Controle do Stress

por Michel Debost

Não tenha medo; não erre; simples assim” (Fred Astaire, 1899-1987, ator e dançarino estadunidense). Fácil falar...

Quando ouvimos os amigos ou colegas, com ou sem stress, podemos ver que eles são mais ou menos como nós. Então, podemos compará-los conosco. É a percepção nervosa que, na nossa mente, aumenta a consciência de nossas fraquezas.

“Estava soando bem, outro dia, na minha casa...” De fato, na nossa casa não estamos assim tão conscientes de nossos defeitos, porque não estamos pressionados pelo stress; enquanto que, em um concerto, fazemos de um mínimo defeito uma montanha.

Temos mais medo de tocar uma nota errada do que trair o espírito da música. Lembremos da parábola do cisco e da trave, no sermão da montanha. Tememos os erros literais: eles são o cisco. Mas frequentemente não observamos as próprias deficiências musicais e instrumentais. Elas são a trave.

Minha constante preocupação antes de um concerto é a de estar barbeado, mas a paúra propriamente dita vem do perigo imediato.

O único momento onde os erros devem ser corrigidos é durante o trabalho pessoal, não há desculpas. Durante uma execução, porém, a mensagem musical é a ordem do dia. Aí é tarde demais para corrigir as deficiências.

“A vida seria bem banal sem os erros” (Oscar Wilde, 1854-1900, escritor e poeta irlandês).

Não precisamos ficar pensando nas faltas passadas. Elas jamais serão corrigidas. Nenhum astronauta conseguirá recolher as notas erradas que estão no firmamento – que, aliás, deve estar lotado delas! Também não devemos ficar lembrando do passado dentro de um “perigo” iminente. Mas podemos, talvez, prevenir acidentes futuros.

Nos dias precedentes a um concerto ou a uma prova, não tome nenhum medicamento específico (tranquilizantes, beta-bloqueadores, etc.). Mas também não interrompa o uso de alguma medicação se você já está em tratamento.

Quando estamos nervosos ou ansiosos, nossa voz altera: torna-se forçada ou estrangulada. Ao mínimo sinal de nervosismo, a garganta se estreita e comprime a coluna de ar. O mesmo ocorre quando elevamos os ombros, seja devido um movimento instintivo de defesa, seja devido a um defeito de postura.

Todos nós temos nossos rituais para nos preparar para tocar. Procure conservar os seus. Não mude seu comportamento habitual. Evite alimentos ou bebidas irritantes, todavia procure se alimentar como normalmente faz no dia a dia. Uma barriga vazia é tão nefasta quanto um estômago empanturrado. Comer moderadamente aciona o processo digestivo, onde um dos elementos é a salivação.

Quanto à higiene bucal, dependendo do creme dental utilizado, ela pode deixar a boca ressecada. Faça o que lhe convém, mas, no caso presente, a eficácia e o conforto na execução vêm em primeiro lugar. No final das contas, você não está indo para um encontro.

Não procure, na véspera, dormir mais do que o de costume. A insônia poderá lhe angustiar ainda mais. Viva como de hábito.

Não sou uma pessoa fanática pelo aquecimento ou pelo ensaio no dia ou poucos momentos antes da apresentação. O trabalho de hoje não renderá frutos esta noite, mas dentro de seis meses. Quando se está em pânico para um concerto ou para uma lição, não é a falta de aquecimento que está em jogo, é a falta de preparação apropriada.

Devemos tentar solicitar bem pouco os músculos mais débeis (dos lábios, dos dedos e os intercostais). Os músculos mais fortes (os abdominais, das coxas e do braço esquerdo) necessitam de algum relaxamento, que pode ser executado sem a flauta.

Minha preocupação de não tocar em demasia antes de um concerto é de duas ordens. Antes de tudo, tal prática dá um falso sentimento de segurança e de dever cumprido. Outra: em relação ao planejamento do concerto, espera-se que você esteja bem preparado há um bom tempo. Ensaiando até a exaustão você conseguirá perder seu brilho e sua espontaneidade. Redescobrir a música após algumas horas de descanso talvez seja uma boa ideia. Além disso, os eventos de um concerto são imprevisíveis. Prepare-se mentalmente para o inesperado, ao invés de ensaiar ainda mais uma vez. Acidentes ocorrem onde não esperamos por eles. É difícil saber quando ocorrerão durante o concerto. As passagens mais temidas são frequentemente as que não causam problemas, porque foram mais trabalhadas anteriormente.

Apesar das minhas admoestações, faça como achar melhor – e você terá razão. Além disso, o seu modo de fazer as coisas evoluirá com a experiência.

No grande dia, saia para ver o mundo! Um passeio na natureza, um cinema ou um museu são bons pacificadores da alma. A música está, de qualquer maneira, constantemente dentro de você, de tal sorte que vivenciar coisas belas e interessantes só vai contribuir. Eu evito a televisão, pois me entorpece o espírito. Mas tudo isto é uma questão de minhas preferências. Descubra quais são as suas.

O gosto alterado da água da torneira e dos produtos químicos que a acompanham são um insulto à boca. Tome um pouco de água mineral sem gás, mas à temperatura ambiente. O frio tem um efeito constritor, lembre-se. Um pouco de acidez não faz mal, mas as bebidas gaseificadas são também abarrotadas de substâncias químicas.

No meu caso, um fôlego curto é um dos efeitos notórios do stress do executante. Se você também padece do mesmo problema, em primeiro lugar toque, caso possa escolher, um instrumental que tenha movimento, ao invés da suposta facilidade das frases longas. Nos ensaios, planifique mais as respirações que considera necessárias em lugar de tentar bater o recorde mundial de apneia.

Se você tem uma tendência a pinçar ou bater com força nas chaves, o stress agravará o problema. Assim como o nadador que está afundando e a criança que cambaleia, você terá a tendência de se agarrar a qualquer coisa que cair na sua mão. Meu Deus! É a sua flauta! Mas se os treinos lhe ensinaram a equilibrar o instrumento através dos pontos de apoio (não geradores de notas musicais), o stress maximizará esta estabilidade em vez de obrigá-lo a lutar para levantar os dedos que estão pinçados nas chaves geradoras de notas.

Seja você mesmo, sirva-se de tudo o que você aprendeu sobre a flauta, sobre a música, sobre você (o que dá na mesma); não seja desencorajado por uma nota errada (agora é tarde...), divirta-se; deixe o caminho livre para suas emoções e... Vá em frente!!!

Concentração e relaxamento

Um dos objetivos do trabalho é de relaxar o máximo possível com uma total concentração. “Atenção sem tensão”.

Peça a alguém para relaxar... os ombros caem, as mãos tombam, o corpo fica largado, os olhos perdem o brilho; o sono começa a vir. A pessoa está apagada.

Agora, peça para a mesma pessoa se concentrar: cada músculo se retesa, sobrancelhas franzidas, o pescoço se estende, os olhos brilham, o corpo está em posição de sentido. O indivíduo está desperto e pronto para a ação; infelizmente, justamente é esta tensão nervosa que atrapalha o desempenho.

Não se consegue relaxar tudo ao mesmo tempo. Se tentarmos, ao tocarmos o instrumento entrará em desequilíbrio e a flauta escapará de nosso controle.

Para entender o relaxamento, sugerimos primeiramente trabalhar em algo que não demande muita força nem induza ao stress: os arpejos lentos ou os intervalos. Nos pontos de passagem, segurar um pouco mais os dedos que estão fixos, porém relaxe a pressão sobre a chave que vai liberar o intervalo, frequentemente a mais próxima da embocadura.

A concentração mental ajuda a conhecer aquelas áreas onde se necessita de maior estabilidade e aquelas que podem ser relaxadas. A consciência do centro da gravidade permite colocar tensão em local apropriado e não, por exemplo, em lábios e dedos. Quando se está “em seu hara”, se respira melhor, se sopra melhor e cansa-se menos, porque o hara e o centro da gravidade são fontes inesgotáveis de controle e de prazer.

Quando uma dificuldade sobrevém, a tensão nervosa provoca além da contração da garganta, uma tendência a soprar demais ou com muito pouco ar e a tentação de controlar o som pela “mandibulização” ou pelo movimento dos lábios.

No bocejo nota-se um movimento que contém tanto a inspiração quanto a expiração. É muito útil, em períodos de stress, induzir o seu próprio bocejo: a sensação agradável resultante daí é a própria essência do relaxamento.

EM POUCAS PALAVRAS,

“Não se pode vencer um adversário que não se conhece”. O processo mental de controle do stress e do relaxamento começa com a consciência de todos os aspectos de tocar. O relaxamento consciente de todos os obstáculos à coluna de ar (estreitamento da garganta, mandíbula flutuante, lábios retesados) propicia um fluxo de ar mais livre. A estabilidade dos pontos de apoio permite aliviar a pressão dos dedos.


Autor: Michel. Debost - DEBOST, Michel. Une simple flûte. Editions Van de Velde, Paris, 1996. (p. 64-8)

Tradução: STEFANO FRUGOLI PEIXOTO - Especiais agradecimento a Stefano por essa tradução.


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