Pesquisas de longa duração com evolução e ecologia de morcegos

Contatos podem ser realizados com o Prof. Leandro R. Monteiro (lrmont(at) uenf.br)

Morcegos são modelos de estudo muito importantes para uma série de temas relevantes em ecologia e evolução. Uma das espécies de morcego mais estudadas, Carollia perspicillata, se destaca por apresentar algumas características que facilitam estudos populacionais de longo prazo, como fácil captura e manuseio, alta fidelidade aos abrigos, alta longevidade e maiores taxas de captura quando comparada com outros morcegos. 

Carollia perspicillata apresenta distribuição pela região neotropical, sendo encontrada desde Oaxaca no México até o sul do Brasil. Está entre as espécies mais capturadas em estudos realizados no Brasil, principalmente, em florestas secundárias. Sua dieta é basicamente composta de frutos, principalmente de espécies pioneiras, podendo complementar com insetos, pólen e néctar durante os períodos de escassez de frutos. A espécie é encontrada em colônias que podem variar de pequenos grupos com poucos indivíduos até centenas de indivíduos, abrigados em ocos de árvores, cavernas ou sob construções humanas como pontes ou prédios abandonados. Formam grupos reprodutivos que podem ser compostos por um macho territorial com algumas fêmeas e seus filhotes. Machos periféricos também se abrigam na colônia, mas não formam grupos reprodutivos com fêmeas. 

Fêmea de C. perspicillata com filhote. 
Grupo de fêmeas de C. perspicillata

Objetivos

​Nosso projeto de longa duração acompanha colônias de Carollia perspicillata na Reserva Biológica União (Rio de Janeiro) desde 2013. Os animais são marcados individualmente e sempre que recapturados medimos sua massa corporal, estado reprodutivo, categoria etária, comprimento dos antebraços e no caso dos machos, tamanho dos testículos. O histórico de recapturas dos morcegos pode ser usado em modelos matemáticos para calcular probabilidades de sobrevivência e flutuações de tamanho populacional associadas a atributos morfológicos, funcionais dos morcegos, assim como à sazonalidade da meteorologia (chuvas, temperatura) e disponibilidade de alimento. Os primeiros resultados foram publicados em Monteiro et al (2019).

Flutuação sazonal de probabilidades de captura e probabilidade de sobrevivência de C. perspicillata na Reserva Biológica União. Figura publicada em Monteiro et al (2019).

Captura

​Os morcegos são capturados com puçá, dentro dos abrigos diurnos, ou com redes de neblina, durante o voo. 

abrigo diurno na Reserva Biológica União
Captura na manilha
Rede para captura na manilha

Diferentes métodos de marcação

​Até 2016, cada indivíduo era marcado com anilha de alumínio no antebraço. A partir de 2016, começamos também a marcar os morcegos com colares de bolas de aço cirúrgico. Colares e anilhas possuem números específicos para cada indivíduo e são de cores diferentes para machos e fêmeas, para facilitar a visualização. Nossos resultados (Mellado et al., 2022) mostraram que as anilhas de antebraço têm potencial de causar lesões nos animais. A partir de 2022, começamos a marcar os animais injetando microchips (PIT Tags) soba pele, que têm um número único de 15 dígitos e são lidos eletronicamente na ocasião da captura.

Indivíduo de C. perspicillata com o colar.
Indivíduo de C. perspicillata com a anilha o antebraço.

Alguns morcegos famosos

Azul001: Primeiro C. perspicillata macho anilhado. Na primeira foto aparece no dia da captura, ainda agarrado à mãe (Rosa001, primeira fêmea anilhada). Foi recapturado no mesmo abrigo 8 vezes entre janeiro de 2013 e abril de 2015, quando seu abrigo deixou de ser monitorado. A primeira captura foi realizada em meados de janeiro 2013, poucas semanas após o nascimento. Em abril de 2013 já era considerado subadulto pelo critério de ossificação das epífises das falanges. Em setembro de 2013 já tinha testículos maiores que 6 mm. Ao fim do seu primeiro ano, já poderia se reproduzir. Seu padrão de recapturas em 2014 e 2015 sugere que ainda não havia se estabelecido como macho territorial quando deixou de ser monitorado.

Rosa001: Primeira fêmea anilhada e mãe do Azul001. Foi capturada 12 vezes entre janeiro de 2013 e abril de 2015, quando seu abrigo deixou de ser monitorado. Logo após o nascimento do Azul001 ficou grávida novamente, sendo capturada em abril de 2013 em estágio de gravidez avançada. Em 2014 e 2015 repetiu o padrão de ter dois filhotes por estação reprodutiva.

AmarPl061: Indivíduo apelidado de Brachyotis (orelha pequena), devido às marcas nas orelhas, mais curtas que o normal. Recebeu inicialmente a anilha Azul217 e foi recapturado 13 vezes entre outubro de 2015 e outubro de 2018. Sua primeira captura como adulto não foi realmente a primeira, pois apresentava uma cicatriz de anilha. Foi capturado várias vezes no período seco dentro do abrigo e tinha testículos bem grandes, o que sugere que era um macho territorial. É difícil saber a causa de suas orelhas curtas, mas a simetria e forma sugere a possibilidade de uma causa congênita ou genética. Sua orelha curta certamente não o impediu de ser um dos machos dominantes da colônia.

Azul177: Indivíduo macho capturado pela primeira vez em fevereiro de 2016. Era um juvenil, nascido no final de 2015, início de 2016. Foi recapturado 20 vezes, sendo a última em junho de 2021, com 5 anos de idade. Neste período, sua dentição já mostrava sinais de idade avançada, com caninos quebrados (um deles bem escurecido) e molares desgastados. Tantas recapturas acabaram fazendo com que o Azul177 participasse também de vários experimentos, para analisar a performance de voo, força de mordida e resposta imunológica. Além da longevidade, seu desempenho  funcional estava sempre acima dos demais machos. Uma peculiaridade do Azul177 era a grande assimetria medida entre os seus antebraços direito e esquerdo, que chegava a 1 milímetro de diferença. Considerando a relação estatística entre assimetria dos antebraços e a sobrevivência e reprodução (reportada em Monteiro et al., 2019), o Azul177 é a exceção que confirma a regra. Sua assimetria provavelmente não era devida a uma instabilidade no desenvolvimento.

Rosa320: Foi capturada pela primeira vez em fevereiro de 2016, já adulta e lactante. Até maio de 2023, foi capturada 18 vezes, com evidência de 13 gestações. Duas vezes foi capturada carregando o filhote, como na foto ao lado. Com 8-9 anos de idade, não mostra ainda sinais de senescência reprodutiva, tendo dois filhotes (número máximo anual) em 2023. É de longe, o animal mais velho (fêmea ou macho) do estudo. Seguimos na torcida para que ela continue batendo recordes.