2.2.7 Pluralidade metodológica para o ensino da astronomia
Ao longo das décadas, metodologias de ensino de ciências sofreram modificações, passando pelas atividades de laboratório (década de 1950), por discussões, simulações, jogos, abordagem lúdica e outras experiências (década de 1970), e caminha para uma inserção maior da informática no ensino (década de 1990), embora estas demarcações temporais não sejam rígidas (KRASILCHIK, 1996).
Conforme Araújo e Abib (2003), a literatura nacional recente mostra que os pesquisadores têm apontado para a importância do uso das atividades experimentais como uma das estratégias de ensino mais frutíferas para se minimizar as dificuldades de se aprender e de se ensinar ciências e física, e na intenção de mobilizar o interesse do aluno, o que se aplica diretamente ao ensino da astronomia, uma vez que ela possui uma forte componente observacional e prática.
No entanto, a concepção de atividades práticas, segundo tais autores, tem reforçado o uso de roteiros fechados, poucas possibilidades de intervenção e/ou modificação por parte dos alunos ao longo das etapas de um procedimento experimental, receitas prontas, com abordagem tradicional, restritas, fechadas, experimentos de verificação e confirmação de teoria previamente definida. Além disso, encontram-se, em algumas escolas, laboratórios trancados pela coordenação, ou quando em uso, estabelecem-se limitações ou proibições do manuseio de seus instrumentos.
Analisando artigos cujos pesquisadores contemplaram o uso de atividades práticas para o ensino, conforme publicados entre 1992 e 2001, na Revista Brasileira de Ensino de Física (SBF), em seu encarte Física na Escola, e também no Caderno Catarinense de Ensino de Física (UFSC), Araújo e Abib (2003) mostram que há 92 publicações com este tipo de abordagem, abrangendo as áreas da mecânica, ótica, eletricidade, magnetismo, física moderna, calorimetria, hidrodinâmica, gases, ondulatória e astronomia; esta última com uma das menores quantidades encontradas, três publicações.
Além disso, esses autores apresentam uma classificação sobre o papel das atividades práticas, que deve ser levado em conta em seu planejamento pelo professor (os exemplos em astronomia são nossos):
Atividades práticas com ênfase em matemática e seu formalismo (por exemplo, o programa Space Math da NASA).
Atividades práticas com ênfase em demonstrações fechadas, caracterizando-se principalmente pela simples ilustração do fenômeno, centrando-se no professor. Atividades deste tipo são encontradas repetidamente em diferentes livros didáticos, mas sutilmente modificadas.
Atividades práticas com ênfase em demonstrações abertas, que consistem em um ponto de partida para a discussão sobre os fenômenos abordados, com possibilidade de exploração mais profunda do tema estudado, levantando-se hipóteses e incentivando-se a reflexão crítica.
Atividades práticas com ênfase na verificação de uma teoria ou de validade de alguma lei, ou de seus limites de validade, promovendo a capacidade de se efetuar generalizações.
Atividades práticas com ênfase na investigação, numa abordagem construtivista, como um meio de investigação e/ou resolução de problemas, que pode possibilitar aos alunos o teste de hipóteses, propiciando o desenvolvimento da capacidade de observação, de descrição de fenômenos, podendo ser exemplificado pelo laboratório não estruturado (LNE). Este tipo de atividade apresenta uma maior flexibilidade metodológica, quando contrastada com as atividades de demonstração e de verificação.
Atividades práticas com ênfase no cotidiano, abordando fenômenos relacionados com situações típicas encontradas no dia a dia (por exemplo, os materiais didáticos do Grupo de Reelaboração do Ensino de Física, da Universidade de São Paulo).
Atividades práticas que envolvem o uso de tecnologias, como o emprego de computadores, internet e simulações (por exemplo, o uso dos softwares gratuitos em astronomia chamados Celestia e Stellarium).
Atividades práticas que envolvem a confecção detalhada de equipamentos e instrumentos úteis em outras atividades (por exemplo, a construção de lunetas simples, espelhos de telescópios, espectroscópios).
Lembramos, contudo, que uma mesma atividade pode abranger mais de um destes enfoques acima considerados. As atividades práticas, portanto, envolvem mais do que simplesmente seguir um roteiro pronto. De acordo com Gioppo, Scheffer e Neves (1998), há uma concepção de senso comum que kits de laboratório podem resolver o problema do ensino de ciências. Esta falsa idéia foi concretizada, em décadas recentes, com a produção e comercialização em massa, entre Estado e empresas privadas, de kits e pacotes de experimentos com procedimentos e roteiros fechados. Segundo esses autores, não há contribuição efetiva no uso de kits, roteiros prontos, procedimentos fechados e mensuração de resultados experimentais já esperados. Ao contrário, atividades práticas devem ser significativas e não podem ser descontextualizadas do processo de ensino-aprendizagem, sendo a maneira como a experimentação é realizada e sua integração no conteúdo mais importantes que a própria experimentação.
Conforme Gioppo, Scheffer e Neves (1998), o laboratório do ensino fundamental se inicia com a atitude mais básica do homem: a contemplação e a observação da Natureza, pois as atividades de observação, contemplação, experimentação e construção não devem, portanto, ser concebidas a partir de um rol de atividades rígidas, mas como um espaço de criação, em que as atividades práticas fomentem uma educação de transformação do indivíduo, ativando sua criticidade e cidadania, e não uma educação de fachada, cumpridora de ‘itens’ e roteiros procedimentais.
Algumas sugestões de atividades práticas em astronomia são encontradas em âmbito nacional (uma referência internacional para o trabalho docente em astronomia tem sido a homepage da NASA Education, que apresenta vídeos, textos, imagens, figuras, além das atividades práticas) nas seguintes fontes, que devem ser analisadas com cuidado, levando em conta as considerações acima:
PCN (BRASIL, 1998 e 1999), que sugerem a construção de maquetes e instrumentos simples semelhantes aos primitivos relógios de Sol, gnômons, realizar observações do Sol, Lua, estrelas e meteoros, marcando suas observações e dados; visitas preparadas a observatórios, planetários, associações de astrônomos amadores, museus de astronomia e de astronáutica.
Artigos em revistas e publicações da área de ensino de Física, Ciências e Astronomia, com resultados de pesquisas da área abordando a utilização de experimentos e atividades práticas.
Homepage da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica, que inclui um texto intitulado Oficina de Astronomia On-line e atividades práticas sugeridas para as suas provas anuais.
Homepage Ciência à Mão, um portal de ensino de ciências, que inclui ferramentas de busca na internet de sugestões de atividades práticas, textos, artigos, etc.
Homepage de instituições dedicadas à área, tais como a AEB Escola (Agência Espacial Brasileira), o Observatório Nacional e o Instituto de Pesquisas Espaciais, que contém atividades para download, CDs, vídeos, links, simulações interativas, experimentos.
Portanto, diante das sugestões acima, reforçamos a necessidade de que o professor, ao preparar suas atividades práticas, exerça uma atitude autônoma e crítica ao analisar com cuidado suas possibilidades, levando em conta o importante papel delas no ensino da astronomia, o qual abrange, dentre outros aspectos, contemplar:
Observações sistemáticas do céu (sem e com o uso de telescópios), estabelecendo relações com o ambiente
Interdisciplinaridade
Consideração das concepções alternativas dos alunos
Contextualização e cotidianidade
Questões sociais locais e mundiais
Transposição didática adequada
Inclusão social (portadores de necessidades especiais)
Abordagem CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade, Ambiente)
Aspectos da HFC (História e Filosofia da Ciência)
Utilização das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação)
Divulgação e popularização da astronomia como cultura perante a comunidade local
Apesar da privilegiada dimensão pragmática e observacional da astronomia, a utilização de atividades práticas constitui-se em apenas uma dimensão metodológica diante das inúmeras possibilidades metodológicas de ensino. Diante de um elenco de possibilidades metodológicas para o ensino de ciências, Laburu, Arruda e Nardi (2003) lembram sobre a complexidade das variáveis influenciáveis nas decisões do professor ao optar por um ou mais métodos para ensinar conteúdos de ciências, e reforçam a idéia de que não existem procedimentos metodológicos que satisfaçam a todos os alunos, pois a aprendizagem é um fenômeno complexo e depende da trajetória formativa e da história de vida, abrangendo uma rede mínima de pressupostos epistemológicos, os quais se diferenciam de aluno para aluno: ontológicos, políticos, históricos, culturais, sociais, econômicos, afetivos, motivacionais, religiosos, psicológicos, juízos pessoais, gostos, preconceitos, metafísicos, aspirações pessoais, etc.
Por isso, favorecemos o uso do procedimento instrucional mais variado possível, sob a perspectiva do pluralismo metodológico para o ensino da astronomia, contra uma atuação única e modal, seja ela denominada de tradicional, construtivista, comportamentalista, racionalista, progressista, por observação, por descoberta, por transmissão, por experimentação, estilos holistas, serialistas, competitivistas, dentre outras (LABURU, ARRUDA e NARDI, 2003). Portanto, como salientam estes autores, o professor reflexivo não aceita automaticamente a metodologia dominantemente divulgada em determinadas épocas, pois a construção de sua autonomia o impede de aceitar modismos metodológicos, mas lhe fornece subsídios a fim de analisar os diversos fatores envolvidos em seu contexto educativo durante a escolha de um procedimento de ensino mais apropriado.
Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:
LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.