Régis Jolivet

Teodicéia: demonstração da existência de Deus

Régis Jolivet (1891-1966)

Professor de Filosofia

Decano da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Lyon

Extraído e adaptado de:

Tratado de Filosofia; vol. III: Metafísica;

e Curso de Filosofia, de Régis Jolivet.

V. O FIM UNIVERSAL

O argumento das causas finais é, sem dúvida, um dos mais populares e Kant julgava que esta prova era “a mais antiga, mais clara e mais apropriada à razão comum” e que merecia “ser sempre recordada com respeito” (Crítica da Razão Pura, Dialéticas Transc., 6.ª seç.).

A. O ARGUMENTO

1. A ordem do mundo. — Podemos resumir o argumento da maneira seguinte: no conjunto das coisas naturais, constatamos uma ordem regular e estável. — Ora, toda ordem exige uma causa inteligente, que adapta os meios aos fins e os elementos ao bem do todo. — Portanto, a ordem do mundo é obra de uma Inteligência ordenadora, transcendente a todo o universo. 

2. Finalidade interna e finalidade externa. — O argumento apela, ao mesmo tempo, para a finalidade interna, que ordena os elementos em função do todo e para o bem do todo, — e para a finalidade externa, que determina a conformidade dos diferentes seres entre si, adaptando-os e os subordinando uns aos outros. Já estudamos estes dois aspectos da finalidade e, aqui, só resta enviar a estas análises.

 

B. ELEMENTOS DE DEMONSTRAÇÃO

          

1. O fato da finalidade

1.1. A ordem universal. — O argumento parte da ordem do mundo. Sabemos como este tema alimenta um lirismo demasiado fácil, em que se invoca o curso regular dos astros, a ordem mutável das estações, a fixidez das leis da natureza, a organização prodigiosamente complexa dos organismos vivos, as maravilhas do instinto, etc. Todos esses fatos têm evidentemente sua eloquência. Mas lhes opomos duas objeções. Por um lado, dizemos, representam apenas um quadro incompleto: já que falamos da ordem do mundo, seria necessário apreendê-lo em sua complexidade total, ao mesmo tempo temporal e espacial. Com efeito, não temos, ao nível empírico, ideia do universo, considerado como totalidade absoluta. Por outro lado, deveria haver sombras neste quadro. Há no mundo desordem real ou aparente: o mal existe, o sofrimento, a dor abatem todos os seres sensíveis. Sabemos como é fácil também insistir neste aspecto negativo do mundo. 

1.2. As formas da ordem. — Entretanto, estas dificuldades estão longe de ser decisivas, quer no ponto de vista científico, quer no filosófico. 

a) A finalidade externa. No que se refere à ciência, esta parece favorecer muito mais a hipótese da unidade do universo do que a concepção pluralista, porque, por mais longe que leve suas investigações, no tempo e no espaço, são sempre as mesmas leis que descobre. Mas é verdade que isto é de fato, e não de direito, e, por conseguinte, a ideia de unidade do universo nada mais é, no nível empírico, que um simples postulado.

A filosofia, pelo menos, permite-nos ir mais longe, porque nos mostra que a descontinuidade que reina entre as diversas ordens do real, do mecanismo ao psiquismo e do psiquismo à razão e à moral, não é absoluta. Ela supõe uma hierarquia, logo, uma certa unidade: a matéria está a serviço da vida, e esta, ao da moral, visto como se torna seu instrumento, quer dizer, que a natureza não é contraditória à moral, uma vez que é o campo onde esta se desenvolve. Sem dúvida, o homem é mais que a natureza — homo additus naturae — porém, a termina e a aperfeiçoa, utilizando-a para seus fins espirituais. Numa palavra, no homem, colocado nos confins da ordem puramente espiritual e da ordem puramente material, de ambas participante, natureza e espírito, mecanismo e moral, determinismo e liberdade, se afirma a unidade do universo. Por aí, a própria experiência, sabiamente interpretada, nos leva a conceber que o múltiplo se reduz ao uno. Como a razão pura, ela exclui o pluralismo. 

b) A finalidade interna. Não excluímos, portanto, absolutamente, o ponto de vista da finalidade externa ou da unidade do universo. Esta ordem total se impõe, tão evidentemente, à razão, que só a pressupondo podemos falar em desordem. Podemos admitir, entretanto, que haja vantagem em insistir sobre a finalidade interna que se observa particularmente na atividade dos seres desprovidos de inteligência, como o constatamos em Psicologia, pelo estudo do instinto, e em Cosmologia, tanto no domínio dos compostos inorgânicos como no dos organismos vivos. A evidência que aqui se impõe é a de que o olho é feito para ver e as asas para voar.

Tentamos reduzir esta evidência a um puro postulado. Com efeito, dizemos, definindo a “organização” pela “finalidade”, isto é, por uma intenção, não é de admirar que, em seguida, concluamos pela existência de um ordenador: postulamos, pura e simplesmente, o que está em questão, a saber, se a finalidade ou a ordem não se podem explicar sem intencionalidade. — Esta objeção, entretanto, não tem importância, porque, no ponto de partida do argumento, a ideia de finalidade nada mais significa que o fato da organização ou da relação que se constata entre a constituição do agente, sua ação e o término desta: o olho está organizado para a visão, que ele assegura, as asas organizadas para o voo que realizam. Constatamos, por outro lado, que esta relação está determinada, isto é, que a realização do efeito por tal agente não é acidental e contingente, mas constante e regular. A ordem ou a finalidade é, portanto, revelada pela constância e permanência da relação que liga tal agente, quer dizer, aqui, tal organização a tal efeito. Eis o ponto de partida do argumento. Ele não implica nenhum postulado.

 

Bergson, que critica a noção de finalidade, põe, entretanto, em evidência, contra a concepção mecanística, fatos que manifestam da maneira mais segura a existência de uma ordem no mundo. Destes fatos, ressalta que “a vida fabrica certos aparelhos idênticos por meios dessemelhantes, sobre linhas de evolução divergentes” (cf. Bergson, Evolução Criadora, pág. 59.) Tais são, entre outros, os fatos de “heteroblastia”, que revelam, a cada momento, que “a natureza chega a resultados idênticos, entre espécies algumas vezes vizinhas umas das outras, por processos embriogênicos inteiramente diferentes” (Ibid. pág. 81): assim, o olho de um vertebrado e o olho de um molusco preenchem a mesma função, que é assegurar a visão, mas, nos primeiros, a retina resulta de uma expansão emitida pelo rudimento do cérebro no jovem embrião, enquanto, nos últimos, ela deriva diretamente do ectoderma (Ibid., pág. 67, sg.). Temos aqui um exemplo típico de processos evolutivos diferentes que dão lugar a órgãos do mesmo tipo, o que parece não se poder explicar senão por uma finalidade ou uma ordem imanente. 

2. Finalidade e inteligência

É preciso afastar até a aparência do círculo vicioso e, por conseguinte, evitar identificar a priori finalidade e intencionalidade. A finalidade, tal como a constatamos, nada mais é senão o fato da ordem, manifestado pela constância da relação entre uma organização e seu efeito. Ora, afirmamos que a ordem só pode ser explicada por uma intenção e supõe, por conseguinte, uma inteligência. Não fazemos, portanto, da intenção um postulado, mas a razão de ser da ordem. Deduzimo-la como condição necessária da existência e da inteligibilidade da ordem. Devemos, portanto, estabelecer que a ordem implica uma intenção, — e que a intenção supõe uma inteligência. 

2.1. A ordem supõe intenção

a) A intenção como orientação. Não aplicamos ao termo “intenção” o sentido antropomórfico de vontade, mas somente de tendência orientada ou de direção definida. Precisamos, assim, a natureza da relação da qual partimos: esta relação constante e regular entre uma organização e seu efeito é, propriamente, a determinação do todo por uma ideia, a disposição de meios em relação a um termo dado, o domínio do uno sobre o múltiplo. — Entretanto, contra esta concepção encontramos duas teorias que tentam ambas explicar a ordem sem recorrer a nenhuma intencionalidade. 

b) Casualidade e finalidade.

Fruto do acaso. É difícil negar que a ordem reine no mundo. Mesmo os ateus não o contestam. Mas, para escapar à conclusão do argumento, afirmam que a ordem do mundo pode ser explicada pelo acaso. O mundo atual, dizem eles, é o produto de forças inconscientes e fatais; passou por fases extremamente diferentes da que conhecemos, e esta não se perpetuou a não ser graças à harmonia que estas forças misteriosas acabaram por gerar fortuitamente.

É fácil ver que esta explicação é, na realidade, fuga de uma explicação. O acaso tem por caracteres a inconstância e a irregularidade, o que é o contrário mesmo da ordem. O acaso pode, a rigor, explicar uma ordem acidental e parcial, mas não uma ordem que governa inumeráveis casos, e que se perpetua, seja no interior dos seres, seja em suas relações mútuas, com uma constância invariável.

A exclusão de qualquer intenção na explicação da ordem é o fato, na Antiguidade, da teoria atomística que só admite a casualidade [ou acaso], — e, entre os modernos, da teoria mecanicista, sistematizada por Descartes. — No que diz respeito ao mecanicismo, mostramos muitas vezes que este não é uma solução para o problema da ordem, mas a própria forma do problema a resolver, e que, no fundo, na medida em que pretendemos nos limitar a ele, acaba por tudo explicar pela casualidade. Afinal de contas, só nos resta aqui uma teoria a considerar, a saber, a que faz depender a ordem da casualidade.

Sabemos que esta teoria está formulada na física epicurista. O mundo é um agregado de átomos, eternos e sempre em movimento, no vazio incorpóreo: de seu encontro fortuito, determinado pela declinação (ou clínamen), que Epicuro acrescenta à teoria de Demócrito, saíram mundos de número infinito e, finalmente, o mundo atual, que tem duração apenas pela estabilidade relativa dos edifícios atômicos que o compõem. A natureza se assemelha a um jogo de azar: o mundo é o efeito de uma jogada de cartas entre combinações possíveis num número infinito. — Esta doutrina parece ter sido retomada pelo indeterminismo quântico da Física contemporânea, no sentido pelo menos de que a ordem e a constância à escala macroscópica são consideradas como resultando, ao nível infra-atômico, de uma indeterminação fundamental no jogo dos elementos.

A solução desta última dificuldade foi fornecida em Lógica, onde observamos que a “indeterminação dos elementos” nada mais era, sem dúvida, que a ignorância em que estamos dos determinismos elementares. É, portanto, por abuso que introduziríamos a casualidade num domínio em que ela nada tem que ver. — Quanto à hipótese epicurista, é apenas uma petição de princípio. Supõe ela, com efeito, que, entre as possíveis combinações dos átomos, a combinação estável (que define “a ordem” nesta teoria) se produzirá infalivelmente. Mas não vemos o que pode significar esta noção de estabilidade, de constância ou de ordem no contexto de casualidade absoluta. Se o único princípio é a casualidade, não há nem estabilidade nem ordem, ou, mais exatamente, estas palavras estão desprovidas de qualquer espécie do sentido. Supor que na massa infinita dos mundos possíveis haja um estável e ordenado é introduzir, no seio da casualidade, um sentido, uma direção, uma finalidade e uma lei e, por conseguinte, resolver gratuitamente tudo o que está em discussão. 

c) A evolução. Invocou-se, também, a evolução para explicar a ordem do mundo. Mas a evolução, longe de estabelecer a ordem, a supõe, uma vez que se faz de acordo com leis e leis necessárias. A evolução exige, portanto, de forma absoluta, uma inteligência. É que as causas eficientes não excluem de forma alguma as causas finais: ao contrário, o mecanismo não tem sentido, ou mesmo existência, senão pela finalidade. Por isso, já mostramos (84) que as causas que podem explicar a evolução dos seres do universo não fazem mais do que obedecer a uma ideia imanente, e, por conseguinte, supõem a existência de uma ordem anterior e superior a elas.

As explicações da ordem pelas leis da natureza (ou a necessidade) ou pela evolução provêm igualmente do circulo vicioso. As leis da natureza são a própria ordem (ou um aspecto da ordem) e não servem para explicá-la. É preciso explicar as leis, como a própria ordem que elas manifestam. — A evolução não consegue fazê-lo melhor, porque ela é um efeito, e não um princípio primeiro. Quiseram deduzir das teorias de Lamarck e de Darwin que tudo se explicaria pelas causas eficientes e que, por exemplo, o pássaro não tem asas para voar, mas que voa porque tem asas. Isto é, por um lado, colocar mal o problema, porque se trata menos de saber se o pássaro tem asas para voar, do que se as asas são feitas para voar (ou para nadar, ou para cantar): podemos responder, resolutamente, com Aristóteles, que a “arte de construir não descende das flautas”. Por outro lado, e de maneira mais geral, foi preciso reconhecer que os fatores externos físico-químicos apenas condicionam o jogo dos fatores internos da evolução e que estão finalmente ao serviço da ideia imanente que os utiliza para seus fins. Isto é admitir, ao mesmo tempo, a realidade de uma ordem que governa tordo o mecanismo da evolução.

Fazemos muitas vezes entrar na categoria da casualidade os casos que provêm do cálculo das probabilidades. Sabemos que, para os matemáticos, a probabilidade de um acontecimento é a relação entre o número de casos favoráveis à sua produção e o número de casos possíveis, todos estes sendo supostos igualmente possíveis. Por “casos igualmente possíveis” entendemos que nenhum tem razão especial de se produzir, quer dizer, que a produção de um acontecimento qualquer é absolutamente indeterminada e fortuita. Foi partindo desta concepção matemática da casualidade que quisemos tornar inteligível a hipótese de um universo nascido da casualidade absoluta. E. Borrel ilustra de fato esta hipótese pelo exemplo que chama “o milagre dos macacos datilógrafos” (O Acaso, pág. 164): é matematicamente possível, diz ele, que os macacos consigam reconstituir a Ilíada, depois, todos os livros de todas as bibliotecas do mundo, batendo ao acaso nas máquinas de escrever. Sem dúvida, a probabilidade de um tal resultado é prodigiosamente fraca, mas não é nula: se dispusermos de um tempo infinito, não somente nada impede admitir que o “milagre” se produza, mas devemos pensar que ele aconteça, necessariamente. — Assim, poderíamos explicar a ordem do universo: os corpos podem ser formados por acaso a partir do caos inicial e o universo inteiro seria apenas o resultado de uma longa série de acasos, tornados possíveis pelo infinito do tempo e da matéria (cf. L. Rougier, Os Paralogismos do Racionalismo, Paris, 1920, págs. 351-355).

Rapidamente, caracterizaremos a qualidade destas deduções, observando que fornecem um bom exemplo do sofisma da confusão dos gêneros, porque consistem em transportar, pura e simplesmente, para a ordem física concreta, na qual não têm nenhuma aplicação, noções que não valem senão na ordem abstrata das matemáticas. De fato, na ordem matemática, todos os casos são supostos igualmente possíveis: hipótese perfeitamente legítima, tanto quanto a do número infinito, mas que não vale mais na ordem real e concreta, em que, de fato, todos os fenômenos estão estritamente determinados. Há, portanto, um verdadeiro paralogismo em afirmar, como o faz L. Rougier, que os efeitos de conjunto têm um caráter preeminente em relação a suas causas individuais, isto é, que a ordem pode resultar da desordem ou que causas irracionais podem dar efeitos ordenados. De fato, a ordem que exprime o efeito se encontra sempre, no mundo físico, implicada nos movimentos elementares, que obedecem a suas leis próprias e podem ser limitados, quanto aos resultados de conjunto, a médias estatísticas. Por outras palavras, a casualidade, no mundo material, em que ela só se refere à repartição concreta dos elementos, é um aspecto do determinismo. Encontramo-nos, assim, nos antípodas da casualidade matemática.

Vemos daí como são fantasiosas as hipóteses relativas à gênese do mundo a partir da casualidade absoluta (no sentido matemático da palavra). A própria ficção dos macacos datilógrafos, longe de apoiá-las, faz ressaltar seu absurdo. É, de fato, realmente insensato pretender fazer surgir uma significação (ordem ou valor) de flutuações ou de um apanhado de elementos que, pela própria definição, não comportam nem significação nem valor, — nem pessoa para os observar. Para que o “milagre dos macacos datilógrafos” seja matematicamente plausível, é preciso que haja, primeiro (naturalmente!), macacos e máquinas de escrever, — mas também um ser inteligente, capaz de dar um sentido à reunião de letras e de sinais chamada Ilíada. Senão, os macacos hipotéticos, com suas máquinas igualmente hipotéticas, depois de terem, fortuitamente, “composto a Ilíada”, comporão indefinidamente outros “textos” que não terão mais nem menos sentido que a Ilíada, isto é, serão, como ela, fatos brutos, absolutamente quaisquer.

Assim também acontece, com mais razão ainda, com o universo. Falamos aqui de um “sucesso” do acaso (análogo ao dia Ilíada). Mas este termo “sucesso” implica, evidentemente, um juízo de valor e, por isto mesmo, postula, rigorosamente, o que a hipótese exclui. Com efeito, da mesma maneira que não haveria Ilíada, na suposição dos macacos datilógrafos, este poema, sendo apenas, neste caso, um conjunto qualquer entre outros, de sinais igualmente quaisquer (e, como tais, não tendo nenhum valor de sinais), e não tendo, além disto, nenhuma razão para subsistir, — não haveria tampouco universo, mesmo supondo que a casualidade tivesse sido capaz de produzir um mundo como o nosso, por não ter a estrutura da organização realizada nem mais sentido, nem mais razão de durar do que nenhuma outra das estruturas fortuitamente realizadas. 

2.2. A intenção supõe a inteligência. — Caracterizar a ordem como intenção ou tendência definida e orientada é dizer que o fim exerce uma verdadeira causalidade que determina as modalidades da ação ou as formas da organização. O fim existe, portanto, de algum modo. — Ora, ele não pode existir senão de dois modos, a saber: ou em si, no seu ser natural, como compondo a própria coisa que é o término da ação, ou subjetivamente, sob a forma de representação, imagem ou ideia, no sujeito conhecedor, como princípio da ação. — Considerado em si, em seu ser natural, o fim não pode, evidentemente, ser causa, uma vez que é efeito e resultado da ação: a estátua, enquanto bloco de mármore esculpido, é o efeito, e não a causa da atividade do escultor; a visão, enquanto atividade sensível, é efeito do olho, e não causa deste. Não é, portanto, senão enquanto concebido e conhecido que o fim pode exercer uma verdadeira causalidade. Eis porque dizemos que a finalidade não se pode explicar sem uma inteligência. A ordem supõe uma inteligência ordenadora.

Por outro lado, como a finalidade se identifica com a natureza dos seres (ou com a forma, princípio das atividades específicas), a inteligência ordenadora deverá ser concebida, ao mesmo tempo, como criadora

2.3. A inteligência infinita. — A inteligência a que conduz o argumento não pode ser senão a Inteligência divina. Com efeito, esta inteligência é necessariamente uma inteligência criadora, porque a ordem que ela produz, adaptando os meios aos fins, confunde-se com as naturezas. As naturezas são, portanto, obra sua e, já que criar é o privilégio do poder infinito, somos levados a concluir que a única inteligência que pode explicar a ordem do mundo é a Inteligência divina.

Vemos, assim, como é inoperante a objeção de Kant contra esta prova. Kant julga que, não conduzindo a afirmar a existência de uma inteligência muito poderosa, mas não infinita (porque, diz ele, nem o mundo nem a ordem que ele encerra são infinitos), a prova pela finalidade imporia, a rigor, a ideia de um demiurgo ou de um arquiteto do mundo, mas não de um criador. — Mas é tomar o argumento sob o seu aspecto mais restrito. Em realidade, como acabamos de ver, ele leva muito mais longe, porque nos conduz a afirmar o primado de uma Inteligência que não pode ser ordenadora se não for, ao mesmo tempo, criadora. É, portanto, a existência de Deus que, por sua vez, estabelece o argumento da finalidade.

 

Ir para: CONCLUSÃO SOBRE AS PROVAS DE DEUS