François Voulga

PENTECOSTES: O QUE SABEMOS SOBRE OS PRIMEIROS CRISTÃOS

 

 

 

François Vouga[1]

 

 

 

 

Segundo os cristãos, a festa de Pentecostes celebra a descida do Espírito Santo sobre os discípulos de Jesus. Para assinalar a ocasião, o "Le Monde des religions" reconstituiu em quatro etapas o nascimento das primeiras comunidades do cristianismo, que começaram em Jerusalém antes de se espalharem pelo Império Romano.[2]

 

 

 

Desde os seus primórdios, o cristianismo assumiu a forma de uma diversidade de personagens e movimentos que constitui a sua unidade. Esta diversidade deriva da própria essência do cristianismo. Os escritos do Novo Testamento apresentam o cristianismo como uma "fé": com este termo, chamam a atenção para o fato de que a "boa nova" (em grego: "evangelho") de que são portadores chama todos e cada um a forjar uma convicção pessoal baseada na esperança e na confiança em Deus.

 

Por ocasião do Pentecostes, que celebra a narração, nos Atos dos Apóstolos, da descida do Espírito Santo sobre os primeiros discípulos de Jesus, cinquenta dias depois da Páscoa (Pentecostes significa "quinquagésimo dia" em grego antigo), olhamos para os primeiros passos de uma comunidade que viria a dar origem à primeira religião [voltada para toda a] humanidade.

 

 

1. Um Núcleo Inicial em torno dos Apóstolos

 

Historicamente, mas também na sua fé, o cristianismo tem as suas origens na pessoa de Jesus. Anunciando a proximidade do "reino de Deus", ou seja, a iminência da presença deste último, Jesus partiu para a Galileia, acompanhado por um grupo de discípulos, por vezes designados pelo número simbólico dos "Doze". Segundo os Evangelhos, Jesus e os seus discípulos, os apóstolos, falavam com as pessoas e sentavam-se com elas, quer fossem gregos ou galileus, homens ou mulheres, resistentes ou colaboradores contra a ocupação romana, justos ou pecadores.

 

Desde então, as Igrejas conservam a memória de um convívio que simboliza, como programa da boa nova, um acolhimento universal que não tem em conta origens ou filiações. A abertura praticada por Jesus foi confirmada na manhã de Páscoa: Deus revelou como seu Filho um homem crucificado que, condenado pelos homens e amaldiçoado pela lei, tinha perdido toda a dignidade. Ao fazê-lo, mostra-se como o Deus que reconhece cada pessoa, universalmente, independentemente das suas qualidades.

 

O que aconteceu exatamente na manhã de Páscoa? Ninguém sabe. O que é certo é que várias cadeias de testemunhas, a começar por Pedro e Tiago, um "irmão" de Jesus que até então se tinha mantido afastado do seu movimento, afirmam ter visto Jesus vivo, apesar de ter sido crucificado e sepultado. A partir de então, as coisas avançam muito rapidamente.

 

Os primeiros companheiros da Galileia formaram o núcleo inicial das Igrejas cristãs. Tiago, recém-convertido, assumiu a direção das Igrejas de Jerusalém e arredores. Pedro, chefe de uma empresa de pesca na Galileia e um dos primeiros discípulos de Jesus, que acolheu em sua casa, tornou-se uma figura de proa da missão, viajando com a sua mulher (1 Coríntios 9,5) da Palestina à Síria, e talvez até Roma.

 

João está ligado ao desenvolvimento da Igreja em Éfeso. Paulo, um jovem intelectual judeu de língua grega nascido em Tarso, recebeu a vocação de "apóstolo dos gentios" depois de ter perseguido os cristãos nas sinagogas.

 

 

2. O Papel Crucial das Sinagogas

 

Mas os apóstolos não estavam sozinhos: depois de terem encontrado Jesus em Jerusalém, onde tinham subido para celebrar a Páscoa, os peregrinos regressaram a casa e partilharam as suas descobertas nas sinagogas gregas de Antioquia, Éfeso, Roma e Alexandria. O resultado foi que, sem qualquer coordenação ou organização prévia, já existiam Igrejas cristãs em quase todo o Mediterrâneo, apenas meia dúzia de anos após a morte de Jesus.

 

No final do século I, numerosas igrejas se desenvolveram dentro das próprias sinagogas. Os apóstolos, Pedro, Tiago, João e Paulo, e também, na terceira geração cristã, pensadores como os autores dos Evangelhos de Mateus e João, não duvidavam de que pertenciam ao judaísmo.

 

A distinção entre judeus e cristãos e, mais tarde, a separação entre Igreja e Sinagoga, foi feita gradualmente entre meados do século I e finais do século II, seguindo uma evolução que variou consideravelmente de lugar para lugar.

 

Quando Nero (37-68) acusou os cristãos de incendiarem Roma em 64, escolheu como bode expiatório um grupo de pessoas que a população da cidade já não confundia com os judeus. Vinte anos mais tarde, as Igrejas de Mateus e de João, em Antioquia e em Éfeso, ainda faziam parte das sinagogas e só dolorosamente emergiriam.

Algumas Igrejas, como as fundadas por Paulo na Galácia, em Filipos, em Tessalônica ou em Corinto, nunca pertenceram à rede das assembleias judaicas, enquanto outras nunca a abandonaram e voltaram a integrar-se.

 

Quando o lugar de reunião das Igrejas não era, ou já não era, a sinagoga, era a casa particular. É nestes locais que se realiza o culto dominical: as pessoas reúnem-se para rezar, anunciar a boa nova e partilhar o pão e o vinho da Ceia do Senhor.

 

 

3. Dois Modelos Organizacionais Concorrentes

 

Paulo tinha desenvolvido uma visão universalista, igualitária e pluralista da Igreja. De acordo com a lógica do Evangelho, ele pretendia resistir à invasão das divisões da sociedade nas Igrejas. Segundo ele, todos os membros da comunidade receberam dons que lhes são próprios e que os tornam membros indispensáveis do todo: a ideia de hierarquia devia dar lugar à de complementaridade, em que as diferenças reforçam a unidade.

 

Mas a organização das Igrejas nos dois primeiros séculos não oferecia uma solução uniforme e igualitária. Algumas comunidades tinham adoptado um modelo clássico, herdado da Sinagoga, com o estabelecimento de uma forma de liderança colegial por anciãos.

 

Ao mesmo tempo, a visão de uma estrutura mais hierárquica, modelada no florescente Império Romano, não deixava de fascinar as Igrejas do século II. Uma carta da Igreja de Roma, enviada por volta de 90 à de Corinto, atesta a incipiente competição entre estes dois modelos. Curiosamente, Roma defendia a instituição tradicional dos antigos contra a ideologia centralista de inspiração imperial, que seduzia cada vez mais cristãos - e que acabaria por se impor, sob a autoridade dos papas e dos patriarcas orientais.

 

Os documentos que herdamos das primeiras gerações, as cartas de Paulo, por exemplo, testemunham também debates acesos sobre a verdade do cristianismo e sobre o que ele deve implicar na vida quotidiana (que lugar para as mulheres? O casal? etc.). Debates teóricos sobre a identidade de Jesus - Era Deus? Era um verdadeiro homem? Era verdadeiro Deus e verdadeiro homem? - que viriam a conduzir aos primeiros cismas, não parecem ter começado antes do início do século II.

 

 

4. Os Cristãos à Margem da Vida Social do Império

 

A perseguição organizada e sistemática dos cristãos remonta aos reinados de Septímio Severo (202) e Décio (249). No seio do Império, o cristianismo primitivo chocou os espíritos esclarecidos devido à situação de decisão que criou: entre os deuses, só um devia ser escolhido - e não era o imperador, cujo culto os cristãos também recusavam, o único imposto pelo Estado romano.

 

Segundo Paulo, os cristãos renunciaram aos ídolos pagãos em favor do único Deus vivo (1 Tessalonicenses 1,9-10), enquanto para Luciano de Samósata (c. 125-c. 192), eles voltaram as costas aos deuses para adorar um charlatão crucificado (Peregrinus, 13). Ao afirmarem a exclusividade da sua fé, os cristãos isolaram-se da vida religiosa e social do Império.

 

O Deus exclusivo da mensagem cristã não é nem uma divindade com a qual se possa fazer transações, como os deuses curadores, nem um Deus a quem se pertence por nascimento, como o Deus do judaísmo, mas um Deus em quem todos podem acreditar. E como o ato de acreditar é um processo pessoal, o indivíduo que escolhe este deus escolhe-se a si próprio como subjetividade individual e responsável.

 

O sucesso do cristianismo no mundo helenístico e romano não se deveu à segurança que ofereceu aos ansiosos, nem à esperança que ofereceu aos que não tinham identidade social, nem à solidariedade que ofereceu aos desenraizados, mas à descoberta de uma nova consciência do eu, da pessoa e da subjetividade individual. Isto exprime-se nas três virtudes teologais da fé como confiança, esperança e amor como uma nova forma de reconhecimento.

 

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[1] François Vouga é um teólogo protestante e professor de Novo Testamento na Kirchliche Hochschule Bethel em Bielefeld e Wuppertal, Alemanha. Os seus livros incluem Premiers Pas du christianisme. Les écrits, les acteurs, les débats (Labor et Fides, 1997) e Dieu sans religion. Les origines laïques du christianisme (Labor et Fides, 2016).

 

[2] Este artigo foi originalmente publicado no "Le Monde des religions", em Dezembro de 2018, número especial dedicado à "grande história dos monoteísmos". A presente tradução foi feita a partir da republicação do artigo no "Le Monde" de 28 de Maio de 2023.Tradução realizada pelo sistema de tradução automática DeepL, disponível em deepl.com, com revisão da tradução por Antônio Carlos da Rocha Costa (ac.rocha.costa@gmail.com). A inserção entre colchetes é do revisor da tradução.