A identificar os diferentes ferros fundidos;
A descrever suas características pela microestrutura;
A influência do silício nos ferros fundidos;
Como produzir a grafita esférica;
Como tornar um ferro fundido dúctil.
Este capítulo aborda o segundo grupo de ligas ferrosas de grande emprego no mercado, os Ferros Fundidos. Historicamente, foram desenvolvidos primeiro, como já colocado; após, surgiram os aços. Os ferros fundidos são empregados por processo direto do líquido para a produção de peças prontas ou quase prontas, chamado de fundição. Pouca é a produção de barras semiprontas com essas ligas. Ao longo dos anos, foram desenvolvidas e aperfeiçoadas várias ligas diferentes com ou sem adição de elementos de liga. Atualmente, eles se subdividem em cinco grandes famílias. Nesses grupos, o teor do elemento carbono continua sendo essencial, porém agora com mais relevância na forma livre, a grafita, e a sua morfologia ajuda a caracterizar esses subgrupos.
Os ferros fundidos são ligas em que o teor de carbono está acima de 2,1%, ou seja, acima do limite máximo de carbono na solução sólida da austenita. De forma geral, poderiam ir até o limite de carbono da cementita (6,7%), mas isso não é normal. A grande maioria fica com teores abaixo do ponto eutético no diagrama Fe-C (nesse grupo, o diagrama Fe-Fe3C, não é tão usual), que corresponde a 4,3%, normalmente são ditas ligas hipoeutéticas. Nesse ponto eutético, a temperatura de liquidus é em 1148 ºC, valor inferior aos dos aços, o que torna essas ligas mais fáceis de se fundir. No entanto, os FoFo, também conhecidos assim, recebem a influência de um outro elemento químico, o silício, bem como do fósforo, em menor grau. Então são mais conhecidas como ligas ternárias, onde o silício traz alterações nos valores do eutético; dessa forma, é preciso analisar no diagrama Fe-C, o conceito de Carbono Equivalente (CE), onde o percentual do silício provoca essas alterações, de acordo com a equação:
CE = %C + (%Si) / 3 ou CE = %C + (%Si + %P) / 3
Isso significa que o silício desloca o eutético para valores mais baixos do que os 4,3%, além de ser importante para a decomposição da cementita, ou seja, apresenta tendência grafitizante (GUESSER, 2009). Dessa forma, ao se analisar o diagrama Fe-C, no lugar do carbono, introduz-se o CE. Normalmente, os percentuais de carbono se encontram na faixa de 2 a 4% e do silício entre 1 a 3%, a Figura 1 apresenta essa distribuição das famílias contra teores de carbono e silício (COLPAERT, 2008).
A morfologia da grafita é classificatória para as diferentes famílias dos ferros fundidos, com a exceção de um grupo onde se espera a ausência da grafita livre, vindo todo o carbono combinado na forma de carbonetos. Tem-se, então, uma grande divisão em cinco grupos, quais sejam, o cinzento, o nodular (ou dúctil), o maleável, o vermicular e o branco. Cada um desses grupos apresenta características próprias que, se forem somadas, atendem grande parte das necessidades da indústria. A Figura 2 apresenta os grupos com um acréscimo das variações da matriz metálica.
A classificação parte, então, da forma da grafita (lamelar, nodular, em roseta), que é feita mediante análise metalográfica com a amostra só polida (Figura 3). Após, faz-se a análise da matriz metálica, podendo ser ferrítica, perlítica, martensítica etc., usando reativo químico para isso (Figura 4).
Dessa forma, os ferros fundidos são classificados pela forma da grafita e pela sua microestrutura. A morfologia da grafita apresenta efeito pronunciado nas propriedades do ferro fundido. Enquanto que a forma lamelar causa mais fragilidade, a forma esférica produz mais ductilidade e tenacidade. Por outro lado, a dissipação de calor e amortecimento de vibrações é melhor na forma lamelar, piorando na nodular (GUESSER, 2009).
Dois fatores influenciam a microestrutura dos ferros fundidos, a composição química e a velocidade de resfriamento.
Pela composição química, os elementos químicos principais são o carbono, que determina a quantidade de grafita que pode ser formada; o silício, que tem efeito grafitizante, pois ele favorece a decomposição do carboneto de ferro, influenciando o ferro a ser cinzento ou branco; o manganês, que tem efeito inverso ao silício, i.e., ele estabiliza a cementita. De certa forma, a Figura 2 evidencia isso. Já pela velocidade de resfriamento, em seções espessas, a velocidade é mais lenta, e em seções finas, mais rápida; em seções intermediárias, um ferro mesclado. Portanto, em velocidades rápidas, a tendência é formar ferro branco, em zonas coquilhadas, produzindo veios finos com distribuição dendrítica; em velocidades lentas, forma-se cinzento, podendo apresentar veios grosseiros de grafita, sempre aliado à composição química. As velocidades intermediárias geram uma distribuição e tamanhos normais de grafita.
A primeira grande divisão de classificação dos ferros fundidos é entre cinzento e branco. Isso decorre da cor da fratura de uma amostra fundida. Se ela se apresentar com cor cinza escura, chama-se de cinzento; se a coloração for um cinza claro, chama-se de branco.
Ver Figura 5 adaptada de COLPAERT, 2008.
Como comentado, o fundido cinzento apresenta uma fratura com uma coloração escura, caracterizada por apresentar o carbono e o silício em maiores teores como elementos de liga (2,5<%C<4,0; 1,0<%Si<3,0) e estrutura em que o carbono se apresenta no estado livre (grafita lamelar) e outra parte no estado combinado (Fe3C); a Figura 3a mostra o aspecto de grafita lamelar (GUESSER, 2009). O ferro cinzento, por ser de fácil fusão, elevada fluidez e solidificação, excelente usinabilidade, boa resistência mecânica (100 a 400 MPa), boa resistência ao desgaste (devido à grafita livre) e capacidade de amortecimento, com baixo custo, é o ferro fundido mais empregado, chegando a 75% do total. Apresenta matriz ferrítica em velocidade baixa ou perlítica em velocidade moderada. Pode ser encontrado pelas normas ABNT (FC 100 a FC 400), SAE, ASTM, DIN, entre outras. A grafita atua como cunhas, Figura 3a, baixando a tenacidade e a resistência mecânica. Apresenta razoável resistência a corrosão. Muito usado em fundição mecânica em geral, blocos de motores, engrenagens de grandes dimensões, máquinas agrícolas, carcaças e suportes de máquinas, tubos e conexões.
A forma da grafita pode ser classificada em cinco diferentes tipos: A - irregular desorientada; B - em roseta; C - desigual irregular; D - interdendrítica desorientada; E - interdendrítica orientada (COLPAERT, 2008; CHIAVERINI, 1984).
Em termos de tratamentos térmicos, aceita o recozimento, têmpera e revenido, austêmpera etc., lembrando sempre que o tratamento térmico só atua na matriz, não alterando a forma da grafita.
O ferro nodular apresenta como diferencial a grafita em forma esférica, ou nódulos, a Figura 3b mostra um aspecto da grafita nodular. Essa forma característica da grafita traz ao material propriedades não conseguidas nos cinzentos, ou seja, maior ductilidade (também chamado de ferro dúctil) e tenacidade (resistência ao impacto). Além de aumentar ao dobro a resistência mecânica, atingindo valores da ordem de 900 MPa, sem tratamento térmico para promover martensita ou bainita, somente com matriz perlítica. Com respeito a sua ductilidade, os de matriz ferrítica podem atingir 20% de alongamento (GUESSER, 2009). A faixa de composição química dos principais elementos é muito parecida com os cinzentos, 3,5<%C<4,0; 1,8<%Si<3,0 (Figura 1). No entanto, uma pequena adição de Mg ou Cério, na forma de ferro ligas, tipo Mg-Si-Fe na panela de vazamento contendo o ferro fundido líquido, ocorre uma violenta reação. O magnésio age como inibidor da grafitização, dessa forma o ferro fundido solidifica com formação de cementita. Quando cessa a ação do magnésio, a cementita decompõe-se, originando grafita, nesse caso adquirindo uma forma próxima a de um nódulo. Como o ferro está em estado de solidificação, a grafita não consegue produzir as lamelas características como assume no cinzento, permanecendo na forma esférica (CHIAVERINI, 1984). Além das características já mencionadas, o ferro nodular apresenta alta usinabilidade, devido à grafita; possibilidade de deformação plástica a frio e a quente; boa fluidez; soldabilidade melhorada, comparada ao cinzento e mantendo baixo custo. A liga FE 50007 (segundo ABNT) possui um dos menores custos de fabricação por não necessitar de tratamento térmico. Aplicações típicas dos ferros nodulares podem ser vistas em eixo de comando de válvulas, virabrequins, engrenagens e pinhões, coletores, juntas universais, entre outras. As propriedades mecânicas são obtidas pela combinação da forma da grafita com a matriz, sendo essa totalmente ferrítica, totalmente perlítica, ou uma mistura delas. Também é um material bastante utilizado com o tratamento térmico de austêmpera, onde a matriz de bainita promove o aumento de resistência mecânica aliado a uma boa tenacidade. Pela norma ABNT, chega-se à classificação do FE 1300, com 1300 MPa de limite de resistência (GUESSER, 2008). Aceita diversos tipos de tratamentos térmicos, sempre lembrando que a atuação do tratamento é na matriz, mantendo a grafita inalterada.
Os ferros fundidos branco, como foi visto, recebem esse nome pela cor da fratura de uma amostra produzida para essa verificação. A forma principal que o carbono se encontra nesses materiais é como cementita. Isso é conseguido devido às condições de solidificação aliada à composição química onde o carbono tem entre 2,0 a 3,5%; o silício entre 0,5 a 2,0%; e para facilitar a formação do carboneto de ferro adiciona-se até 0,5% de Mn (efeito anti-grafitizante). A alta velocidade de resfriamento tem ação colaborativa, produzindo uma matriz coquilhada (CHIAVERINI, 1984). Porém, pode-se observar, em seções muito espessas, devido a uma velocidade de resfriamento mais lenta, o surgimento de grafita livre. Esse ferro possui grande resistência à compressão e ao desgaste (em função da cementita); em razão disso, é extremamente frágil, não podendo ser usinado, com soldagem virtualmente impossível, no entanto, apresenta baixo custo. Como exemplo de aplicação desse material, pode-se citar peças sujeitas a elevada compressão e atrito, esferas de moinhos e rolos de laminadores, sapata de freio de trens, entre outras, sempre levando em conta que as elevadas taxas de resfriamento limita o tamanho das peças (SANTOS, 2015). O tratamento térmico aplicado a esse material é para produzir o ferro fundido maleável.
O ferro fundido maleável possui composição química dos elementos carbono e silício semelhante ao ferro branco, de onde ele provém, mediante um tratamento térmico de maleabilização. Essa foi a primeira família de ferros fundidos que apresentavam ductilidade visível. Esse tratamento térmico pode ser de grafitização, ou de núcleo preto, ou por descarbonetação, ou de núcleo branco. Os de núcleo preto podem apresentar matriz totalmente ferrítica, totalmente perlítica ou uma mescla delas. O maleável produzido por descarbonetação, por apresentar uma boa camada sem carbono, aceita muito bem ser soldado (GUESSER, 2008; CALLISTER; RETHWISCH, 2016). Esse tratamento térmico tem a função de decompor a cementita, formando aglomerados de grafita, dita em forma de rosetas. Essa família de ferros fundidos foi quase que totalmente substituída pelos nodulares, devido às suas vantagens técnicas e econômicas. Dentre os produtos produzidos por esse material, é comum as conexões de tubulação, além de outros produtos ferroviários marítimos e até automotivos.
Os ferros fundidos vermiculares, ou grafíticos compactos, são a mais nova família dos ferros fundidos. Suas propriedades variam entre as do ferro fundido cinzento e as do nodular, ou se situam entre esses dois. Seu nome decorre da aparência da grafita, que é vista como em forma de vermes, ou vermicular. Em comparação com os ferros fundidos cinzentos, os grafíticos compactos possuem maior resistência mecânica, maiores ductilidade e tenacidade e menor oxidação a temperaturas elevadas (GUESSER, 2008; CALLISTER; RETHWISCH, 2009). Comparado ao nodular, apresenta menor coeficiente de expansão térmica, maior condutibilidade térmica, maior resistência ao choque térmico, maior capacidade de amortecimento, melhor fundibilidade e melhor usinabilidade.
Eliminar tensões residuais;
Melhorar usinabilidade;
Homogeneizar as propriedades;
Decomposição de carbonetos;
Aumentar tenacidade;
Aumentar resistência mecânica;
Aumentar resistência ao desgaste e à fadiga.
Alívio de tensões;
Recozimento de ferritização;
Recozimento de decomposição de carbonetos;
Normalização;
Têmpera e revenido;
Têmpera superficial;
Austêmpera e Martêmpera;
Nitretação.
Cada um deles apresenta objetivo específico a que se destina, as aplicações mais recorrentes e os parâmetros de processo (GUESSER, 2008).
CALLISTER, W. D.; RETHWISCH, D. G. Ciência e Engenharia dos Materiais: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 2016.
CHIAVERINI, V. Aços e Ferros Fundidos. São Paulo: ABM, 1984.
COLPAERT, H. Metalografia dos Produtos Siderúrgicos Comuns. 4. ed. revista e atualizada por: André Luiz V. da Costa e Silva. São Paulo: Blucher, 2008.
GUESSER, W. L. Propriedades Mecânicas dos Ferros Fundidos. 1. ed. São Paulo: Blucher, 2009.
SANTOS, G. A. Tecnologia dos Materiais Metálicos: propriedades, estrutura e processos de obtenção. São Paulo: Érica, 2015.
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Gabriela Rossa
Diagramação: Vinicius Ferreira
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão ortográfica: Igor Campos Dutra