A identificar concepções, temas, campos e períodos históricos da Filosofia;
A reconhecer e/ou caracterizar as principais correntes filosóficas que influenciaram o Serviço Social;
A compreender a influência dessas correntes nas formulações teórico-metodológicas e nas práticas interventivas no Serviço Social;
A evidenciar postura reflexiva e crítica diante dos fenômenos e acontecimentos cotidianos, à luz dos conceitos filosóficos;
A COMPETÊNCIA DCN: I. compreensão do significado social da profissão e de seu desenvolvimento sócio-histórico, nos cenários internacional e nacional, desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade; e
A COMPETÊNCIA ENADE: XI. Articular o saber acadêmico ao exercício profissional para contribuir com a mobilização de sujeitos individuais e coletivos na perspectiva da emancipação humana.
O Racionalismo e o Idealismo afirmavam que tudo se originava do espírito e da ideia. O Empirismo defendia que a experiência, o experimento científico deveria ser a base para a compreensão da vida e a produção do conhecimento. O Positivismo destacou que os dados positivos da experiência científica possibilitariam um conhecimento tal que se poderia explicar as regras gerais de funcionamento do mundo e dos fenômenos. O Materialismo, por sua vez, defendeu que a matéria é a base e a origem de tudo. Ou seja, tudo se origina da experiência concreta, real, inclusive as ideias e a consciência. Dito de outra forma, quer compreender a história real do ser humano a partir das condições materiais em que vive. Friederich Engels, amigo e colaborador de Marx, chamou isso de Materialismo Histórico.
A concepção materialista histórica apresenta três características importantes:
Tudo o que existe – fenômenos, objetos e processos sociais – é matéria, pois são aspectos diferentes da matéria em movimento.
A consciência e a ideia são reflexos da matéria que existe objetivamente e não o contrário. Matéria compreende toda a realidade que existe independentemente das ideias ou vontade individuais e subjetivas dos seres humanos. Ou seja, todos os fenômenos da natureza têm existência própria. Todos têm uma existência própria, independente daquilo que deles pensamos e se neles pensamos. Matéria “é qualquer objeto ou fenômeno natural com existência e características próprias que ocupa um lugar no tempo e no espaço” . Em outras palavras, a matéria compreende tudo aquilo que causa sensações em nossos órgãos sensoriais. Isto é, “a matéria é uma realidade objetiva que nos é dada pelas sensações” (V. I. Lênin). Essa matéria pode ser refletida pela consciência.
Ou seja, pela razão, o ser humano pode conhecer a essência e a causa de todos os fenômenos e objetos que compõem o movimento histórico da matéria.
A visão materialista já existia antes de Marx realizar suas reflexões. Ludwig Feuerbach foi um dos principais formuladores dessa compreensão de mundo. Uma das coisas que Marx criticou em Feuerbach foi o aspecto mecanicista de sua visão, pois dizia que a natureza permanece sempre igual, apenas muda em quantidade. Essa visão era decorrente das grandes descobertas dos século XVII e XVIII na matemática e na mecânica, as quais atestavam que o mundo funciona como uma enorme máquina. Marx, no entanto, entendia que o mundo é socialmente construído, logo ele pode e deve ser transformado superando as desigualdades e injustiças. Para compreender essa realidade socialmente construída, propôs a dialética. Não a dialética de Hegel, que partia do princípio de que tudo o que existe e acontece é produzido pela ideia. Ideia que, não se sabe ao certo como, mas já existia antes de o mundo existir. De Hegel, Marx aproveitou as ideias do eterno movimento, do desenvolvimento do Espírito (pensamento) universal e, principalmente, seu método dialético.
A contradição mais séria que Marx denunciou no método dialético de Hegel é que, mesmo reconhecendo que nada é eterno e imutável, nega o desenvolvimento da natureza e da sociedade, limitando-o ao movimento do espírito. Nesse Espírito, que é independente e livre das limitações da realidade, estaria a essência da realidade. Dessa forma, a essência da opressão, por exemplo, é espiritual, não material, concreta. Significa que, mesmo sendo oprimido materialmente, o trabalhador não deveria se preocupar com essa opressão, mas com a espiritual. Hegel chegou a essa conclusão pois pensava que a ausência de escravidão no Estado prussiano era sinônimo de liberdade absoluta, de ausência de exploração.
Marx inverteu essa lógica de compreensão. Hegel entendia que ricos e pobres formam uma luta de contrários, pois estão intimamente ligados e, ao mesmo tempo, se excluem. Da interação dialética dos dois seriam possíveis mudanças quantitativas que, ao final, produziriam uma nova qualitativa: uma sociedade harmoniosa. Marx deixou claro que isso jamais seria possível. A estrutura precisaria ser transformada produzindo uma nova, na qual não houvesse mais pobres e ricos.
Feuerbach materializou o idealismo de Hegel. Contudo, ao conceber o movimento da história, permaneceu metafísico, pois dizia que a natureza e a sociedade encontravam-se em sono e imóveis, sem possibilidade de mudança. Para Marx, o ser humano não poderia ser compreendido de forma abstrata como queria Hegel, nem de forma isolada como queriam Feuerbach e Prudhon. O ser humano deveria ser compreendido nas relações sociais, pois são elas que formam o ser humano.
Nas suas teses contra Feuerbach afirmou: “A essência humana (...) é o conjunto das relações sociais” (MARX, Karl. Teses contra Feuerbach. 2.ed. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978).
O jeito de sentir, pensar, agir e se comportar é produto dessas relações sociais. Essas relações, por sua vez, são determinadas pela maneira como as pessoas trabalham e produzem os meios necessários para a vida, ou seja, pelo seu modo de produção.
No prefácio de Para a crítica da economia política, Marx afirmou: “O modo de produção da vida material condiciona o processo geral da vida social, política e espiritual”.
O que é um modo de produção na concepção de Marx? Modo de produção é a maneira pela qual os seres humanos obtêm os bens que necessitam para viver (seus meios de existência material). Compreende as forças produtivas e as relações de produção. Relações de produção são as relações que as pessoas estabelecem entre si durante o seu processo de produção, troca e consumo dos seus meios de existência material. Ou seja, são as relações sociais no processo produtivo. Os meios de produção compreendem tudo o que os seres humanos empregam para originar bens materiais (máquinas, ferramentas, energia). As forças produtivas compreendem os meios de produção, os seres humanos e sua experiência acumulada na produção.
A infraestrutura condiciona a superestrutura, e não a determina. Olhando de forma dialética a relação entre infraestrutura e a superestrutura, podemos afirmar que, se por um lado, a infraestrutura condiciona a superestrutura, essa, por sua vez, também condiciona a infraestrutura. Dessa forma, se a produção material condiciona determinada ideologia ou determinado tipo de consciência, por outro lado, esse mesmo determinado tipo de consciência condiciona a realização daquele determinado tipo de produção material.
Marx, partindo da perspectiva materialista de Feuerbach, mostrou que não há liberdade nem no Estado prussiano, pois o próprio trabalho não livre (como acontecia no Estado prussiano) aliena o trabalhador. Ou seja, no trabalho não livre há o pagamento pelo trabalho realizado, mas uma parte do que deveria ser pago fica no bolso de quem paga pelo trabalho. Assim, o trabalhador é alienado de algo que lhe pertence por direito.
Alienação significa passar de uma coisa a outra sem perceber, privar alguém de algo que lhe pertence. Compreender e explicar esse processo histórico-social dessa alienação na sociedade capitalista é a primeira grande empreitada de Marx, publicado como Manuscritos Econômicos e Filosóficos, em 1844. Nessa obra, Marx explicita o processo de diferentes tipos e formas de alienação: política, religiosa e econômica.
A primeira alienação denunciada por Marx é a alienação do ser-genérico do ser humano. Ou seja, todos os seres humanos formam uma unidade, uma espécie de ser-genérico que engloba todos. Esse ser genérico fragmenta-se a partir do momento em que se divide em grupos restritos e egoístas com a intenção de monopolizar o conhecimento, a riqueza etc.
A segunda forma é a alienação do objeto. Como Marx a explica? Ele mostra que, ao produzir algo, o trabalhador coloca sua força, suas emoções, seus projetos nos objetos produzidos. Assim, os objetos contêm uma parte do ser humano que os produziu. Se o objeto voltasse para ele, tudo o que saiu dele voltaria. Contudo, não é o que acontece, pois o trabalhador, cada vez consegue usufruir menos daquilo que produz. O ser humano produz sem ter acesso ao valor de uso daquilo que produziu. Assim, cada vez mais é separado, alienado dos objetos que produz, essa é a alienação do objeto.
Acontece que, além de separar o ser humano do objeto que produziu, o objeto produzido vira mercadoria. Vira um produto com valor de mercado, isto é, com valor de troca. Esse valor de troca é superior ao custo de produção. Assim, ao vender, o dono da mercadoria lucra pela segunda vez. Na primeira, não pagou o quanto devia, fazendo com que o pagamento do trabalhador seja inferior àquilo que produziu, impossibilitando seu poder de compra. Na segunda vez, ele coloca um valor superior ao custo de produção, dificultando ainda mais o acesso do trabalhador ao produto do seu trabalho. Esse processo duplo de apropriação é chamado por Marx de processo de mais-valia.
A terceira forma é a alienação de si, isto é, o fruto do trabalho pode voltar ao ser humano que o produziu sem que ele reconheça na mercadoria a parte de si objetivada nela. Como se dá esse processo? O objeto produzido entra no anonimato do mercado através de mãos estranhas. E, ao voltar, retorna como algo estranho, como algo que o oprime, fazendo com que o ser humano torne-se estranho a si mesmo. Nesse processo, o ser humano, além de perder o controle sobre sua obra, torna-se escravo de si próprio, ou seja, aliena-se de si mesmo.
A quarta forma é a alienação do homem. Ou seja, se um ser humano teve o produto do seu trabalho apropriado por outro, deixou de ser humano e foi transformado num animal que trabalha sem usufruir aquilo que produziu. O apropriador agiu como uma animal predador, também alienando-se. Assim, na sociedade capitalista, todos, exploradores e explorados, só existem sob forma alienada. A sociedade é alienada.
A quinta é a alienação do trabalho. Para Marx, o ser humano se humaniza através do trabalho. É o único animal que transforma a natureza para atender suas necessidades. Contudo, na sociedade alienada, o trabalho deixou de ser um meio de humanização. Limita-se a ser um meio para sobreviver. No trabalho alienado, surge uma inversão trágica. Isto é, quando o ser humano não trabalha de forma consciente, deixa de ser humano. Foi transformado em animal, em apêndice da máquina e do capital. Hoje, o capitalismo se especializou em alienar, especialmente, a vida fora do trabalho.
Nesse processo de sucessivas e simultâneas alienações, produz-se a apropriação privada dos meios de produção socialmente inventados e construídos. A riqueza social (os meios de produção da vida) que deveria ser de todos, acaba na mão de poucos. Essa é a forma máxima de alienação, pois a mais profunda essência do ser humano, seu ser, sua criatividade, é transformada em propriedade daquele para quem o ser humano vendeu a si mesmo para comprar o que é produzido pelo próprio processo que o alienou dos objetos, de si e do trabalho. Exemplificando, para sobreviver, o trabalhador vende sua essência (aquilo que o torna humano) sua força de trabalho. Mas não a vende para qualquer um. Vende-a justamente para aquele que já o alienou de todo o resto, o dono do capital. E a alienação maior: vende a si mesmo para comprar o que ele mesmo produziu, mas que lhe foi alienado de tal forma que não se percebe na mercadoria. Por fim, a contradição máxima, ao fazê-lo (vender-se) está materializando a única forma capaz de dar continuidade ao seu processo de alienação. Ou seja, o trabalhador alienado, ao trabalhar, cria e mantém as condições da sua própria alienação.
Enquanto o homem não tiver se reconhecido como ser humano e, consequentemente, não organizar o mundo humanamente, a sua natureza social se manifestará somente sob a forma de alienação e o seu sujeito, o homem, será um estranho para si mesmo.
Antes de continuarmos é preciso destacar o que é uma categoria fundamental no Materialismo Dialético. Trabalho é toda a atividade na qual o ser humano usa sua energia para satisfazer suas necessidades ou atingir algum objetivo. Assim, trabalho é a atividade de fundador do ser humano. Isto é, o trabalho o torna humano. O trabalho diferencia-o dos animais. Ao se degradar o trabalho, degrada-se a natureza do ser humano.
É através do trabalho que o ser humano se relaciona com a natureza e dela se apropria, bem como constrói um novo mundo – o da cultura. Nas disciplinas de Processo de Trabalho essa categoria será aprofundada.
Antes de abordarmos esse tema, é importante clarificarmos materialismo histórico, materialismo dialético e marxismo. Marxismo compreende o Materialismo Histórico e o Materialismo Dialético, conforme concebidos por Marx. De maneira simplificada, podemos dizer que materialismo dialético é a filosofia marxista que compreende todos os fenômenos, seres, relações e ideias como reflexos, como produtos do movimento dialético da matéria. Logo, nada pode ser compreendido fora desse movimento da matéria. Materialismo histórico é a teoria social marxista que estuda as leis sociológicas que caracterizam e determinam a vida da sociedade.
Essa teoria social busca fundamento no movimento dialético da matéria, e na constituição material da vida e da sociedade, demonstrar como a sociedade, os seres humanos e os objetos são produzidos e se produzem. Para isso formulou princípios, leis e categorias. É o que vamos conhecer agora.
O Materialismo Dialético apresenta dois princípios fundamentais e três leis, e a partir delas trabalha com diferentes categorias, das quais se destacam seis. Os dois princípios fundamentais são:
Essencialmente, a matéria se caracteriza pela interconexão de todos os fenômenos e objetos. Nenhum elemento existe isoladamente. Essa interligação é determinada por leis objetivas. Por exemplo, a Revolução Francesa não existe sem a revolução e, por sua vez, a revolução não existe sem a Revolução Francesa. Em outras palavras, a Revolução Francesa (parte) está interligada com o processo revolucionário universal (todo) e vice-versa. Nessa perspectiva, qualquer mudança, desenvolvimento ou transformação somente será possível em interligação e movimento.
Nada está estático. Como dizia Heráclito (por volta de 500 a.C.), não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio. A fonte do movimento são as contradições internas, presentes em todos os objetos e fenômenos. Por exemplo, uma criança já traz em si o seu contrário (a contradição). Ao tornar-se 100% criança, deixará de ser criança. Nessa perspectiva, a causa do desenvolvimento e da transformação está nos próprios objetos e fenômenos da natureza e da sociedade, não em alguma força externa ou sobrenatural. O desenvolvimento é produzido através do acúmulo de mudanças quantitativas. Havendo as mudanças quantitativas necessárias, produzir-se-á a mudança qualitativa. Por exemplo, à medida que alguém cursa as disciplinas vai realizando mudanças quantitativas no seu processo de formação. Ao realizar todas as mudanças quantitativas necessárias como aluno, surgirá uma nova qualidade: não mais será aluno, será graduado.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2002.
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Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
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Diagramação: Marcelo Ferreira
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão ortográfica: Ane Arduim