APRESENTAÇÃO

Documentação musical: por um lado, pode significar o ato de documentar, de produzir registros da prática, produção e ensino da música, por outro, trata dos documentos já produzidos ou acumulados a partir das atividades musicais. Documentação musical é compreendida, portanto, neste encontro, como produto e como processo.

O ato de documentar as práticas perpassa as vias da etnografia, das gravações (comerciais ou não), da mídia e das formas mais recentes de interação entre as pessoas que envolvam a música. A documentação da produção é igualmente ampla, abrangendo as mais diversas vertentes da composição, de estilos musicais, suportes ou grafias, que transformem as intenções musicais em informação passível de ser reproduzida. A esfera de acrílico de Ácronon e as planimetrias de Wu-li, ambos de Koellreutter, a partitura manuscrita e os autógrafos produzidos diretamente em softwares, os arquivos de áudio das músicas eletroacústica e acusmática ilustram a vasta gama de tipologias de documentos relativos à produção musical no tempo presente.

Os vestígios materiais das atividades musicais do passado são igualmente amplos, estendendo-se dos registros rupestres, como o da figura antropomorfa que toca uma flauta - recorrente na Amazônia - e os instrumentos musicais descobertos por meio da pesquisa arqueológica até os livros de coro das igrejas, as partituras, partes avulsas, rascunhos de obras, registros de compositores, documentos administrativos de instituições com atividades musicais, discos, fitas e um sem-número de possibilidades. Neste sentido, o logotipo do evento buscou contemplar tal diversidade, ao apresentar a música de tradição escrita em um documento musicográfico, o registro sonoro das práticas musicais e uma figura zoomorfa flautista, recorrente em pinturas rupestres amazônidas.

Imagens de figuras humanas e animais tocando flautas, algumas delas sozinhas e outras acompanhadas de animais ou outras pessoas. São nove as figuras documentadas, distribuídas em três linhas. As da primeira e terceira estão sozinhas e as da segunda, acompanhadas. Junto às figuras há também escalas para calcular seus tamanhos.

Figuras antropomorfas e zoomorfas que foram documentadas e estudadas por Raoni Maranhão Valle na Amazônia Setentrional.¹

No tratamento da documentação a diversidade é igualmente contemplada: está nas atividades cotidianas dos arquivistas de bandas e orquestras, nos cantores das igrejas, que se responsabilizam pela preparação dos materiais para seus pares, mas também na lida de bibliotecários, arquivistas, historiadores, conservadores e restauradores, além, dos musicólogos. Fontes relativas à música podem servir ainda a outros campos do conhecimento, tais como a História, a Linguística, as Ciências do Patrimônio, a Educação e tantos outros.

Entre 19 e 21 de agosto de 2021 foi realizado o primeiro encontro, que teve como tema "Fontes múltiplas e abordagens plurais". Sem perder o aspecto da diversidade, entre 15 e 17 de setembro de 2022, o segundo encontro teve como tema "Registro das práticas musicais nos tempos e espaços".

O Encontro Brasileiro de Documentação Musical e Musicologias foi proposto como projeto de extensão à Coordenadoria de Pesquisa e Extensão da Escola de Música da Universidade Federal do Pará, tendo sido aprovado pelo Conselho da mesma Escola em 2021, por meio da Portaria EMUFPA n.° 379/2021, com renovação para o ano de 2022. No momento, não há previsão quanto à realização da terceira edição do evento, mas tão logo haja tal possibilidade no horizonte, será realizada divulgação.

Por considerar exitoso o engajamento de pesquisadoras e pesquisadores de distintas regiões do país, tanto na composição das mesas-redondas, painéis e práticas documentadas, como também na condição de público participante, o segundo encontro foi mantido na modalidade virtual. Neste site é possível encontrar as principais informações acerca do evento.

Caso sejam necessários quaisquer esclarecimentos acerca do Encontro Brasileiro de Documentação Musical e Musicologias, pedimos a gentileza de enviarem um e-mail para domus@ufpa.br .




¹ Descreve o autor: "[...] Zoomorfos Flautistas (ZF). O foco de concentração dessas meta-representações é a Ilha das Andorinhas, 5 km a NO da comunidade Moura (Ita-Redáua – termo nheengatú para pedreira, de acordo com Stradelli 2009 [1890]) no rio Negro, uma pedreira ativa que já destruiu e destrói muitos blocos com gravuras. [...] observamos também variabilidade nos formatos e tamanhos das representações longineares que associamos ao objeto aerofônico. Portanto, não se tratam dos mesmos instrumentos, mas de um grupo de diversos tipos de aerófonos, com destaque para formas longas (1, 3 e 6 [este em particular pode se tratar de uma carauatana,i.e., zarabatana, ou flauta Yapurutú]), e curtas (2, 4 [este apresenta distinção sexual masculina, o que é mais um elemento que aproxima os flautistas da sociedade secreta masculina do Jurupari], 5), que apresentam, neste aspecto, uma semelhança com os objetos reais também em formatos e tamanhos diferentes dentro do contexto do Jurupari. A esse respeito, é particularmente interessante a classificação das flautas e trombetas feita pelo próprio Jurupary, cada uma relacionada a um tipo de animal diferente [...] Estilisticamente os zoomorfos que aparecem no contexto dos Flautistas se assemelham a zoomorfos isolados ou em painéis que predominam nos mesmos sítios que os flautistas e em outros próximos sem flautistas, sugerindo que todos esses elementos estejam estruturalmente inter-relacionados integrando um mesmo código representacional."

VALLE, Raoni Bernardo Maranhão. Mentes graníticas e mentes areníticas: fronteira geo-cognitiva nas gravuras rupestres do Baixo Rio Negro, Amazônia Setentrional. São Paulo, 2012. Tese (Doutorado em Arqueologia). v. 1. 660 f. Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, 2012. p. 415.