Estagiários da aventura e do risco

Inicialmente, quando Bonneuil foi fundada, o trabalho era realizado apenas por estagiários, os “estagiários da aventura e do risco” como nomeia Marie-José Richer-Lérès (Estilos da Clínica, 1998, p.26). Estes, junto com Mannoni e Robert Lefort, tiveram que criar tudo, realizar o trabalho de reflexão e elaboração e fazer funcionar a instituição. Após o reconhecimento administrativo de Bonneuil, os estagiários começaram a ser pagos pelo trabalho sendo contratados pela instituição. Porém, fizeram questão de manter uma brecha, uma abertura para as pessoas que quisessem vir “formar-se ou deformar-se de uma prática muito restritiva e especializada” (Estilos da Clínica, 1998, p.28).

Como os estagiários atuais, diferentemente daqueles primeiros que participaram da invenção da instituição, encontram uma estrutura já pronta e em funcionamento, a criação é deslocada para a relação com a criança e com o adolescente, para o que de novo e insólito pode irromper nesse encontro. Além disso, o estagiário é também aquele que vindo de longe, muitas vezes do exterior da França, traz o olhar interrogante para as coisas que foram se instituindo e se cristalizando com o tempo. “Trazem sempre coisas novas em oposição aos que permanecem mais tempo na instituição” (Estilos da Clínica, 1998, p.28). Por isso é sempre uma categoria muito festejada e bem-vinda à escola.

Muitos dos estagiários, vindo de outros países, aportam em Bonneuil com sua cultura, sua língua, o que nos dá a sensação, por vezes, de estarmos numa torre de babel. Mannoni sabia da importância que era, para um sujeito aprisionado na língua materna, poder descobrir-se em outra língua. Por isso em Bonneuil, investe-se nos laboratórios de idiomas e se acolhe estrangeiros de diversas partes do mundo. Essa circulação de línguas por Bonneuil também é marca do estilhaçamento, das brechas da instituição. Essas brechas no trabalho com o exterior permitiram, a algumas crianças que não falavam em francês, poder conquistar a condição de expressar-se em outra língua.

Excertos da dissertação "Cartografias do contato: uma experiência em Bonneuil" (disponível aqui).