GEOMETRIA DESCRITIVA E DESENHO TÉCNICO: BASE TEÓRICA
Prof. Débora Battastini
Prof. Débora Battastini
Os conceitos e terminologias da geometria descritiva e desenho técnico;
A relevância e as diferentes aplicações desta disciplina;
Um pouco de história e o contexto atual.
Este primeiro capítulo abordará conceitos, trazendo informações sobre o significado dos diferentes termos utilizados na disciplina de Geometria Descritiva e Desenho Técnico. Tratará também da relevância desta disciplina para as áreas de engenharia, arquitetura e design e da aplicação desses conteúdos na vida desses profissionais. Ainda, é importante trazer um pouco de história, que ajudará a dar sentido a todo processo de evolução dessa área, bem como a visão do contexto atual, com a utilização de tecnologias digitais para a área de expressão gráfica.
Nos vinte e três anos de atividade como docente na área de expressão gráfica, pude acompanhar, como ainda acompanho, o embate dos alunos no aprendizado desta disciplina. A disciplina de Geometria Descritiva sempre traz consigo a ideia de algo abstrato demais, pouco acessível e muitas vezes falta mesmo a compreensão, por parte dos alunos, de sua aplicação prática.
Este material objetiva desmistificar e demonstrar o quanto são necessários e empolgantes esses conteúdos, motivando para o aprendizado com a certeza de que é um processo que deve ser realizado em etapas, de forma gradual e contínua.
Desejo que seja uma aprendizagem significativa para todos!
A Descritiva, como a própria Matemática, é um exercício para determinadas faculdades mentais, uma ginástica como a dos músculos. Se você não usa um órgão, ele se atrofia. E quem gostaria de ter um cérebro atrofiado? (MONTENEGRO, 2015)
Vamos começar então a desvendar estes termos!
A Geometria Descritiva descreve como representar sobre um plano os elementos do espaço. Seu objetivo é resolver “graficamente” problemas relativos à forma, à grandeza e à posição dos elementos. Enquanto a geometria analítica resolve os problemas de forma matemática, a geometria descritiva resolve os problemas de forma gráfica, por meio do desenho.
Geometria é uma palavra de origem grega, derivada da união dos termos “geo” e “metria”. “Geo” significa “terra, lugar” e “metria” significa “medida”, ou seja, “medida da terra”, “medir a terra”. Segundo COUCEIRO (2016, p. 16), o aprofundamento dos conhecimentos em geometria surgiu da necessidade dos antigos egípcios de medir suas terras, porém, o uso da geometria no cotidiano das civilizações se percebia no trabalho de artesãos, artistas e carpinteiros. O termo geometria surge em meados do século IV a.C. a partir dos postulados de Euclides que abrangia toda a aritmética, álgebra e geometria conhecidas até então no mundo grego. Euclides de Alexandria foi considerado o pai da geometria, sua principal obra, “Os Elementos” é um tratado matemático e geométrico, considerado um dos melhores objetos de estudo da geometria plana, também conhecida como geometria plana euclidiana.
Esta chegou um “pouco” depois, no século XVIII, como teoria criada por Gaspar Monge, que propôs um sistema de projeções ortogonais ou diédricas, também conhecido como Sistema Mongeano.
A geometria descritiva objetiva “representar sobre um plano os elementos do espaço, de modo a poder resolver graficamente os problemas relativos à sua forma, grandeza e posição.” (BORGES, 1996).
A GD se presta para desenvolver a habilidade de imaginar objetos ou projetos no espaço e não apenas a leitura ou interpretação de desenhos. Algumas profissões exigem a capacidade de pensar em três dimensões, e sem este tipo de pensamento, mais a habilidade de transportá-lo para o desenho, é impraticável a criatividade, a inteligência para criar soluções. (MONTENEGRO, 2015, p. 8)
Bom, os conceitos seguem um pouco abstratos. Vamos tentar ilustrar melhor, então. Todos nós conhecemos de maneira mais científica ou empírica o que é uma vista plana, por exemplo, a fachada da nossa casa, o desenho lateral de uma cadeira, o desenho de mapas. Essas representações chamamos de projeções cilíndricas ortogonais.
Essas representações, além de serem sínteses de formas complexas tridimensionais, são também maneiras de representar os objetos em sua verdadeira grandeza, com suas dimensões reais ou proporcionais, sem distorções resultantes de uma interpretação mais artística ou de uma representação em perspectiva cônica.
Gaspar Monge, quando sistematizou essa forma de representar os elementos do espaço sobre os planos de projeção, representando suas dimensões em verdadeira grandeza, permitiu que as obras civis e militares fossem executadas de forma rápida e precisa.
Hoje conhecido como o pai da geometria descritiva, é um dos responsáveis pela expansão industrial do século XIX. Sem esses avanços matemáticos — originalmente empregados na engenharia militar —, a inovação da maquinaria desse período teria, provavelmente, sido impossível. (MACHADO, 1986, p. 112 apud JARDIM, 2018, p. 104).
Estamos aqui abordando um conhecimento científico, com base teórica, mas que deve ser visto e relacionado a situações práticas, pois é para isso que essa e outras teorias foram criadas. Sistematizar processos, criar métodos, para uso concreto nos campos de atuação dessa disciplina.
Podemos classificar os sistemas de projeções em dois tipos, o sistema de projeções cilíndricas ou paralelas e o sistema de projeções cônicas.
Projeção Cilíndrica Ortogonal:
Fonte: a autora, 2019.
Projeção Cilíndrica Oblíqua:
Gaspar Monge propôs dois planos cortando-se perpendicularmente e os chamou de plano vertical e horizontal de projeção.
Fonte: a autora, 2019.
Os planos dividiram o espaço geométrico em quatro diedros, os quais Gaspar Monge numerou no sentido anti-horário, 1º diedro, 2º diedro, 3º diedro e 4º diedro.
Fonte: a autora, 2019.
Diedro = palavra de origem grega, onde di = dois e hedro = face, plano.
Diedro ou ângulo diédrico é um ângulo no espaço tridimensional, dois semiplanos com origem em uma aresta comum.
Fonte: a autora, 2019.
Dessa forma, o objeto que estivesse posicionado no 1º diedro, por exemplo, seria projetado gerando uma vista frontal e superior nos planos de projeção, mantendo a mesma escala nas duas vistas e o alinhamento de suas dimensões, relacionando as duas vistas de forma mais clara, permitindo a execução do projeto posteriormente, com mais precisão, pois permitia, dessa forma, ilustrar concomitantemente forma, grandeza e posição.
Fonte: a autora, 2019.
Dentro do método proposto por Monge, para o alinhamento das vistas (projeções) em um mesmo plano, foi feito o rebatimento do plano vertical de projeção sobre o plano horizontal de projeção, conforme ilustrações a seguir:
Fonte: a autora, 2019.
Além da projeção dos planos π¹ e π² (nomenclatura utilizada que explicarei mais adiante), temos o plano auxiliar de perfil, ou plano lateral, o plano π0.
Fonte: a autora, 2019.
O resultado desses rebatimentos é chamado de Épura. Palavra de origem francesa épure.
Por meio do método criado por Monge, podemos visualizar simultaneamente a grandeza, a forma e a posição dos elementos tridimensionais projetados no plano.
Monge criou uma linguagem de desenho que permitia a comunicação entre as vistas dos planos horizontal e vertical em único desenho projetivo, através das linhas de construções ou linhas de chamada que estabeleciam fatores de comunicação entre a FORMA e a DIMENSÃO do objeto. (BATTASTINI, 2015)
Nos Capítulos 3 e 4, utilizaremos esses conceitos em exercícios e aprofundaremos esse conteúdo. Neste momento, queremos trazer um entendimento global do conteúdo de suas origens e sistematização.
E o Desenho Técnico? Vamos esclarecer, então, que tipo de desenho é esse que chamamos de “Desenho Técnico”. Se compararmos o Desenho Artístico com o Desenho Técnico, podemos esclarecer melhor esses conceitos, pelos seus contrastes.
O Desenho Artístico é uma forma de expressão livre, subjetiva e ausente de regras. Duas pessoas diferentes podem representar o mesmo tema, porém com resultados completamente distintos.
O Desenho Técnico já é uma linguagem regrada, em que não pode existir dualidade de interpretação ou representação, é uma linguagem universal, normalizada, para que projetos de engenharia, design ou arquitetura possam ser executados de forma precisa, completa e sem ambiguidade. Segundo Izabel Cristina Zattar, “o desenho técnico pode ser definido como a clara representação gráfica de um objeto, a qual não permite quaisquer dúvidas na descrição do seu tamanho e formato.” (ZATTAR, 2016, p. 21).
A necessidade de representar projetos data de muitos séculos. Segundo Luís Veiga da Cunha, temos exemplos de desenhos de projetos que chegaram até nós como “os executados pelos egípcios para a construção das pirâmides ou pelos povos da Mesopotâmia para a construção de monumentos e edifícios.” (CUNHA, 1999, p. 2).
Porém, o principal problema era que a linguagem utilizada não tinha o rigor de hoje, a representação ainda era muito próxima à artística, permitindo dubiedade de interpretação. A necessidade de criar um sistema menos ambíguo foi evoluindo com o tempo, até que no séc. XVIII, a Geometria Descritiva de Gaspar Monge veio a sistematizar como projetar objetos tridimensionais em superfícies planas, introduzindo assim uma forma de representação que criou as bases da representação técnica utilizada atualmente.
Nos séculos XVIII e XIX, com a Revolução Industrial, as necessidades decorrentes desse tipo de produção, com a substituição do trabalho artesanal pela produção em massa, aprofundaram a necessidade de uma representação técnica normalizada. Já no séc. XX, as dificuldades encontradas na cooperação técnica e militar entre os países aliados na Segunda Guerra Mundial evidenciaram a necessidade de normalização a nível internacional. (CUNHA, 1999, p. 18).
A normalização depende da criação e uso de normas técnicas que irão regrar todo o processo de produção. O desenho técnico está sujeito a essas normas e em função delas é que mantém uma forma padrão de representação e interpretação necessária ao processo de produção de um produto ou execução de uma obra civil.
O Desenho Técnico é uma linguagem com rigor técnico que garante a leitura e interpretação corretas e, por consequência, a execução precisa do que está sendo representado. O desenho técnico arquitetônico, o desenho técnico mecânico ou ainda o desenho técnico civil segue essas normas. No Brasil, as normas são regulamentadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. As normas regulamentadas a nível nacional, se baseiam em normas internacionais, como as normas ISO – International Standardization Organization (Organização Internacional de Padronização) ou DIN - Deutsches Institut für Normung (Instituto Alemão de Normalização). As normas para o desenho técnico são baseadas em padrões internacionais, garantindo a sua compreensão a nível regional, nacional ou internacional.
Enfim, tudo está relacionado à forma de comunicação e interpretação de ideias e projetos.
Mas não para por aí, como esses desenhos são feitos nos dias de hoje? Ainda utilizamos instrumentos de desenho tradicionais como lápis, lapiseiras, esquadros, compassos etc., mas devido às características desse tipo de desenho, hoje executam-se essas representações com softwares e hardwares específicos para a área de computação gráfica.
A computação gráfica iniciou na década de 60 do século XX, mas foi na década de 80 que se tornou acessível a pequenos escritórios e empresas, com a popularização dos computadores de uso pessoal, o PC – Personal Computer.
Softwares e hardwares foram criados e evoluíram de forma rápida, tornando-se indispensáveis, pois aceleraram o processo de execução de tarefas repetitivas, como redesenho, ou detalhamentos. Por meio da computação gráfica, podemos criar modelos tridimensionais ou representações bidimensionais desses modelos. Além dessa tecnologia auxiliar no processo de concepção e representação do projeto, dá maior controle de todo processo, permitindo prever erros que o desenho técnico tradicional não revelaria.
Essa tecnologia, no entanto, não anula a necessidade de conhecer todos os conceitos e termos relativos à área do desenho, que aprofundaremos nos próximos capítulos. São conhecimentos fundamentais que dão sentido ao aprendizado, mostrando desde as primitivas básicas de desenho, oriundas dos postulados de Euclides, como o ponto, a reta e o plano, sendo indispensável para a aprendizagem da linguagem gráfica.
Sempre ouvi uma frase que me marcou ao longo da vida, proferida repetidas vezes por meu pai, “conhecer é saber relacionar”, ou seja, só se apropriou de um conhecimento aquele que sabe aplicá-lo.
Na busca de dar sentido e significado para nosso assunto é que trago essa abordagem teórico-histórica. Com essa passagem rápida pelos principais conceitos e pitadas históricas, podemos seguir para o próximo capítulo, em que vamos nos familiarizar com o Desenho Geométrico.
BATTASTINI, Ivan. Computação gráfica aplicada à produção. Organizado por Universidade Luterana do Brasil. Canoas: Ed. ULBRA, 2015.
BORGES, G. C. de M. et al. Noções de geometria descritiva: teoria e exercícios. 6. ed. Porto Alegre: SAGRA-DC LUZATTO, 1996.
COUCEIRO, K. C. U. dos S. Geometria Euclidiana [livro eletrônico]. Curitiba: InterSaberes, 2016.
CUNHA, L. V. da. Desenho Técnico. 11. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.
JARDIM, M. C.; GIORA, T. Desenho geométrico [recurso eletrônico] [revisão técnica: Henrique Martins Rocha]. Porto Alegre: SAGAH, 2018.
MONTENEGRO, G. A. Geometria descritiva – Volume 1 [livro eletrônico]. 2. ed. São Paulo: Blucher, 2015.
ZATTAR, I. C. Introdução ao Desenho Técnico [livro eletrônico]. Curitiba: InterSaberes, 2016.
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Gabriela Rossa
Diagramação: Lucas Dias Luiz
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão ortográfica: Igor Campos Dutra