Descrever as etapas de redução dos minérios;
Descrever o processo de transformar ferro gusa em aço.
Neste primeiro capítulo, será abordado um breve histórico do emprego dos metais pelo homem. Também veremos desde a limpeza ou redução dos minérios metálicos, principalmente os ferrosos, até a confecção de um produto final chamado de aço.
Os metais e suas ligas raramente são encontrados na forma metálica na natureza, ou seja, originalmente eles compõem o grupo dos materiais cerâmicos. Portanto, cada metal que hoje é utilizado como material metálico em engenharia precisou passar por um processo de limpeza e purificação.
Concentrando-se nos metais ferrosos, que são de longe os mais empregados em aplicações no dia a dia da civilização, veremos muitas situações em que os ferrosos são encontrados, e que podem ser aplicadas nos demais, cada um com a sua peculiaridade.
Desde os primórdios da civilização, o homem vem utilizando materiais para seu benefício. Os cerâmicos e os polímeros naturais foram os de primeiro contato. Poucos metais são encontrados na natureza na forma metálica, e os que são assim achados pertencem à classe dos metais nobres, pois têm mais dificuldades de se combinarem.
Dentre os principais metais empregados, os ferrosos se sobressaem. Isso está correlacionado a uma série de características desse grupo de metais importantes que dividiram os metais em dois grandes grupos, os ferrosos e os não ferrosos. Outra peculiaridade dos metais é que eles foram empregados para nomear idades da civilização, como Idade do Bronze e Idade do Ferro.
Com respeito aos ferrosos, há registros de uso em torno de 2.000 a.C. para as primeiras aplicações desses metais. Isso ocorreu na região do Oriente Médio, berço da civilização ocidental. Os primeiros processos de limpeza desses minérios foram bastante rudimentares e trabalhosos, e ao longo dos anos esses processos foram sendo aperfeiçoados. Com a junção do minério de ferro com lenha vegetal (possuidor do elemento carbono) a uma temperatura adequada, ocorriam esses primeiras limpezas do ferro.
Com o avanço das civilizações dominantes ao longo dos tempos, essa técnica acabou por se difundir por toda a Europa também. A partir daí, esses processos de limpeza ganharam sofisticação e deixaram de ser produzidas de forma empírica e se tornam uma técnica mais científica com a publicação de literatura a respeito, passando de um processo de redução direta (sem fusão) para processos com temperatura do estado líquido. Vários países buscavam essa produção, dada a importância desse metal e, de forma bem rápida, pode-se citar os processos Siemens-Martin e o Bessemer. (CALLISTER, 2016; SMITH e HASHEMI, 2012),
No Brasil, essa técnica de produção de ferrosos iniciou na Fazenda Ipanema, no município de Iperó/SP, ou na Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, nome da época, no final do século XIV. (http://www.ipero.sp.gov.br/floresta-nacional-de-ipanema/)
O ferro gusa é o resultado inicial da fabricação das ligas ferrosas, principalmente destinadas a se tornarem aço. Ainda hoje, 75% da fabricação das ligas ferrosas passa por essa etapa (dita rota primária). Os outros 25% são provenientes de recuperação de sucata, ou rota secundária. O Brasil apresenta um bom percentual de jazidas de minério de ferro de alta qualidade, pouco mais de 8% mundial, com um dos maiores percentuais contidos de ferro, ultrapassando 60%, sendo o segundo maior exportador desse produto, perdendo apenas para a Austrália. A Figura 1 mostra uma mina a céu aberto.
Figura 1: Mina a céu aberto de extração de minério de ferro.
Fonte: Pxhere - https://pxhere.com/pt/photo/928314
De posse do minério de ferro, dependendo da origem, alguma concentração precisa ser feita. Concentração significa retirar materiais indesejados do minério, ou seja, os estéreis, como a sílica, por exemplo. A maior produção desse produto está na região sudeste do Brasil, mais especificamente em Minas Gerais. De lá são extraídos os maiores percentuais utilizados. As reservas mais ricas se encontram no estado do Pará, e a grande dificuldade é a logística para deslocar esse produto.
Esse produto primário a partir da redução do minério de ferro chama-se gusa, que é produzido em um equipamento de nome alto-forno. Esse equipamento recebeu essa nomenclatura pois chega a ter 30 m ou mais de altura (SANTOS, 2015). É um forno de cuba de contracorrente, pois pelo topo são admitidas as matérias-primas e, pela parte inferior, o ar quente necessário para o processo (Figura 2). Como matéria-prima, são inseridos no topo, alternadamente, o minério de ferro, o carbono na forma de coque e os fundentes, (calcário principalmente). Essas três matérias-primas mais o ar quente, portador de oxigênio, reagem para resultar no produto primário ferro gusa. No livro de Smith e Hashemi, p. 262, há uma descrição mais detalhada.
A Figura 3 apresenta um fluxograma ilustrativo do processo desde a entrada das matérias-primas iniciais até o lingotamento e laminação final para a fabricação do aço.
O carbono, essencial na redução do minério de ferro, está presente no carvão mineral. Na usina, esse carvão passa por um processo chamado de coqueificação, onde ocorre uma pirólise em temperatura na ordem de 1.100 ºC em ausência de ar.
O minério de ferro admitido no forno está na forma de britado granulado, nas dimensões entre 6 a 40 mm, mas outras duas opções são também empregadas, na forma de sinter (entre 5 e 50 mm) e na forma de pelota (de 5 a 20 mm).
Pois bem, o carbono presente no coque tem quatro funções essenciais para as ligas ferrosas, três delas para a produção, ou seja, produzir o calor necessário para a termodinâmica do processo; produzir (junto com o oxigênio) o gás redutor, CO, que vai separar o ferro do oxigênio presente no mineral hematita e fornecer os espaços no forno por onde os gases devem passar para atingir as camadas mais altas. A quarta e principal função é agir como elemento de liga nas ligas ferrosas solidificadas.
Conforme visto na Figura 2, no canto inferior direito, o carro com o gusa líquido é transportado para o setor da usina chamado de aciaria, e lá esse material é colocado em um conversor. Nesse equipamento é adicionado o gusa e mais um percentual de sucata (SMITH E HASHEMI, 2012). Na sequência, ocorre a entrada de uma lança de oxigênio que tem por finalidade oxidar os elementos indesejados e baixar seus valores. Esse conversor é chamado de LD, ou forno básico a oxigênio, Figura 4.
Termodinamicamente, as impurezas são oxidadas preferencialmente, e não o ferro, sendo transferidos esses óxidos para uma nova escória que se forma. Esse processo leva de 20 a 30 min. Após essa etapa, o aço ainda não está pronto. O próximo tratamento, conhecido como refino secundário, tem a finalidade de acerto na composição química final e na temperatura da corrida. Nessa etapa, agora no forno panela, ocorre uma homogeneização e correção da temperatura pela agitação do banho metálico usando gás inerte e por meio de eletrodos de grafite, que promovem o aquecimento necessário. além do correto ajuste da composição química (podendo ser adicionados componentes de liga) e uma desoxidação a fim de minimizar o gás oxigênio injetado anteriormente para a oxidação das impurezas. Nesse caso, são inseridos elementos com grande afinidade com o oxigênio, como o alumínio e alguns ferros-liga. Em aços de construção mecânica, que necessitam de melhores parâmetros de propriedades mecânicas, entre outras, é promovido posteriormente uma desgaseificação a vácuo, a fim de retirar os gases adsorvidos no processo, tais como hidrogênio, nitrogênio e oxigênio. Existem mais de uma forma de execução, porém hoje o mais aplicado é o chamado desgaseificação RH (Ruhrstahl-Heraeus), Figura 5.
Existe também nas usinas siderúrgicas um processo bastante eficiente de recuperação de sucata ferrosa, principalmente aços, chamado de Forno Elétrico à Arco (FEA), em que podem ser usadas como componente de carga ferros fundidos ou até mesmo ferro gusa. Mesmo dentro de uma usina de aço em rota primária (usinas integradas) existe sucata das diversas etapas de fabricação, então esse forno é bastante útil. Tem-se no mercado usinas menores, as semi-integradas, onde o forno de primeira fusão de aço é o FEA. Ele consiste basicamente de uma carcaça de aço com refratários internos e uma tampa que possui três eletrodos de grafite, que por meio de um curto circuito ou o arco voltaico gerado entre a sucata metálica e os eletrodos que funde essa carga com tempo entre 30 a 60 min., como mostra a Figura 6. Após a fusão, a corrida segue os mesmos caminhos que o aço produzido no conversor, ou seja, refino secundário e desgaseificação (SANTOS, 2015).
A etapa final é o processo de solidificação, chamado de lingotamento, e existe em uso dois caminhos, o convencional e o contínuo. O convencional ainda se subdivide em dois, o direto (vazado por cima) e o indireto (vazado por baixo). Nesses dois processos, vários lingotes (a forma se chama de lingoteira) são solidificados, sendo um processo intermitente, normalmente empregado para corridas de menor volume de aço, principalmente para aços especiais. Mundialmente, os aços seguem o caminho de uso de lingotamento contínuo devido aos ganhos econômicos de processo. Então, após o aço preparado no refino secundário, ele segue para o distribuidor, que se assemelha a uma piscina de acúmulo de aço, e abaixo dele podem existir mais de um veio de solidificação com a forma desejada de seção transversal do produto, podendo ser em forma de placa ou não (SANTOS, 2015), a Figura 7 mostra esse processo em maior detalhe.
O aço solidificado após o lingotamento normalmente segue para um forno de reaquecimento onde depois vai para a linha de laminação, que culminará na conformação mecânica desses produtos finalizando o processo e apresentando o aço em diferentes seções transversais finais, que são cortadas e comercializadas no mercado.
Os aços ainda podem se apresentar, em função de sua velocidade de resfriamento e composição química, como aços efervescentes, aços semi-acalmados, aços capeados e aços acalmados (ver mais detalhes no livro do Santos, 2015, p. 118).
Finalizando este primeiro assunto, tem-se então que aços são ligas básicas de ferro e carbono (até 2,1%), mais alguns elementos resultantes do processo de fabricação, tais como enxofre, fósforo, silício e manganês. Na sequência do curso, serão vistas as classificações completas dessas ligas ferrosas.
CALLISTER, Willian D.; RETHWISCH, David G. Ciência e Engenharia dos Materiais: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 2016.
COLPAERT, Hubertus. Metalografia dos Produtos Siderúrgicos Comuns. revisão técnica André Luiz V. da Costa e Silva. São Paulo: Edgard Blucher, 2008.
RODRIGUES, Hugo Augusto. Visite a Floresta Nacional de Ipanema. Prefeitura de Iperó, 2 abr. 2018. Disponível em: http://www.ipero.sp.gov.br/floresta-nacional-de-ipanema/. Acesso em: 13 abr. 2020.
SANTOS, Givanildo Alves dos. Tecnologia dos Materiais Metálicos: propriedades, estrutura e processos de obtenção. São Paulo: Érica, 2015.
SMITH, Willian F.; HASHEMI, Javad. Fundamentos de Engenharia e Ciência dos Materiais. Porto Alegre: AMGH, 2012.
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Design Instrucional: Gabriela Rossa
Diagramação: Vinicius Ferreira
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão ortográfica: Ane Arduim