Aplicar o correto tratamento térmico em função da liga metálica;
Saber alterar as características das ligas metálicas de maneira termofísicas e termoquímicas;
Saber projetar as fases resultantes dos resfriamentos em função da sua taxa;
Saber o significado de temperabilidade dos aços;
Saber traçar o perfil de dureza em uma liga metálica ferrosa.
O assunto abordado neste capítulo serão os tratamentos térmicos. Este processo de fabricação é muito empregado nas ligas metálicas, principalmente as ferrosas. Várias outras ligas não ferrosas também são possíveis de serem tratadas termicamente. O objetivo principal desse processo é a alteração ou mudança de algumas características mecânico-metalúrgicas. Mediante as mudanças de fases microestruturais procedidas pelos tratamentos térmicos, ocorrem essas alterações nas propriedades das ligas, principalmente mecânicas, mas também podem ser alteradas características eletromagnéticas e de corrosão.
Desde a antiguidade, tem-se registros de alteração de características dos metais por métodos de encruamento e recristalização executados por martelamento em folhas de ouro e cobre ou têmperas produzidas em aços. Sobre isso, há registros nos escritos de Homero e Aristóteles, entre outros. Na Idade Média, também houve execução de têmpera total ou localizada em lâminas e, a partir desse período, vários outros documentos de processos em metais foram escritos na Europa em países como Rússia, França, Alemanha e Inglaterra, entre outros, bem como nas Américas (NOVIKOV, 1994).
Resumindo-se aos aços, entende-se como tratamentos térmicos uma sequência de operações consistindo de aquecimento, podendo ter influência a velocidade desse aquecimento até uma determinada temperatura, sob condições controladas de tempo, atmosfera do meio nessa temperatura e posteriormente de resfriamento a que são submetidos os aços com a finalidade de alterar suas propriedades ou promover características específicas. A Figura 1 expressa de modo gráfico essa explicação, facilitando o entendimento.
Os tratamentos térmicos podem ser subdivididos em termofísicos e termoquímicos, que apresentam o objetivo de alterar primeiramente propriedades mecânicas, como dureza e ductilidade, entre outras, ou elétricas e magnéticas também.
A base para o estudo dos tratamentos térmicos parte dos diagramas de fases. Para os metais ferrosos, o diagrama Fe-Fe3C. Este diagrama foi produzido mediante resfriamento muito lento, buscando as fases de equilíbrio. Na prática dos tratamentos térmicos, os aços são quase sempre resfriados do campo austenítico até a temperatura ambiente de uma forma decrescente e contínua (uma das exceções é o tratamento de recuperação e recristalização).
Essa mudança de condições de velocidade de resfriamento causa grandes alterações na microestrutura. A transformação da austenita em outros constituintes depende do tempo de resfriamento e da temperatura onde ocorre a transformação. As pesquisas que levaram a essas conclusões foram executadas por Davenport e Bain (CHIAVERINI, 1984). A partir desses experimentos, surgem os diagramas ou curvas TTT (Transformação-Tempo-Temperatura), ou curvas em "C", que fornecem uma visão esquemática dos fenômenos que ocorrem durante a transformação isotérmica da austenita em outros constituintes.
A Figura 2 ilustra uma curva, e as linhas contínuas em "C" representam "i", o início de transformação, e "f", o fim de transformação. Caso um aço de composição eutetóide (0,77% C), como da Figura 2, seja aquecido acima de 727 ºC, a estrutura austenita será estável. Quando essa liga é resfriada lentamente e mantida em temperaturas menores que 727 ºC, a estrutura Fe-gama não é mais estável, formando-se a ferrita e, simultaneamente, ocorre a separação de uma segunda fase rica em carbono, a cementita (Fe3C). A curva de resfriamento correria quase paralela, em pequeno ângulo, a linha de temperatura de 727 ºC, gerando a microestrutura de perlita grosseira. Com uma velocidade mais rápida, uns 60º com o eixo de ordenadas, cortaria as curvas em "C", finalizando abaixo dos 600 ºC na região de perlita fina. Mediante uma velocidade de extração de calor muito rápida, saindo de 800 ºC em direção ao tempo de 1 segundo, em T=0 ºC, cortaria as linhas horizontais tracejadas de Ms a M90, o que resultaria na fase de martensita total.
Assim como foi visto o diagrama TTT do aço eutetóide, para cada aço, em cada alteração de composição química, uma nova curva é criada, e é ela que fornece a base para os tratamentos térmicos. Uma vez que essas curvas foram criadas baseadas em transformações de equilíbrio, elas não representam corretamente os tratamentos térmicos com resfriamento contínuo, que são a maioria. Dessa forma, foram criadas as curvas de Transformação por Resfriamento Contínuo (TRC).
Para o estudo e previsão das fases resultantes dos tratamentos térmicos, faz-se uso e consulta às curvas TRC. Como a maioria dos tratamentos é de resfriamento contínuo e as fases de equilíbrio surgem por meio de nucleação e crescimento, existe uma inércia dessa nucleação. Isso provoca um retardo no tempo e uma diminuição de temperatura comparada com as curvas TTT, e a Figura 3 mostra um exemplo de sobreposição das duas situações de nucleação em um aço eutetóide.
Velocidade de aquecimento: a velocidade deve ser lenta em peças de grandes dimensões, ou então deve-se fazer patamares de aquecimento para homogeneizar as temperaturas a fim de não criar um grande gradiente de temperaturas que pode causar danos;
Temperatura de tratamento: depende do tipo de material e da transformação de fase desejada, ver diagramas de fases;
Tempo em temperatura: depende basicamente das dimensões da peça a fim de atingir uma completa dissolução / solubilização das fases para posterior transformação, tempos longos pode causar oxidação;
Atmosfera do forno: no caso dos aços, para evitar a oxidação ou perda de algum elemento químico (descarbonetação), usa-se uma atmosfera protetora;
Velocidade de resfriamento: depende do tipo de material e da transformação de fase ou microestrutura desejada. O meio de resfriamento é que vai proporcionar essa velocidade.
Tratamentos termofísicos (SANTOS, 2015) são os tratamentos térmicos que alteram somente as fases e microestruturas dos aços, não objetivando alterar a sua composição química. Eles podem ser subdivididos em:
Este tratamento de recozimento tem como finalidade básica a diminuição de resistência mecânica, ou dureza, e aumento de ductilidade. Ele apresenta algumas subdivisões, dependendo da finalidade ou da condição inicial do material, podendo ser a Plena ou Total, quando o aço é aquecido acima da zona crítica, mantido tempo suficiente e posteriormente feito um resfriamento lento no forno, geralmente para gerar a perlita grosseira (COLPAERT, 2008). Outro modo é o Alívio de Tensões ou Recristalização, no caso de o aquecimento ser abaixo da zona crítica (subcrítico), aplicado normalmente após trabalho a frio, encruamento ou em outra situação, como soldagem ou corte. A opção de recozimento que provoca a maior redução de dureza é o de Esferoidização ou Coalescimento. Neste caso, o aço é aquecido por um tempo prolongado a uma temperatura logo abaixo da linha inferior da zona crítica. Outra opção para esse tratamento é proceder-se o aquecimento e resfriamento alternados entre temperaturas que estão logo acima e logo abaixo da linha de transformação inferior da zona crítica, os 727 ºC. A microestrutura resultante é chamada de esferoidita, uma vez que a cementita fica na forma esférica dispersas na matriz ferrítica. Essa forma dos carbonetos esféricos apresenta a maior ductilidade dos aços. Ainda tendo outros como de Homogeneização, Isotérmico e para Difusão de Hidrogênio. Em todos esses, normalmente os tempos são longos.
O tratamento de normalização tem como objetivos principais o de refinar a estrutura, homogeneizando-a, diminuir o tamanho de grão e aumentar a tenacidade. Esse processo consiste em aquecimento em austenitização total, com posterior resfriamento ao ar calmo (o teor de carbono influencia neste resfriamento), a fim de produzir uma microestrutura de perlita fina, com ferrita (nos hipoeutetoides) ou com cementita (nos hipereutetoides).
Este par de tratamentos térmicos deve ser executado em sequência, e sempre após a têmpera deve vir o revenimento. A têmpera é uma operação executada sobre os aços, e que consiste de um aquecimento na região austenítica total ou parcial, pois depende do teor de carbono (Figura 4), mantido nessa temperatura para homogeneização e seguido de resfriamento rápido o suficiente para produzir a microestrutura martensita (dependendo do meio de resfriamento). Essa fase é dura e frágil (COSTA E SILVA; MEI, 2006). Assim, quanto mais martensita, mais dureza vai ter o aço, de forma geral. Portanto, novamente o elemento químico carbono é essencial nessas ligas ferrosas. Quanto mais carbono, maior a quantidade de martensita, maior dureza. Aços com teor de carbono abaixo de 0,3% não são objetivados para esse tratamento, e a adição de outros elementos de liga podem modificar esses resultados.
Um parâmetro útil para esse processo é a análise da curva de temperabilidade do aço. Entende-se por temperabilidade a capacidade do material de desenvolver a estrutura martensítica, ou de endurecer até certa profundidade (Figura 5). O método Jominy é mais prático e direto. A martensita gerada pela têmpera é instável, por isso é necessário um tratamento complementar, o revenimento. Assim, é possível regular o grau de dureza do aço fazendo uso desse processo. Na têmpera, o carbono fica aprisionado na célula cristalina do ferro, causando tensão. A escolha da temperatura de revenimento permite a saída de átomos de carbono, aliviando a tensão e, consequentemente, diminuindo a dureza. A fase resultante é chamada de martensita revenida. Cada aço tem uma curva de revenido para se poder determinar a dureza requerida.
Estes tratamentos isotérmicos são executados nos aços para minimizar os efeitos de grande tensão gerada no resfriamento, bastante útil em aços com mais elementos de liga. São também chamados de têmpera interrompida.
Na martêmpera o resfriamento rápido é executado a partir da zona austenítica em óleo aquecido ou um banho de sal fundido em temperatura logo acima da temperatura Mi com a finalidade de não gerar uma tensão muito grande no material. A fase final do processo, após resfriamento até temperatura ambiente, é martensita, portanto, ainda é necessária a execução do revenimento.
A austêmpera também é um tratamento em que após o aço aquecido à temperatura austenítica é resfriado em um banho de sal fundido, entre as temperaturas de 450 a 250 ºC. A fase resultante desse processo é chamada de bainita. Ela consiste de um agregado não lamelar de ferrita e carbonetos. É uma fase de boa dureza, próxima a da martensita, no entanto com alta tenacidade. Ela é útil em peças que apresentam muito empenamento.
Em algumas situações, só é necessário um endurecimento localizado ou em uma camada superficial. Para isso, tem-se os tratamentos superficiais. Eles consistem no aquecimento localizado, gerando estrutura austenítica e após um resfriamento rápido produzem martensita. O aquecimento é executado por uma chama oxiacetilênica ou por indução eletromagnética, e existem ainda outras técnicas mais sofisticadas. Esse processo é empregado em eixos, dentes de engrenagens ou outros. O resultado confere uma superfície endurecida e um núcleo dúctil, pois como o núcleo não atingiu a fase austenítica, mesmo sendo resfriado continuará ferrítica e perlítica. O essencial nestes casos é o aço apresentar o teor de carbono acima de 0,4%.
Os tratamentos termoquímicos têm como objetivo a alteração superficial dos aços. Essa alteração propiciará modificação localizada das propriedades dos aços. Os principais métodos são a cementação e a nitretação.
A cementação é o processo para enriquecer a superfície do aço com carbono. Para isso, os aços empregados nesta técnica possuem no máximo 0,2% de carbono, e a forma de deposição do carbono é por difusão na superfície em direção ao núcleo. Os processos empregados são chamados de sólido, líquido e gasoso, que são a forma como o carbono se encontra, com temperaturas em torno de 930 ºC por até 6h para camadas de 0,8 mm. Com o aumento do teor entre 0,8 a 1,0%, no máximo, na forma de Fe3C, garante que na têmpera subsequente o aço endurecerá na região onde o teor de carbono contribuir para formar martensita, mantendo o núcleo com baixo carbono. O núcleo, então, mesmo no resfriamento rápido ficará dúctil e tenaz, muito provável com estrutura de perlita e ferrita. Após a têmpera deve ocorrer o revenimento.
A nitretação é um outro tratamento termoquímico que consiste em introduzir nitrogênio gasoso na superfície do aço. O nitrogênio deve se combinar com outros elementos químicos presentes no aço, de preferência o Al, e a presença desses nitretos causam aumento de dureza na superfície, sendo esse o objetivo. Uma vantagem desse processo é empregar temperaturas mais baixas que a cementação (± 500 ºC), mas, por outro lado, os tempos são bem mais longos (podendo chegar a 25h), mesmo com camadas bem menores, em torno de 0,2 mm.
CALLISTER, Willian D.; RETHWISCH, David G. Ciência e Engenharia dos Materiais: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 2016.
CHIAVERINI, Vicente. Aços e Ferros Fundidos. ABM: São Paulo, 1984.
COLPAERT, Hubertus. Metalografia dos Produtos Siderúrgicos Comuns. 4. ed. revista e atualizada por: André Luiz V. da Costa e Silva. São Paulo: Blucher, 2008
COSTA E SILVA, André Luiz V. da; MEI, Paulo Roberto. Aços e Ligas Especiais. São Paulo: Blucher, 2006.
SANTOS, Givanildo Alves dos. Tecnologia dos Materiais Metálicos: propriedades, estrutura e processos de obtenção. São Paulo: Érica, 2015.
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Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão ortográfica: Ane Arduim