Compreensão do significado social da profissão e de seu desenvolvimento sócio-histórico, nos cenários internacional e nacional, desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade;
Identificação das demandas presentes na sociedade, visando a formular respostas profissionais para o enfrentamento da questão social;
Articular o saber acadêmico ao exercício profissional para contribuir com a mobilização de sujeitos individuais e coletivos na perspectiva da emancipação humana.
Neste capítulo, será abordado de forma histórica a concepção e constituição dos direitos humanos na sociedade moderna, a fim de que se entenda a aproximação e adoção destes pelo Serviço Social como direção do agir profissional.
Consideram-se direitos humanos todos os direitos de todo ser humano. Portanto, são detentores de direitos mulheres e homens de todas as idades, etnias, credos, opções sexuais, privados da liberdade ou não, todos sem exceção.
São direitos fundamentais próprios da natureza humana, cabendo à sociedade garanti-los e preservá-los. Os direitos fundamentais são:
Liberdade, igualdade, propriedade, segurança e vida;
Educação, saúde, trabalho, lazer, previdência e assistência social, segurança, transporte;
Referem-se ao pleno emprego, meio ambiente e aos direitos do consumidor;
Formas de realização da soberania popular, referem-se à participação da população nas decisões do Estado (Magalhães, 2000, p. 1 e 3).
São também ditos direitos humanos todos os direitos conquistados ao longo dos tempos por todas as pessoas, tais como:
Retomando a história de forma sintética, tais direitos materializam-se com o Estado Liberal – princípios liberais, político e econômico, respectivamente, liberdade e igualdade e exercício da livre concorrência comercial. Nesse contexto, é promulgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 na França, que possibilitou a concepção originária dos direitos humanos.
Dessa feita, os direitos individuais são evidenciados e o direito de propriedade é inquestionável e preservado. Tem-se então um individualismo acentuado (séculos XVII e XVIII), com concreta omissão do Estado frente aos problemas sociais e econômicos, que foram agravados pela revolução industrial e o processo de desenvolvimento do capitalismo.
A partir do século XVII, as primeiras classificações ou geração dos direitos fundamentais são identificadas:
Direitos civis e políticos – séculos XVII e XVIII; conquista das liberdades políticas e dos direitos individuais (proteção do direito à vida, habeas corpus, privacidade, propriedade privada e representação dos interesses sociais no Estado. Firmaram-se pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – 1789 e pela Declaração dos Direitos do Estado da Virgínia – 1776 (SIMÕES, 2008, p. 74 e 75).
Direitos sociais – século XIX e XX; marcou-se pela expansão do capitalismo relativamente às condições de trabalho dos cidadãos. Foram considerados fundamentais nessa dimensão de direitos à saúde, à previdência social, as condições de trabalho para as mulheres, jornada de trabalho, condições do trabalho infantil, assegurado descanso e lazer.
Direitos coletivos e difusos – século XX; são direitos que trazem um cunho humanístico e de universalidade, relativos à preservação da paz, direitos ambientais, ao patrimônio comum da humanidade, proteção da infância e juventude, do consumidor, autodeterminação dos povos.
Século XX e XXI; são direitos decorrentes da sociedade atual frente à mundialização do capital financeiro e da intensificação de conflitos sociais. Tais direitos referem-se ao direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Materializam-se, por exemplo, na instituição dos conselhos de direitos (SIMÕES, 2008, p. 80 e 81).
A expressão “direitos humanos” tem como conteúdo o reconhecimento do valor humano, da pessoa como ser vivo, íntegro, pensante e respeitável. O princípio da igualdade é básico e nele está firmado o marco inicial de todos os demais direitos da pessoa, dando equilíbrio no relacionamento dos indivíduos no ambiente social. Portanto, para o convívio humano, é necessário o respeito mútuo dos direitos de cada pessoa.
[...] o direito da igualdade real passou então a impulsionar a reivindicação da universalidade dos direitos sociais, desenvolvendo-se a ideia do Estado não mais como ente passivo e palco de representação de interesses sociais fundamentais, segundo a concepção liberal, mas como formulador ativo de políticas públicas, dirigidas a amplas massas da população.
(SIMÕES, 2008, p. 76)
Assim, afirma-se que todos os homens são iguais, nenhum pode ter mais direitos ou mais liberdades do que outro, sem distinção de credo, raça, sexo, cor, opinião política, riqueza, nascimento ou outra condição.
O surgimento da sociedade legitima-se com base em um acordo de todos – o pacto social. Este irá definir os limites que os pactuantes consentem em aceitar seus direitos. A vida em sociedade e, particularmente a sociedade capitalista, impõe a limitação do exercício dos direitos naturais, aqueles decorrentes da sua natureza, justificando-se pela possibilidade de assegurar a todos os membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos.
Para tanto, busca-se a coordenação através da lei. Esta se coloca como um instrumento de coordenação das liberdades. O pacto social prescinde de um documento escrito, uma declaração de direitos.
Os conflitos gerados pela industrialização e as relações de trabalho e comerciais, identificadas nos séculos XIX e XX, e que afloraram a questão social, determinaram contradições entre os interesses individuais e as necessidades coletivas acentuando os descontentamentos no âmbito da sociedade. A pobreza e a miséria acentuadas na Europa provocaram diferentes conflitos, movimentos de enfrentamento e revolta, vindo a representar-se na 1ª Guerra Mundial em 1914. Após essa Guerra, no trato dos direitos fundamentais, passou-se a constituir os direitos sociais integrando os novos textos constitucionais (1919). Nessa época, com a internacionalização dos direitos humanos (SIMÕES, 2008), foi criada a Sociedade das Nações e a Organização Internacional do Trabalho – OIT.
O alto índice de desemprego na Alemanha oportunizou a instalação do Partido Nacional Socialista de Hitler (1934), que se tornou o único Poder no Estado alemão. Assim, em pouco tempo, o mundo foi assolado pela 2ª Guerra Mundial (1939), a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki (Japão) e as atrocidades e tristezas decorrentes desses eventos sobre as populações.
Com o término da 2ª Guerra Mundial (1945), as sociedades clamavam a responsabilidade do Estado, no sentido da criação de mecanismos que protegessem a vida e os direitos dos cidadãos. Nesse mesmo ano, foi assinada a Carta das Nações Unidas, que registrava o desejo dos povos em preservar as gerações futuras das sequelas das guerras, proclamar direitos de igualdade entre homens e mulheres, dignidade e liberdade.
Em 1946, foi criada a Organização das Nações Unidas – ONU, com o objetivo de manter a paz nas nações, a defesa das liberdades e dos direitos humanos, promovendo com isso o desenvolvimento dos países no âmbito mundial. Atualmente, fazem parte dessa Organização 191 países.
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948);
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948);
Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio (1958);
Declaração dos Direitos da Criança;
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos;
Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos (1969);
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966 vigorando somente em 1976);
Convenção Americana dos Direitos do Homem (Costa Rica, 1969);
Convenção Interamericana para Prevenir e Castigar a Tortura (1985).
Muitos outros documentos foram firmados e acolhidos no plano dos princípios pelos países signatários, porém com resistências ao seu teor e proposição com alegações quanto a questões de soberania. Promoveu-se também a multiplicação e universalização dos direitos humanos em três direções:
Ampliação dos direitos sociais e políticos e da intervenção estatal;
Passagem da noção de indivíduo humano para sujeitos diversos – família, minorias e mesmo para a humanidade;
Passagem da noção de sujeito genérico para sujeito específico – idoso, criança, mulher.
Prezado acadêmico, o trato dos direitos humanos no Serviço Social é fundamental, e você já deve ter compreendido que há uma sintonia entre eles. Por essa razão, será enfocado com particularidade a Declaração Universal dos Direitos Humanos, visto que esta Carta legitima os princípios éticos que fundamentam atualmente o trabalho do assistente social.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, e é referida pela ONU como uma declaração dos princípios que possui uma hierarquia superior, reflete os princípios de Direito Internacional. Portanto, deve ser considerada como fonte desse direito.
Foi consensuada por 48 países (com exceção da então União Soviética, Ucrânia, Tchecoslováquia, Arábia Saudita e África do Sul) traduzindo valores éticos universais contemporâneos. Assim, reflete “a marca dos projetos societários em disputa na época” (VINAGRE e PEREIRA, 2007, p. 40). Tal Declaração inova trazendo em seu bojo os princípios da universalidade, indivisibilidade e indissolubilidade dos direitos humanos.
Essa Declaração é transcendente na história da humanidade. Ela traz um sistema de princípios fundamentais da conduta humana, aceito pela maioria dos países, traz valores comuns, valores universais. Tal Declaração veio a configurar-se em função de discussões e repúdio sobre as monstruosidades e atrocidades ocorridas na Alemanha com o nazismo, que destruiu os direitos dos cidadãos alemães/judeus e, sobretudo, levou o mundo a um novo conflito.
Alguns retrocessos na luta por direitos que são fundamentais na vida do ser humano, como liberdade, igualdade, tolerância, universalidade, foram constatados ainda no século XX, tais como as violências dos conflitos entre países, a guerra fria, as disputas territoriais e por petróleo, torturas e perseguições.
Tais conflitos comprometeram o respeito aos direitos humanos por aqueles mesmos países que aderiram às declarações de direitos. Também provocaram o surgimento de novos comportamentos e a reconceituação de valores éticos determinantes para o convívio social, principalmente a partir do processo de globalização, o que contribuiu para o agravamento da exclusão social.
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi construído o Sistema Internacional de Direitos Humanos, porém não possui mecanismos internacionais de controle, ficando a cargo dos sistemas regionais. Dessa forma, há especificidades que vão ampliar ou restringir os direitos garantidos e os mecanismos de efetivação regionais.
Na década de 1990, em todos os continentes (SIMÕES, 2008, p. 72) o movimento pelos direitos humanos conquistou alguns avanços, sendo firmadas algumas declarações de direitos como: Declaração do Zaire (1990), Declaração de Tunis (1992), Declaração de São José (1993) e a Declaração de Bangcoc (1993).
Em 1993, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas sobre direitos humanos, e a II Conferência Internacional de Direitos Humanos, decorrendo destes a consagração da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos.
O mais grave problema jurídico que tem enfrentado a Declaração Universal é a falta de organismos jurisdicionais com poder para impor o cumprimento dos direitos humanos nos países em que eles são violados. Hoje, em muitos países e Estados, foram criadas as Comissões de Direitos Humanos, com a intenção de socializar e difundir princípios éticos universais e chamar à responsabilidade aqueles que violam os direitos humanos.
No Brasil, a reflexão e incorporação da concepção de direitos humanos foram demarcadas pela Constituição Federal de 1988, a partir do processo de redemocratização na década de 1980, o que permitiu garantias e avanços nessa área, tais como a constituição de um Sistema Nacional de Proteção dos Direitos Humanos fundamentado na concepção de que os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes. Portanto, todos se equivalem.
Nesse sentido, entende-se que os direitos humanos devem servir de base das políticas públicas, uma vez que estas devem responder à responsabilidade do Estado na garantia do acesso aos direitos do cidadão brasileiro.
Nem todos os valores enunciados na Declaração encontram condições de uma realização plena, dada as circunstâncias da organização da sociedade capitalista. Por essa razão, a Declaração Universal encontra contradições no cotidiano da vida social, pois propõe a justiça, a paz e a igualdade como ideais de civilização, mas ainda é verificado que não há amparo através de instrumentos legais para a eficácia desses princípios.
Deve-se considerar ainda, que durante estes 60 anos de existência da Declaração Universal de Direitos Humanos, muitas interpretações foram dadas a cada um de seus 30 artigos, de acordo com a tradução para os diferentes idiomas, a carga valorativa das diferentes culturas no mundo, bem como os interesses de cada nação.
Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
(Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 2-I)
A transcrição do artigo 2 inciso I da Declaração Universal dos Direitos Humanos acima citada, ratifica a opção do Serviço Social por uma sociedade justa e igualitária, assim como seu processo de trabalho voltado para a autonomia e emancipação dos sujeitos sociais, negando assim a “base filosófica tradicional, nitidamente conservadora, que norteava a “ética da neutralidade”, e a afirmação de um novo perfil do técnico, não mais um agente subalterno e apenas executivo, mas um profissional competente teórica, técnica e politicamente” (Introdução do Código de Ética. BONETTI, 2003, p. 215 e 216).
O Código de Ética do assistente social é um instrumento legalmente constituído, que se subordina aos valores constitucionais, o que dá materialidade ao projeto ético-político do Serviço Social. Dessa forma, define o compromisso dessa profissão com a sociedade, a vida e dignidade do ser humano-social, bem como indica a direção social e política da profissão através dos 11 princípios fundamentais expressos neste Código.
Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;
Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo;
Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras;
Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida.
Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática.
Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças;
Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual;
Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero;
Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que compartilhem dos princípios deste Código e com a luta Geral dos trabalhadores;
Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional
Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física.
Ainda, esse Código aponta como princípio e valor ético central a liberdade, o que dá ênfase a valores emancipatórios, democracia, justiça social no âmbito da democratização da sociedade brasileira.
Portanto, é importante no exercício profissional do assistente social na atualidade, entender que encontrará limites concretos na luta pelos direitos humanos, face aos interesses e demarcações da sociedade capitalista. Entretanto, alerta-se para a necessidade permanente de uma crítica sobre a definição de posturas profissionais que poderão revelar um caráter de imobilidade, de ingenuidade e até mesmo messiânico, frente a tal cenário.
A luta pelos direitos humanos no cotidiano profissional deve ser compreendida como um “campo de possibilidades de luta emancipatória” (VINAGRE e PEREIRA, 2007, p. 55). Dessa forma, cabe ao assistente social em seu cotidiano profissional, constante atenção sobre direitos como:
Na Constituição Federal do Brasil (1988), percebe-se que os princípios neoliberais não foram integralmente adotados. Contudo, os Direitos Humanos são plenamente acolhidos e sugerem a intenção de serem respeitados. Apesar disso, não significa dizer que tiveram plena vigência no país. Existe uma contradição entre constitucionalidade dos direitos e o desrespeito amplo aos direitos proclamados na vida dos cidadãos brasileiros. Nessa Constituição, constata-se que os valores que orientam os Direitos Humanos foram apontados por muitas das emendas e debates populares, o que possibilitou a universalização de direitos sociais a partir do princípio da igualdade. Também a dignidade é vista na atual Constituição como valor político, “pois é no nível político que se criam as condições institucionais para a exequibilidade dos direitos sociais” (SIMÕES, 2008, p. 81).
Dessa forma, é imprescindível que o assistente social defina sua prática profissional na perspectiva de que os cidadãos têm direito a ter direitos, que é inaceitável a discriminação e o preconceito em qualquer situação, que os idosos, crianças e adolescentes devem ser protegidos e acolhidos, que as violências, as injustiças não podem ser algo natural nas sociedades.
BONETTI, Dilséa Adeodata. Serviço Social: convite a uma nova práxis. São Paulo: Cortez, 2003.
FERREIRA FILHO, Manoel G. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
MAGALHÃES, José Luiz Q. de. Direitos humanos: sua história, sua garantia e a questão da indivisibilidade. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000.
OLIVEIRA, Jairo da Luz e LOPES, Maria Suzete M. Ética profissional em Serviço Social. Cadernos Universitários, nº 497. Canoas: Ed. ULBRA, 2008.
SIMÕES, Carlos. Curso de direito do Serviço Social. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Cortez, 2008.
VINAGRE, Marlise e PEREIRA, Tânia M. D. Ética e direitos humanos. Curso de capacitação ética para agentes multiplicadores. 4. ed. CFESS – Gestão 2002/2005. Brasília, 2007.
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Gabriela Rossa
Diagramação: Marcelo Ferreira
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão ortográfica: Igor Campos Dutra