O sistema de monitoramento de qualidade de vida e conservação ambiental da Terra do Meio agrega dados de monitoramentos realizados por instituições que atuam nas áreas protegidas da Terra do Meio (PA). Ele fornecerá anualmente um panorama geral sobre o território, auxiliando na tomada de decisão para a melhoria das condições de vida das famílias beiradeiras e para a gestão das Reservas Extrativistas Riozinho do Anfrísio, Rio Iriri, Rio Xingu, do Parque Nacional da Serra do Pardo e da Estação Ecológica da Terra do Meio. O sistema de monitoramento foi construído com a premissa de que o modo de vida beiradeiro e os ambientes da Terra do Meio são indissociáveis, e que a diversidade biológica presente no território só existe e é mantida pelo manejo e pela proteção fornecidos pelas comunidades.
Apoiar as práticas tradicionais daqueles que protegem e fazem florestas é fundamental no enfrentamento dos desafios impostos pela crise climática e a perda de biodiversidade. Nesse sentido, o sistema integrado de monitoramento de qualidade de vida e conservação ambiental também fornece indicadores para que as comunidades tradicionais possam firmar parcerias que reconheçam e remunerem suas contribuições na forma de pagamentos por serviços socioambientais. Dentre essas contribuições fornecidas pelo modo de vida estão o monitoramento e a gestão territorial, a conservação e promoção da bio e agrobiodiversidade, a difusão e aprimoramento de conhecimentos sobre a floresta e suas dinâmicas, a vigilância e proteção das florestas, dentre muitos outros.
O sistema terá boletins anuais que consolidam informações sobre 4 eixos: Segurança Alimentar e Saúde, Atividades Cotidianas, Biodiversidade, e Cobertura Florestal e Uso do Solo. As informações disponibilizadas no sistema de monitoramento de qualidade de vida e conservação ambiental da Terra do Meio são baseadas em dados selecionados em monitoramentos mais abrangentes mantidos pela Rede Terra do Meio, o Instituto Socioambiental, as associações de moradores das Reservas Extrativistas, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, a Universidade Federal do Oeste do Pará, a Universidade Federal do Pará, e o MapBiomas.
Segurança Alimentar e Saúde
A alimentação das famílias beiradeiras provém dos diversos ambientes por elas utilizados. Roças, terreiros, matas e rios são fontes de alimentos cultivados, coletados, pescados e caçados ao longo do ano. A origem e a diversidade de alimentos são importantes indicadores de segurança alimentar. Quanto mais alimentos provenientes das matas, rios e roças, melhor tende a ser a alimentação das famílias, bem como tendem a ser melhores as condições ambientais, capazes de fornecer às famílias os alimentos necessários. A diversidade de alimentos obtidos nos rios, roças, terreiros, e matas é complementada com alimentos comprados na cidade e nas cantinas. Esses alimentos dependem de renda para serem obtidos. Seu consumo é desejado, mas é importante que sua presença não cresça no prato dos beiradeiros ao longo do tempo, já que os alimentos vindos da cidade incluem processados e alimentos ricos em açúcares.
Trabalhos de referência para a análise da alimentação beiradeira são as pesquisas realizadas por Patrícia da Silva e Maria Aparecida da Silva, moradoras da Resex Rio Iriri (A alimentação dos ribeirinhos da comunidade São Francisco, Rio Iriri, Altamira, Pará), e a dissertação de mestrado de Andrey Gonçalves, UFPA (Efeito do Isolamento Geográfico e dos Padrões Temporais sobre os Padrões de Uso de Recursos Faunísticos e Pesqueiros na Terra do Meio, Amazônia Oriental, Brasil).
Atividades Cotidianas
As famílias beiradeiras desempenham dezenas de atividades em seus cotidianos, otimizando o uso dos diversos ambientes e relações disponíveis em busca de uma boa vida. São atividades produtivas de extrativismo (como a castanha, a seringa e a copaíba), agricultura, caça e pesca, que alimentam e geram renda para os beiradeiros. Há ainda as atividades para o desenvolvimento pessoal e da comunidade, como estudar, participar de reuniões, construir casas, tratar da saúde, e viajar. Além de prover alimentação e renda, o uso e manejo de diversos ambientes florestais promove a proteção e produção de diversidade cultural e biológica, bem como resiliência e opção para a organização doméstica das famílias. Assim, a diversidade de espaços utilizados e atividades desempenhadas são indicadores importantes para o bem-viver das comunidades.
Trabalhos de referência para as análises sobre atividades cotidianas e diversidade são a publicação Terra do Meio/Xingu: os saberes e as práticas dos beiradeiros do Rio Iriri e Riozinho do Anfrísio no Pará, e o artigo Agroextrativismo e pagamentos por serviços socioambientais: reflexões a partir das Reservas Extrativistas da Terra do Meio (PA).
Biodiversidade
Para o monitoramento de biodiversidade foram escolhidas espécies chaves que, por seus requerimentos ecossistêmicos ou suas interações com outros grupos animais, vegetais ou comunidades humanas, possam ser usados como indicadores da qualidade ambiental. Em particular, a onça pintada (Panthera onca, animal topo de cadeia e considerada quase ameaçada de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza), a anta (Tapirus terrestris, considerada vulnerável e maior mamífero cinegético), o porcão (Tayassu pecari, considerado vulnerável e importante fonte de proteínas das famílias), e a cutia (Dasyprocta leporina, de preocupação menor mas importante para a dispersão de espécies úteis como a castanheira). Também foram selecionadas duas espécies da Ordem Galliformes indicadas pelo guia de identificação de espécies do Ministério do Meio Ambiente para a região, e que aparecem agrupadas sobre a categoria Mutum (Crax fasciolata e Pauxi tuberosa). Estas espécies têm papel chave principalmente no processo de dispersão de sementes e manutenção das dinâmicas florestais.
O monitoramento da biodiversidade é realizado na Terra do Meio com dois métodos distintos. O primeiro registra vestígios e rastros em trilhas de uso, como estradas de seringa, piques de castanha, praias, dentre outros. A identificação dos rastros e vestígios é feita pelos próprios beiradeiros a partir de conhecimentos tradicionais que orientam a identificação de pegadas, frutos roídos, fezes, pelos, dentre outros indícios. O segundo método é o avistamento em estações de monitoramento oficiais do ICMBio. Neste método, trilhas abertas na mata para a finalidade específica de monitoramento são percorridas para registro das espécies diretamente observadas e escutadas pelas equipes de monitoramento, que também incluem beiradeiros.
Trabalhos de referência para as análises de biodiversidade são a tese de Milton de Paula, UFPA (Respostas de vertebrados terrestres de médio e grande porte a pressões antrópicas em três Áreas Protegidas na Amazônia Oriental), a dissertação de Paola Santos, UFPA (Trilha de Pesquisador e Trilha de Morador: análise comparativa para o monitoramento de fauna em duas unidades de conservação na Terra do Meio, Amazônia Oriental, Brasil), o artigo Assessing the contribution of local experts in monitoring Neotropical vertebrates with camera traps, linear transects and track and sign surveys in the Amazon, e o Guia de Identificação de Espécies Alvo de Aves e Mamíferos - Região 4, do ICMBio.
Cobertura Florestal e Uso do Solo
São utilizados os dados do MapBiomas que permitem visualizar a proporção de áreas de vegetação natural conservada, áreas abertas, e áreas que foram desmatadas e hoje são pastagem ou estão em processo de regeneração. A regeneração das roças em capoeiras e matas densas faz parte do ciclo agroflorestal do modo de vida beiradeiro e deve ser considerada em qualquer análise de uso e cobertura do solo. Análises feitas somente a partir do desmatamento acumulado podem trazer distorções sobre o padrão de uso do território por não considerarem essas dinâmicas de regeneração.
Os dados do MapBiomas foram revisados e agrupados nas categorias "Florestas e outras formações naturais" (compreendendo as categorias "Formação Florestal", "Lago, Rio e Oceano", "Formação Campestre", "Campo Alagado e Área Pantanosa", e "Areia" do MapBiomas). A categoria "Roças e áreas em regeneração" (compreendendo as categorias "Vegetação em Regeneração" e "Outras Lavouras Temporárias"). E a categoria "Desmatamento" (compreendendo as categorias "Pastagem", "Mineração", e "Soja").
O Projeto MapBiomas é uma iniciativa multi-institucional para gerar mapas anuais de uso e cobertura da terra a partir de processos de classificação automática aplicada a imagens de satélite. A descrição completa do projeto encontra-se em http://mapbiomas.org. Os dados do MapBiomas apresentados no sistema de monitoramento são revisados e refinados pela equipe de geoprocessamento do Instituto Socioambiental.