Seu pai, Dominique de Fermat, era um rico mercador de peles e lhe propiciou uma educação privilegiada, inicialmente no mosteiro franciscano de Grandselve e depois na Universidade de Toulouse. Ingressou no serviço público em 1631.
Projeção: A matemática moderna tem início com cinco notáveis contribuições do século XVII:
a) a geometria analítica de Fermat (1629) e Descartes (1637)
b) o cálculo infinitesimal de Newton e Leibniz
c) a análise combinatória (1654), particularmente com os trabalhos de Fermat e Pascal, que delineiam o cálculo de probabilidade
d) a aritmética superior, de Fermat (1630-1665)
e) a dinâmica de Galileu (1612) e Newton (1666-1684) e a gravitação universal de Newton (1684-1687)
Depois do primeiro período áureo da matemática, em que predominam as figuras de Arquimedes, Euclides, Apolônio e outros, chega-se ao segundo período áureo em que a presença de Fermat se destaca sobremaneira.
Na geometria analítica, Fermat precede, sem dúvida, a Descartes. Os métodos de Fermat são mais simples do que os de Descartes. Fermat já tem, em 1629, a equação geral da reta, da circunferência e de algumas cônicas. Em 1639 divulga um novo método para determinação de tangentes, estudo que levaria aos máximos e mínimos. Em especial, Fermat formula o princípio do tempo mínimo, da óptica, que é o primeiro (1657, 1661) dos grandes princípios variacionais da física.
Fermat sobressai, ainda, no terreno do cálculo de probabilidades. O escritor francês Antoine Gombaud, intrigado com certos problemas que se apresentavam nos jogos de azar, encaminha-os a Pascal, que os leva a Fermat. Ambos resolvem as questões propostas, tendo Fermat, inclusive, corrigido alguns senões cometidos por Pascal.
O campo predileto de estudos de Fermat, porém, é o da teoria dos números, na qual se consagra. Fermat dá considerável impulso à aritmética superior moderna; e exerce, assim, grande influência sobre o desenvolvimento da álgebra. Deve-se a Fermat alguns teoremas originais, notáveis pela concepção. Sem embargo, o mais famoso dos teoremas de Fermat é o que passou à história da matemática com a designação de "último teorema de Fermat".
O último Teorema de Fermat: Considerando-se a equação xn+yn=zn, Fermat estabeleceu que não existem valores inteiros para x, y e z que a satisfaçam, quando n é um número inteiro e maior do que 2. A propósito de sua demonstração, Fermat escreveu à margem de um exemplar da edição preparada por Méziriac (1581-1638) das obras do matemático grego, Diofanto (século. III dc):
- "Encontrei uma demonstração verdadeiramente admirável, mas a margem é muito pequena para apresentá-la".
Naturalmente, há quem duvide que ele tenha dito a verdade. Gerações inteiras de matemáticos têm amaldiçoado a falta de espaço daquela margem. Por mais de três séculos, praticamente todos os grandes expoentes da Matemática (entre eles Euler e Gauss) debruçaram-se sobre o assunto. Com o advento dos computadores foram testados milhões de algarismos com diferentes valores para x, y, z e n e a igualdade xn + yn = zn não se verificou. Assim empiricamente se comprova que Fermat tenha razão. Mas e a demonstração? Um renomado empresário e matemático alemão – Paul Wolfskehl – na noite que decidira suicidar-se em sua biblioteca, depara com o Último Teorema de Fermat, e muda de idéia. Em seu testamento, deixou em 1906 a quantia de 100.000 marcos para quem o demonstrasse.
O teorema desafiou matemáticos por todo o mundo durante 358 anos, até que Andrew Wiles, um matemático britânico, conseguisse demonstrá-lo, primeiramente em 1993 e, depois de consertar alguns dos erros apontados, definitivamente em 1995. Cumpre esclarecer que Wiles utilizou conceitos avançadíssimos, com os quais Fermat nem poderia ter sonhado. Assim chega ao fim uma história épica na busca do Santo Graal da Matemática.
De todas as aplicações do teorema de Fermat, a mais engenhosa foi a que deu origem aos números ideais, notável criação de Kummer.
Fonte: Enciclopédia Mirador págs. 4546 e 4547
A Solução do Último Teorema de Fermat, de Simon Singh
Tradução de António Manuel Baptista
Relógio d'Água, 1998, 336 pp.
No final do Verão de 1994, depois de oito anos de trabalho intenso, o matemático Andrew Wiles estava disposto a admitir a derrota. O último teorema de Fermat parecia ter ficado uma vez mais por demonstrar. No ano anterior, Wiles apresentara à comunidade científica a sua demonstração, um resultado brilhante de sete anos de investigação solitária que fornecera à matemática novas técnicas e estratégias para abordar problemas. Mas havia um erro nessa demonstração. De início tinha parecido um erro menor, mas foi resistindo a todas as tentativas de correcção à medida que os meses passavam. Resignado, Wiles procurava compreender as razões da sua derrota. Teve então "essa incrível revelação". Subitamente, entendeu que se conciliasse duas teorias que antes só abordara isoladamente, o problema ficaria resolvido. E assim conseguiu demonstrar o teorema de Fermat.
Este foi o final feliz de uma história intrincada, uma longa história de 358 anos que Simon Singh nos dá a conhecer em "A Solução do Último Teorema de Fermat". Na verdade, Singh ocupa-se de um período ainda maior, pois acompanha a história da matemática desde Pitágoras, mas o enigma central do livro surgiu apenas com Pierre Fermat no século XVII. Fermat tinha uma tendência irritante para não divulgar o seu trabalho. Como muitos matemáticos do seu tempo, gostava de manter secretas as demonstrações que realizava. Numa margem do seu exemplar da "Aritmética" de Diofanto, escreveu uma afirmação que o celebrizou: "Tenho uma demonstração maravilhosa desta proposição que esta margem é demasiado estreita para conter." Dessa demonstração não ficaram quaisquer vestígios e a proposição em causa tornou-se conhecida por "último teorema de Fermat". O teorema que Fermat alegou ter demonstrado é muito simples. Ele diz-nos apenas que a equação xn + yn = zn não tem soluções com números inteiros quando n é maior do que 2. Quando n é igual a 2 isso não acontece, como podemos ver através do exemplo 32 + 42 = 52. Mas, disse Fermat, se n for maior do que 2, não encontraremos no conjunto infinito dos números inteiros uma única solução para a equação indicada. Como se pode saber tal coisa? Esse foi o grande problema que gerações de matemáticos enfrentaram sem sucesso. Realizaram-se alguns avanços notáveis que produziram novas técnicas e instrumentos matemáticos, mas quem tentou demonstrar o teorema de Fermat em toda a sua generalidade acabou por fracassar. Há cerca de 20 anos, no entanto, deu-se um desenvolvimento inesperado. Demonstrou-se que, se uma importante conjectura apresentada por dois matemáticos japoneses fosse verdadeira, o teorema de Fermat também seria verdadeiro. O desafio de Wiles foi assim o de demonstrar essa conjectura e ao fazê-lo conseguiu validar não só o teorema de Fermat, mas toda a matemática que nele se apoiava.
Com o livro de Singh, não podemos esperar compreender em profundidade a demonstração de Wiles. Só um décimo dos especialistas em teoria dos números consegue compreendê-la plenamente. No entanto, com um mínimo de recursos técnicos, Singh envolve-nos nas principais estratégias, dificuldades e surpresas que estiveram presentes nas tentativas de resolver o enigma de Fermat. Desta maneira, familiariza o leitor com formas de raciocínio importantes, como a redução ao absurdo e a indução matemática, e deixa também bem clara a especificidade do conhecimento matemático. Para além disso, o livro apresenta uma grande diversidade temática, pois Singh, sem nunca perder de vista o tema principal, realiza inúmeras incursões interessantes que afastam a possibilidade de a leitura de tornar enfadonha. A propósito do contributo de Sophie Germain, por exemplo, considera-se o lugar das mulheres na história da matemática e as dificuldades que estas encontraram, e a propósito de Turing somos conduzidos aos métodos de decifração de códigos durante a Segunda Guerra Mundial. O último capítulo, que incide em grande parte na controvérsia sobre o uso de computadores na realização de demonstrações, conclui o livro com a mesma frescura das primeiras páginas.
Pedro Galvão
Publicado originalmente no jornal Público
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Em 1652 ele foi promovido para Juiz Supremo na Corte Criminal Soberana do Parlamento de Toulouse. Neste mesmo ano Fermat também adoeceu e chegou-se a afirmar que ele havia morrido. Ao se investigar a produção matemática de Fermat, percebe-se facilmente a característica amadora predominante em seus trabalhos. Na verdade, com pouquíssimas exceções, ele não publicou nada em vida e nem fez qualquer exposição sistemática de suas descobertas e de seus métodos. Considerado o Príncipe dos amadores, Pierre de Fermat nunca teve formalmente a matemática como a principal atividade de sua vida. Jurista e magistrado por profissão, dedicava à Matemática apenas suas horas de lazer e, mesmo assim, foi considerado por Pascal o maior matemático de seu tempo. Contudo, seu grande gênio matemático perpassou várias gerações, fazendo com que várias mentes se debruçassem com respeito sob o seu legado, que era composto por contribuições nas mais diversas áreas das matemáticas, as principais: cálculo geométrico e infinitesimal; teoria dos números; e teoria da probabilidade. O interesse desperto em Fermat pela Matemática, possivelmente, deu-se com a leitura de uma tradução latina, feita por Claude Gaspar Bachet de Méziriac, de Aritmética de Diophante, um texto sobrevivente da famosa Biblioteca de Alexandria, queimada pelos árabes no ano 646 d.C., e que compilava cerca de dois mil anos de conhecimentos matemáticos. A matemática do século XVII estava ainda se recuperando da Idade das Trevas, portanto não é de se admirar o caráter amador dos trabalhos de Fermat. No entanto, se ele era um amador, então era o melhor deles, devido à precisão e à importância de seus estudos, que, diga-se ainda, estavam sendo realizados longe de Paris, o único centro que abrigava grandes matemáticos, mas até então ainda não prestigiados estudiosos da Matemática, como Pascal, Gassendi, Mersenne, entre outros.
Fermat conseguiu resumir em poucas linhas, freqüentemente traçadas à margem dos compêndios que manuseava algumas de suas geniais concepções. Pascal atribuiu a ele o primeiro lugar entre os geômetras da Europa.