Houve um tempo em que queria ter
nascido americano
por Marcos Alves
Problema nosso
por Marcos Alves
Os governos, em todos os níveis no Brasil, têm sempre projetos para tentar afastar a juventude da criminalidade. Há uma infinidade deles, em praticamente todas as grandes cidades, e os mais comuns são os que utilizam o teatro, circo, artes plásticas e outras atividades lúdicas. Os resultados são esparsos, estão longe do que poderíamos chamar de solução.
Para piorar, há as distorções, ainda mais presentes nesse meio que já é, por si, carente de qualquer tipo de recurso. Habituamo-nos a vê-los nos cruzamentos bancando os malabaristas, engolidores de fogo e, quando não há o que apresentar, apenas pedindo esmola.
Não questiono esse tipo de iniciativa, até porque o problema do menor infrator no Brasil é dramático. Não passa um dia sem que eu veja um moleque maltrapilho e descalço circulando por aí. Alguns são simpáticos, conversam, brincam, correm entre os carros. Têm os olhinhos que brilham, olhos de criança.
Não vou bancar o hipócrita, também os evito quando quero. Passo rápido e evito olhar muito para não correr o risco de sentir pena, remorso ou raiva. E quando quero dou uns trocados, troco uma idéia, dou risada com as bobagens que eles, como qualquer criança, fazem.
Prefiro vê-los durante o dia. Quando cai a noite é mais triste, se amontoam debaixo das marquises, em lugares malcheirosos. Brigam entre si por causa de um cigarro ou pedaço qualquer de comida, resto de refrigerante e outras sobras que deixamos na rua.
A pior das sensações é quando eles encontram todas as janelas dos carros fechadas. Ninguém sequer olha na direção dos meninos. Os garotos parecem não se importar muito e no próximo sinal vermelho estão de novo a cumprir aquela humilhante rotina. Enfrentam o olhar enojado dos motoristas sem perder o pique.
Têm, também, os adolescentes de rua. Esses não causam nojo, dão medo. São temidos por causa da força física e também porque, em alguns casos, estão anestesiados. Não sentem p. nenhuma por essa gente que circula apressada pelo centro da cidade. E são perigosos mesmo: matam, roubam, traficam. São a parte mais visível da violência no Brasil.
São esses rapazes, de 16, 17, 20 anos de idade os responsáveis pelo trabalho sujo. Eles é que aparecem nas páginas policiais, ora como assassinos frios, ora como cadáveres. Estão jurados de morte, são procurados pela justiça. São eles os algozes da nossa sociedade que, mais do que nunca, hoje pede "Basta!"
Quem sabe quando exterminarmos esses jovens trogloditas fedidos que nos ameaçam na saída dos bares, na porta dos bancos, na fila do cinema, estaremos finalmente livres e felizes. Será? Parece ser essa a ótica de quem prega a antecipação da maioridade penal, pena de morte e outras mudanças na lei.
Fico aqui pensando, quando essas mudanças chegarem, o que vai acontecer com os deputados ladrões, juízes que vendem sentenças, delegados corruptos, policiais bêbados e outras aberrações desse país. Estamos ameaçados mesmo por esse exército de pivetes e pivetões, mas tão ou mais indigna e detestável é a palhaçada que há séculos fazem conosco, pagadores de impostos.
Claro que há os pivetões que se tornam mega-criminosos. São os chefões do trafico, tipo Fernandinho Beira-Mar e outros menos famosos. Alguns quase viram celebridades, como foi o caso do Marcinho VP. São casos distintos, onde o melhor é agir com rigor e inteligência. Estão acima do problema da desigualdade social do Brasil, porque existem também, guardadas as proporções e peculiaridades, nas sociedades mais ricas do planeta.
O nosso problema é diferente. Somos obrigados a aturar policiais mal-preparados e mal-remunerados que trabalham no limite do estresse. Não temos serviço de saúde nem escola gratuita de qualidade razoável – salvo raríssimas (e bota raríssimas) exceções. Somos uma sociedade atrasada, que não trata o próprio esgoto e mal tem previdência social. Alguém aí está tranqüilo com a chegada da aposentadoria? Temos alguns dos piores indicadores sociais do mundo. Se alguém deve ser responsabilizado, não pode ser quem não freqüentou escola, não tem emprego e todo dia é tratado feito cachorro. Cachorro de pobre, diga-se de passagem.
Para ilustrar, uma breve historinha que saiu nos jornais:
Sobrevivente de Vigário Geral é preso por tráfico (05/05/2005)
RIO - Vítor Santos Carlos tinha apenas 9 anos quando viu a sua casa ser invadida por homens armados e encapuzados. Naquela madrugada fria, de 30 de agosto de 1993, 21 pessoas foram assassinadas em Vigário Geral. Oito delas faziam parte da família do menino que, ao lado de outras quatro crianças, foi poupado na chacina. Onze anos se passaram e o sonho de ser mecânico ficou pelo caminho. Ao longo desse período, Vítor conviveu com o medo, freqüentou divãs e chegou a servir ao Exército. De nada adiantou. Sem dinheiro, entrou para o mundo do crime e, anteontem, foi preso.
Vítor foi preso no Complexo da Maré, com 97 trouxinhas de maconha e 63 sacolés de cocaína. Na 21ª DP (Bonsucesso), onde prestou depoimento, contou ter deixado a casa da tia, na Baixa do Sapateiro, em março de 2004, para vender drogas.
- Eu estava sem dinheiro e precisava sustentar minha mulher e minha filha. Ali cheguei a ganhar R$ 100 por dia - diz.
Não quero justificar nada. Lugar de bandido é na cadeia. Mas defendo a idéia de que, antes de adotar medidas radicais de combate ao crime, é preciso pensar seriamente em um modelo mais amplo, que contemple outras necessidades e urgências intimamente ligadas à opção dos jovens pelo crime.
Não adiantam os discursos, ainda mais se feitos no Congresso Nacional. Não adiantam as passeatas, nem as faixas ou as cruzes na praia. A criminalidade, a corrupção, o mau uso do dinheiro público no Brasil precisam ser resolvidos com o aval e a participação de todos os brasileiros. Inclusive dos que comem hoje e não sabem se vão ter como se alimentar no dia seguinte.
(*) Marcos Alves é jornalista e diretor de vídeos.
Houve um tempo em que queria ter nascido americano. Do norte. Ter uma daquelas jaquetas bacanas e um tênis maneiro que via na TV, entre babando e triste por querer e saber que não ia ter. Tinha minhas roupas, evidentemente, mas da maioria eu não gostava.
E ficava a imaginar-me na rua, a porta do carro aberta e eu sentado numa mesinha na calçada ouvindo um som ao lado dos amigos e das meninas que fatalmente iam aparecer. Nessa hora, acordava e tinha e pela frente uma pilha de peças de automóvel queimadas no fogo para tirarmos os fios de cobre.
Era meu primeiro emprego e nada tinha de bom nisso. Ficava o dia inteiro esperando a hora de ir embora, lá pelas 6 da tarde. Ainda dava tempo de jogar pelada no campinho de terra perto de casa.
Daí em diante é puro delírio, esquecimento, histórias que ficaram para trás, lá atrás, quando ainda existia capim gordura, pamonha, fins-de-tarde luminosos, brincadeiras no quintal, as primeiras surpresas do amor e da liberdade de poder andar por aí sem ter muito com o que se preocupar.
O ruim é que lembrei-me da jaqueta ao pensar nos vinis que perdi com a chegada da maior novidade da indústria fonográfica, o CD, muito mais barato para produzir e reproduzir. O resto ficaria igual: direitos, distribuição, vendas, etc e tal. E as gravadoras deram o maior tiro, nem diria no pé, mas talvez na própria cabeça ao toparem a idéia e hoje assistimos à luta inglória da indústria contra a pirataria. Perdeu, baby.
Lançam uma coisa e logo aparece outra, gera um monte de sucata, um amontoado de plástico e todo tipo de porcaria descartada por aí, uma sensação de fim mesmo. Mas com o vinil aconteceu o contrário. Continuam únicos e ainda disputados.
Esse breve introdutório é para dizer que estou de saco cheio de novidade. Digo isso ouvindo rádio que estou, onde rola agora uma música brasileira da melhor qualidade, dessas eternas, de Dorival Caymmi a caminho de Maracangalha, com Anália a tira-colo, que a gente sempre torce por um final feliz nessa história. Até hoje.
Ouço muito bem, nitidamente, o som que rola na FM que agora posso acessar do computador, com essas caixas de som pequenas e boas; ou do celular, menos confortável por causa do fone que acaba sempre por machucar o ouvido.
E o pessoal sempre de aparelhinho novo no ouvido, em casa, no trabalho, nas empresas. Agora, com a crise, vem a notícia de um monte de demissões, mudanças, e quando melhorar vão anunciar cursos para formar uma nova leva de funcionários por causa de uma reorganização produtiva. Ou algo parecido.
Eu tenho por hábito torcer para o Fluminense, desde a época da jaqueta americana. Sofro feito um otário até hoje pelo tricolor, estou com dor de cabeça por causa do Botafogo, mas faz tempo que deixei de querer ser americano. Do norte. Gosto de ser sul-americano mesmo, brasileiro, mineiro e acredito que as coisas aqui poderiam ser melhores se houvesse a reparação de equívocos históricos, como a falta de uma política para a educação pública que poderia e deveria ter começado ainda no império.
Mas isso à primeira vista parece tão impensável quanto na época daquela bendita jaqueta. Em 2009 os tempos são outros e mudei, mesmo que o país não tenha mudado tanto nessas últimas décadas. Mudou na casca, mas não mudou na essência.
De todo modo, estou desencantado com a Política. Vivemos em plena democracia e as eleições se tornaram praticamente um hábito para a maioria dos brasileiros. Mas depois de vários embates eleitorais e tendo, especialmente, os mais recentes como lembrança, combinemos que não há muito o que comemorar. Há sim, o que mudar, há muito para melhorar. A começar no plano pessoal.
Passamos muito tempo preocupados em aprender as pequenas complicações do mundo, como usar o caixa eletrônico, o celular, o controle remoto da TV e esquecemos de interpretar direito o olhar de um filho, deixamos de retribuir um carinho feito com amor ou simplesmente não damos ouvidos a um murmúrio que, na verdade, é um pedido de socorro expresso com muita dificuldade.
Estamos presos ao nosso tempo, e por isso mesmo, devemos aprender a transitar dentro dele. Eis a mais dura, urgente e sábia tarefa a se entregar: compreender o próprio tempo. Para assim nele agir e mudar, primeiro, o próprio destino. Assim estará dado o primeiro passo na direção de um mundo melhor.
O segundo passo deve ser na direção da construção de uma sociedade melhor. Para isso dependemos uns dos outros e precisamos pensar um mundo onde todos possam viver em condições de igualdade. Nesse momento, teria, inevitavelmente, que voltar a falar de política. E teria que fazer um imenso esforço para acreditar que ainda vale a pena acreditar, mas vivemos tempos trabalhosos. E é melhor eu cuidar da minha vida, que o carnaval acabou.
(*) Jornalista