e rítmicos. O aspecto militar consistia em características de guerreiro: um soldado fisicamente treinado, vigoroso, impetuoso e valente. As atividades de preparação compreendiam tiro ao alvo com flechas, esgrima, lutas, recreativas de salão, xadrez, tric-trac, dama, equitação, jogos de bola como futebol e basquete, atletismo e boxe. No aspecto rítmico, compreendia unicamente o caráter religioso, com danças sagradas (OLIVEIRA, 2004).
Na China, a Educação Física estava centralizada nas mãos da casta sacerdotal, que dominava a sociedade chinesa e se encarregava da prática e do desenvolvimento sob os aspectos morais, fisiopedagógicos, médico, esportivo, rítmico e militar.
Os aspectos médicos compreendiam caracteres terapêuticos e higiênicos e os aspectos esportivos compreendiam unicamente o caráter individual, em especial o malabarismo e os aspectos rítmicos, pois tinham de ser peritos em acrobacias e danças (OLIVEIRA, 2004). O conceito de ginástica surgiu na Grécia como “a arte de exercitar o corpo nu”.
Compreender a origem da Educação Física no contexto brasileiro e suas principais influências se faz necessário para o seu entendimento no momento atual. No Brasil, podemos vislumbrar a Educação Física com a reforma Couto Ferraz, em 1851, tornando-a obrigatória nas escolas do município da Corte e uma certa rejeição, de modo geral, por parte dos pais, em ver seus filhos envolvidos em atividades que não tinham caráter intelectual. Existia uma divisão por gênero por questões culturais da época, em que alguns pais proibiam a participação de suas filhas, mas aos meninos, como havia associação com as questões militares, a tolerância era um pouco maior (LIMA, 2012).
Em 1880, Rui Barbosa deu seu parecer ao projeto 224 da Reforma Leôncio de Carvalho, Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, destacando a importância do corpo saudável para sustentar a atividade intelectual da Instrução Pública, quando defendeu a inclusão da ginástica nas escolas e a equiparação dos professores de ginástica aos das outras disciplinas. Ainda com o nome de ginástica, no início do século XX, a Educação Física foi incluída nos currículos dos Estados da Bahia, Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo e, em 1929, na III Conferência Nacional de Educação, seus métodos, práticas e os problemas relativos ao seu ensino foram discutidos. Os métodos ensinados nessa época eram baseados nos modelos europeus alemão, sueco e francês. Essa influência era devida à produção científica ser insuficiente, os livros utilizados como referência eram importados desses países ou, ainda, escritos por praticantes dos esportes. Na década de 30, seguindo um contexto histórico e político mundial, o exército passou a ser a principal instituição a instruir o que seria o ideal para a Educação Física com objetivos de preparação “pré-militar” e cedeu espaço aos propósitos higiênicos e de prevenção de doenças, capazes de serem adquiridos dentro de um contexto educacional (LIMA, 2012).
Conforme Lima (2012), a Educação Física no Brasil cinco fases que foram marcantes na busca da conexão entre a teoria e a prática, que são: a higienista, militarização, pedagogização, competitivista e a popular.
Higienista (até 1930) – Fase em que a Educação Física teve destaque nas questões relacionadas à saúde e, consequentemente, com o importante papel de formação de homens sadios, sem vícios ou doenças infecciosas.
A falta de recursos humanos capacitados para a prática escolar era grande e isso retardou sua implementação de fato, principalmente nas escolas primárias, mesmo com a legislação e sua inclusão nos currículos. Apenas em 1937, na elaboração da Constituição, como prática educativa obrigatória em todas as escolas, é que se fez a primeira referência explícita à Educação Física em textos constitucionais federais. O processo de industrialização e urbanização fez com que a educação física ganhasse novas atribuições, como fortalecer e melhorar a capacidade produtiva do trabalhador, bem como desenvolver a cooperação (LIMA, 2012).
Fase em que a saúde ainda tinha destaque, porém com o objetivo de formar homens fortes e saudáveis, capazes de suportar a guerra. Ela compreende a revolução de 1930 e o fim da 2ª Guerra Mundial com a imposição de padrões de comportamento militar (LIMA, 2012).
Fase pós-guerra que buscou o modelo teórico norte-americano (Escola nova) evidenciando o valor educativo do jogo, além da prática da ginástica, dança e desporto. Em 1961, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, ficou determinada a obrigatoriedade da Educação Física para o ensino primário e médio.
O esporte passou a ocupar um importante espaço nas aulas, com a introdução do Método Desportivo Generalizado, diferente dos antigos métodos de ginástica tradicional (LIMA, 2012).
A palavra esporte tem sua origem no inglês e se referia a exercícios físicos, prazer, distração, brincadeira e repouso corporal. O esporte é considerado um instrumento de paz e um dos melhores meios de convivência humana (BARBIERI, 2001).
Fase em que a Educação Física buscou o alto rendimento. Como principal objetivo, a conquista de medalhas olímpicas, especializando os alunos em esportes específicos com influência tecnicista, prática voltada para o desempenho técnico e físico do aluno e a ideia de tornar-se uma nação olímpica (LIMA, 2012).
Popular, fase que esses modelos começam a serem contestados e uma imensa crise de identidade da Educação Física originam uma mudança significativa na educação infantil e no ensino fundamental com o foco no desenvolvimento motor do aluno, removendo da escola a função de promover os esportes de alto rendimento (LIMA, 2012).
Essas transformações, desde a década de 80, saindo dos âmbitos tradicionais para locais não escolares, como academias, clubes e em todas faixas etárias, trouxe uma nova definição de Educação Física como processo educacional, que utiliza o movimento para promover a saúde e bem estar da população. Nessa época, surgiram as primeiras publicações científicas com métodos quantitativos e qualitativos devido à necessidade dos profissionais na busca, em especial, por protocolos. Uma profissão existe devido à uma necessidade específica da sociedade para um tipo particular de serviço e exige especialização intelectual para a melhoria de uma comunidade (BARBANTI,2011).
Atualmente, os profissionais de Educação Física devem possuir o Bacharelado ou Licenciatura e a preparação conta com uma vasta matriz curricular, com disciplinas teóricas, práticas, de habilidades pedagógicas e de experiências práticas (estágios e PEIs) que permitem a aplicação do conhecimento sob a orientação de profissionais qualificados (BARBANTI,2011) .
Por tudo que se conhece da civilização, é bem possível que a ética tenha sido a primeira das preocupações, com tentativas de ordenação do pensamento em relação à explicação do mundo e do lugar que o homem nele ocupa. Além do objetivo em atingir os princípios de caráter ético que fundamentam e governam a organização do universo, “O esforço para compreender as condições da ação moral esteve sempre vinculado ao ideário filosófico-cultural vigente nas diferentes épocas históricas: o saber prático, o sentido moral, o intelectualismo, o formalismo e o intuicionismo representam algumas das direções em que caminhou o pensamento em busca de uma definição do valor moral” (SILVA, 2009, p.1).
A ética está diretamente relacionada às nossas experiências diárias, fazendo parte do cotidiano e, portanto, nos leva constantemente à reflexões sobre os valores que adotamos, atos que praticamos e as decisões que tomamos. O conjunto de normas ou valores adotados historicamente por uma sociedade diz respeito à determinação do que é certo ou errado, bom ou mau, permitido ou proibido. Na tentativa de sistematizar os princípios de orientação para seus profissionais, grande parte das profissões tem o seu código de ética (MARCONDES, 2007).
Como em qualquer área profissional, não existe um Código de Ética imparcial. Livre de intenções que beneficiam determinados segmentos, acaba por refletir apenas uma moral dominante. Do ponto de vista filosófico, “código” e “ética” parecem não deixar espaço para a reflexão e sim um aglomerado de regras que regulamentam o comportamento dos profissionais em determinada área, uma norma que regula o exercício profissional prático e diário. No caso da Educação Física, orienta e protege o profissional diante do contexto histórico e conquistas significativas na profissão. Se bem usufruído, pode direcionar na aplicação justa dos princípios morais. Foi somente em 1998, com a Lei nº 9.696, no mês de setembro, que a profissão de Educação Física foi regulamentada. Em 2000 (resolução 25/00), o primeiro código de ética foi vinculado às Diretrizes Regulamentares do Conselho Federal de Educação Física (Confef). Prontamente, após a publicação em 2003, no Diário Oficial da República Federativa do Brasil, a Resolução Confef 056/03 apresenta o novo código de ética, surgem as definições das competências e campos de atuação das intervenções do profissional de Educação Física (BARBOSA, 2013).
O código propõe padronizar a conexão da dimensão ética com as dimensões técnica e social, garantindo o desempenho profissional, conhecimento científico e atitude, assim como a prestação de um atendimento qualificado a um número cada vez maior de pessoas, respeitando um conjunto de princípios, normas e valores éticos livremente assumidos, individual e coletivamente, pelos Profissionais de Educação Física. O Código de Ética, sobretudo, é “um código de ética humano, que contém normas e princípios que devem ser por estes seguidos, e se aplicam às pessoas físicas devidamente registradas no Sistema CONFEF/CREFs, por adesão, demonstrando, portanto, a total aceitação aos princípios nele contidos” (Código de Ética do profissional de Educação Física, 2015, p. 129). O profissional de Educação Física é reconhecido em sua interdisciplinaridade como responsável pela prevenção e promoção à saúde na sociedade e sua regulamentação como atividade profissional foi fundamental para essa conquista.
A reflexão viabiliza o engajamento nas lutas por justiça social, tornando essencial a solidificação de uma consciência coletiva para o adequado desempenho profissional. Diferentemente de outras profissões que parecem não ter tantas desavenças quando se trata do conselho profissional ou da elaboração de um código de ética, os profissionais de Educação Física, talvez por ser uma profissão “recente”, parece não usar o código como um guia de ação nos dilemas morais que surgem a cada dia, provavelmente pela falta de exaustivas discussões coletivas de todos os segmentos (BARBOSA, 2013).
BAGNARA, I.C., LARA, A.A., CALONEGO, C. O processo histórico, social e político da evolução da Educação Física. Revista Digital. Buenos Aires, Ano 15, nº 145, jun. , 2010.
BARBANTI, V.J., Dicionário de Educação física e esporte. Manole, 3.ed., Barueri, SP, 2011.
BARBIERI, C.A.S. Esporte educacional: uma possibilidade para a restauração do humano no homem. Canoas: ULBRA, 2001.
BARBOSA, Cláudio Luis de Alvarenga. Ética na Educação Física. Disponível em Pearson. Petrópolis: Vozes, 2013. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/53763
CONFEF. Código de Ética do profissional de Educação Física. Rio de Janeiro: CONFEF, 2015. Disponível em: https://www.confef.org.br/confef/resolucoes/381
LIMA, R.R. Para compreender a história da educação física. Educação e Fronteiras OnLine. v.2, n.5, maio/ago. Dourados/MS. 2012, p.149-159.
MARCONDES, D. Textos básicos de ética de Platão a Foucault. Zahar. 2007.
OLIVEIRA, V.M. O que é educação física. Brasiliense, 2004.
SILVA, F.L. Breve Panorama Histórico da Ética. Revista bioética. 2009.
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Gabriela Rossa
Diagramação: Marcelo Ferreira
Ilustrações: Marcelo Germano e Rogério Lopes
Revisão ortográfica: Ane Arduim