A identificar as regiões com fase sólida e líquida do diagrama;
A avaliar conforme a temperatura e o percentual de carbono as fases presentes;
A identificar as transformações eutética, eutetoide e peritetoide;
A identificar se uma liga é hipoeutética ou hipereutética e hipoeutetoide ou hipereutetoide;
A identificar o campo dos aços e dos ferros fundidos.
Este segundo capítulo abordará a influência do elemento carbono nas ligas ferrosas correlacionada com a variação de temperatura. Foi visto anteriormente que esse elemento químico exerce um papel vital para esse conjunto de ligas, tanto nos aços como nos ferros fundidos. A compreensão e o uso dessa ferramenta chamada de diagrama de equilíbrio de fases conduz a boa prática de engenharia tanto nos processos de transformação mecânica como nos tratamentos térmicos. Nesse diagrama, poderão ser vistas as diferentes fases de equilíbrio que ocorrem nesse sistema e suas diferentes microestruturas, principalmente as que permanecem na temperatura ambiente. Nele, estão inclusos dois pontos extremamente importantes que marcam e nomeiam as ligas ferrosas, os pontos eutético e eutetoide. Também poderão ser aprendidas as variações de arranjo cristalino do ferro e suas influências nas propriedades de suas ligas.
Essa é uma continuação do assunto já abordado na forma geral dos diagramas de equilíbrio binários. Agora, sendo mais específico neste conjunto dos elementos químicos ferro e carbono.
O ferro puro é um metal peculiar, pois pode existir em mais de um tipo de reticulado cristalino em função da temperatura que se encontrar. Essa característica é chamada de alotropia ou polimorfismo, o que significa que apresenta variação na sua forma estrutural.
Analisando a curva de resfriamento do ferro puro desde antes de sua temperatura de solidificação, ou seja, no estado líquido, observa-se o seguinte: a partir de 1538 ºC (alguns apresentam como sendo 1539 ºC), ocorre a solidificação. Entre 1538 e 1394 ºC, o ferro existe no arranjo cúbico de corpo centrado (CCC), aqui recebe o nome de fase delta (𝛅), ou ferrita delta. Abaixo de 1394 até 912 ºC, ocorre o arranjo cristalino cúbico de face centrada (CFC), essa fase do ferro recebe o nome de ferro gama (𝛄) ou austenita. Dessa temperatura de 912 ºC até abaixo da temperatura ambiente, o ferro volta a se arranjar como cúbico de corpo centrado, ou CCC, aqui chamado de fase alfa (𝛂), ferrita alfa ou simplesmente ferrita. Entre 768 e 912 °C (inclusive acima desta), o ferro deixa de ser magnético, tornando-se paramagnético e, antigamente, era chamado de ferro 𝛃. A diferença entre as estruturas CCC do ferro 𝛂 e do ferro 𝛅 reside no valor do parâmetro de rede dos dois casos. Na faixa de temperaturas mais baixa, o parâmetro de rede é menor. A Figura 1 apresenta essas variações de arranjo cristalino com temperatura para o ferro puro.
Figura 1: Variação do arranjo cristalino do ferro puro com a temperatura. Fonte: http://www.livred.info/estruturas-cristalinas.html?page=7.
Somente para relembrar, os arranjos cúbico de corpo centrado e cúbico de face centrada podem ser vistos na Figura 2.
Figura 2: Representação dos arranjos cristalinos. (a) cúbico de corpo centrado (CCC); (b) cúbico de faces centradas (CFC). Fonte: http://engenharia.iblogger.org/.
Mediante um resfriamento lento nas ligas ferro e carbono, normalmente aparece preferencialmente a fase metaestável Fe3C, ou o carboneto de ferro, que possui uma composição fixa de 6,67% de C, e não a fase estável do carbono. Dessa forma, é muito mais empregado no mercado o diagrama Ferro-Carboneto de Ferro, Fe-Fe3C, do que o diagrama Ferro-Carbono. Esse diagrama pode ser visto na Figura 3.
Figura 3: Diagrama binário Fe-Fe3C. Fonte: Callister e Rethwisch, 2016.
Analisando o diagrama, verifica-se o seguinte na região superior do mesmo, como já informado. O ferro puro solidifica (ou funde) em 1538 ºC. O ponto de fusão/solidificação do composto intermetálico Fe3C é de aproximadamente 1227 ºC, conhecido por Cementita, e ocorre no outro extremo do diagrama, limitado a 6,67%, que é o valor do carbono nele. Nessa região de recém solidificação, a primeira fase sólida, ou solução sólida intersticial, que ocorre é a ferrita delta. Nessa região, ocorre uma reação envolvendo sólidos e líquidos, a reação peritética (0,17% de C), na temperatura de 1495 ºC acontece a passagem da dupla fase L + 𝛅 para a região monofásica gama/austenita, Figura 4. Lembrando que o carbono é considerado uma impureza no ferro.
Essa próxima região, acompanhando o resfriamento, ou solução sólida austenita (em homenagem ao engenheiro inglês Sir William C. Roberts-Austen) apresenta o teor de carbono variando de zero até um máximo de 2,11% em 1148 ºC, sendo a solução ferrosa que dissolve o maior valor de carbono, podendo ser encontrada no teor de 0,77% na temperatura de 727 ºC, apresentando-se como CFC. Esse valor de 2% é considerado o limite das ligas ferrosas conhecidas como aço, sendo que normalmente não se encontra tantas ligas com valores acima de 1%.
Continuando o resfriamento, surge a outra fase alotrópica CCC, ou a ferrita alfa, ou só ferrita. Essa solução sólida também intersticial pode apresentar um máximo de 0,022% de carbono na temperatura de equilíbrio de 727 ºC, e um mínimo de zero, Figura 5.
Nota-se que a fase austenita consegue dissolver 100 vezes mais carbono que a fase ferrita. Diminuindo a temperatura, chega-se na temperatura ambiente com um valor máximo de carbono na ferrita de 0,008%. Esse material pode ser chamado de ferro comercialmente puro. Uma representação da solução sólida intersticial de carbono no ferro é vista na Figura 6.
Nesse diagrama, existem dois pontos característicos que marcam as ligas ferrosas. Um é a reação eutética, que ocorre em 4,3% de carbono na temperatura de 1148 ºC, essa reação fica dentro do campo dos ferros fundidos. A outra reação é conhecida como eutetoide, apresentando valor de 0,77% de carbono na temperatura de 727 ºC. Essa nomenclatura é usual no mercado, sendo classificados os ferros fundidos como eutéticos, hipoeutéticos (valores de carbono menores que 4,3%) e hipereutéticos, acima de 4,3% de C. Dessa mesma forma, a reação eutetoide também marca os aços, classificados como eutetoides, hipoeutetoides (carbono menor que 0,77%) e hipereutetoides (acima de 0,77% de C).
A região do diagrama abaixo de 727 ºC até a temperatura ambiente e compreendida entre quase 0% e 6,67% de carbono apresenta somente duas fases em equilíbrio e são elas a ferrita e a cementita, ou Fe 𝛂 e Fe3C. Essas duas fases sólidas comuns das ligas ferrosas de equilíbrio, ou quase equilíbrio, apresentam características mecânicas e metalúrgicas como segue, no caso a ferrita sendo uma solução sólida intersticial de carbono na rede cristalina CCC, é uma fase dúctil com limite de resistência mecânica da ordem de 300 MPa. Tem baixa dureza, com valores de 35 HRB, em média, com um máximo de 0,022% de C. Apresenta grãos de contorno irregular. Por sua vez, a cementita, ou carboneto de ferro, tem arranjo cristalino ortorrômbico, possuindo alta dureza e sendo muito frágil. A resistência mecânica dos aços é aumentada com o aumento da presença de cementita. A austenita, que ocorre na transformação peritética e em outros percentuais de carbono abaixo dessa temperatura, é uma fase que nos aços comuns só ao carbono só é estável acima de 727 ºC, é uma fase dúctil devido ser CFC, assim tem boa deformabilidade, sendo não magnética e com grãos poligonais. No livro do Callister e Rethwisch (2016), a partir da página 304, há uma descrição complementar e mais detalhada sobre isso. O mesmo quanto ao livro do Smith e Hashemi (2012), a partir da página 265. Porém, de forma sintética, esse assunto pode ser visto no livro de Santos (2015), na página 137.
Um aço com composição de carbono correspondendo ao teor do ponto eutetoide (0,77%), ao atingir a temperatura de 727 ºC, será transformado totalmente de austenita para perlita, mantendo-se nessa condição até a temperatura ambiente, Figura 7. A Perlita (Figura 7) é um microconstituinte, sendo uma mistura mecânica com 88,5% de ferrita e 11,5% de cementita, na forma intercalada de lâminas finas, ou lamelar. Possui 0,77% de carbono, que se origina pela decomposição da austenita em 727 ºC, nucleando essas duas fases alternadamente. Seu nome é devido à aparência, quando observado em um microscópio óptico, de madrepérola (Figura 8).
Analisando-se o resfriamento de um aço com teor de carbono menor do que 0,77%, a partir da região onde tem-se a solução sólida austenita inicia-se, ao atingir a linha A3, a transformação da austenita em ferrita (ferro alfa) nos contornos de grãos de austenita, essa ferrita é chamada de proeutetoide. Em virtude do ferro alfa não suportar altos níveis de carbono, no prosseguimento do resfriamento, a austenita vai se enriquecendo com carbono até atingir 0,77% de C no ponto de encontro da linha A3 com a linha A1. Nesse ponto, a 727 ºC, ocorre a transformação brusca e repentina da austenita em duas fases, ferrita e cementita, que se apresentam lado a lado, como finas lâminas delgadas alternadamente, só podendo ser percebidas em microscópio com grande aumento, denominada de perlita, como já visto. Assim, tem-se uma estrutura, conforme pode ser vista na Figura 9, de grãos de perlita com contornos de ferrita.
Supondo tratar-se agora de um resfriamento de um aço com carbono acima de 0,77%, a partir da região que corresponde à austenita, ao se atingir a linha Acm inicia-se a precipitação de cementita (Fe3C) nos contornos de grão de austenita, sendo dita cementita proeutetoide. À medida que o resfriamento prossegue, a austenita vai se empobrecendo de carbono com a contínua precipitação da cementita. Portanto, a austenita, que inicialmente tinha um teor acima de 0,77% de C, vai perdendo carbono, ao percorrer a linha Acm, até atingir o teor de 0,77% de C a 727 ºC. De forma similar como nos aços hipoeutetoides, a austenita decompõe-se na microestrutura perlita. Ao fim, tem-se uma estrutura de grãos de perlita com contornos de cementita. O fato de a cementita ser muito dura e quebradiça, torna os aços hipereutetoides menos tenazes, ou seja, mais frágeis nas propriedades de impacto, principalmente pelo seu alojamento em contorno de grão, Figura 10.
ASM INTERNATIONAL. Alloy Phase Diagrams. ASM Handbook Committee, v. 3, volume editor: Hugh Baker. Materials Park: ASM International,1992. ISBN: 0-87170-381-5.
CALLISTER, W. D.; RETHWISCH, D. G. Ciência e Engenharia dos Materiais: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 2016.
SANTOS, G. A. dos. Tecnologia dos Materiais Metálicos: propriedades, estrutura e processos de obtenção. São Paulo: Érica, 2015.
SMITH, W. F.; HASHEMI, J. Fundamentos de Engenharia e Ciência dos Materiais. Porto Alegre: AMGH, 2012. http://engenharia.iblogger.org/
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