Nossa Senhora do Rosário

NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

UMA "FREGUESIA" DA ILHA DE FAIAL NOS AÇORES

Décio Martins de Medeiros

O mistério começa, precisamente quando, dando prosseguimento às pesquisas da genealogia do meu antepassado Capitão Antonio Ferreira de Medeiros, patriarca do ramo da família Medeiros que se estabeleceu em Passos, sul de Minas Gerais , encontro o registro de casamento de seus pais. Neste registro o noivo Manoel Jorge de Medeiros declara ser natural da freguesia de Nossa Senhora do Rosário, na Ilha de Faial. Porque mistério? Porque esta freguesia não existe nem nunca existiu na Ilha de Faial!.

O registro do casamento de Manoel Jorge de Medeiros e Maria Luiza Ferreira da Conceição está microfilmado sob numero 1285394 item 6, pela Sociedade Genealógica de Utah (Centro da História da Família) em 1980, a partir de manuscritos no Arquivo Diocesano de Guaxupé, do registro paroquial dos casamentos de 1777 a 1809 da Igreja Católica de São Carlos Borromeu ( Jacuí ) em Minas Gerais .

No livro de 24/01/1777 em diante, na página 34 , encontra-se o registro de casamento transcrito a seguir:

" Aos oito de julho de mil setecentos e noventa annos, na Fazenda do Ribeiram das Ninfas, do Capitão Manoel Cardoso Ozorio, no distrito desta freguesia de Jacuhy, pelas 2 horas da tarde, feitas as tres canonicas da nunciação na forma do Sagrado Concílio Tridentino e Constituição do bispado, sem resultar impedimento algum, e com provizam do reverendo vigario da vara desta comarca, estando presentes, eu padre José de Freitas Silva, parocho dos contratantes, as testemunhas ao diante assignadas, se receberam solemnemente por marido e mulher na forma da Santa Igreja, Manoel Jorge de Medeiros, natural da freguesia de N.Snra. do Rozario da Ilha do Fayal, bispado de Angra, filho legitimo de Antonio Jorge Ferreira, e de Maria de Medeiros da mesma freguesia, e de avós paternos e maternos, só diz que a avó paterna era Agueda Jorge e de mais não sabia, só diz que eram da mesma freguesia; com Maria Luiza Ferreira da Conceiçam, natural da freguesia D'Ajuruoca, de Marianna, filha legitima de Matteos Luis Ferreira, já defunto, e de Maria do O' dos Santos,este da freguesia do Sumidouro, de Mariana, e aquela de São João de Brito, termo de Guimarães, arcebyspado de Braga: neta por parte paterna de Manoel Ferreira Guimarães, e Custodia Luis Dinis, da mesma freguesia, termo e arcebispado; e pela materna de Joam Marques Brandam, natural da freguesia do Porto Brandão , do arcebispado de Braga, e de Anna Maria dos Santos, natural da cidade de Marianna; ambos os contratantes moradores no Bairro da Bocaina e logo lhes dei as bençãos matrimoniais conforme os ritos e cerimonias da Santa Igreja; do que tudo para constar fiz este termo, em que com as testemunhas me assinam.

O vigario José de Freitas Silva

Manoel Cardoso Osorio

Francisco de S. B. "

1.- NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO NÃO É FREGUESIA NA ILHA DE FAYAL.

O Manoel Jorge de Medeiros indicou em seu registro de casamento , que ele era natural da freguesia de N.Sra do Rosário , da Ilha do Faial . Como nos ensina o Prof. Vilson Francisco de Farias , em seu livro "Dos Açores ao Brasil Meridional" , os imigrantes açorianos ao fazerem algum registro paroquial aqui no Brasil , indicavam o nome da Igreja ou Ermida do local onde haviam nascido ou batizados nos Açores , e não o nome da freguesia. Sendo assim , também por orientação do Prof. Vilson, recorremos ao livro "Os Açores nos Séculos XV e XVI " onde constam as Ermidas (quadro I do livro) e Igrejas(quadro II do livro) daquela época. Temos então que o Manoel Jorge poderia ter sido batizado ou teria frequentado a Freguesia de São Salvador , Matriz ,da cidade de Horta , onde fica a Igreja do antigo convento de S.Francisco , também chamada de N.Sra do Rosário , ou talvez na própria igreja de São Salvador , já que uma das naves era designada por nave de N.Sra. do Rosário.

Após pesquisa em todas as freguesias urbanas da cidade de Horta feita com a ajuda do sr. Helder Manuel de Oliveira nada foi encontrado que permitisse validar que o Manoel Jorge de Medeiros fosse natural destas freguesias.

2.- NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO : UMA CAPELA DA IGREJA DE SANTA BARBARA , EM CEDROS , NA ILHA DE FAYAL.

O registro de casamento do Manoel Jorge de Medeiros era até o momento a única referência a uma freguesia de Nossa Senhora do Rosário na Ilha do Faial até que encontramos mais uma referência a esta "freguesia" .

Na página 473 , quadro I , do livro "A Epopéia Açórico-Madeirense 1748-1756" de Walter F. Piazza ,encontra-se menção a uma freguesia de N.S. do Rosário dos Cedros.

Esta foi a pista perseguida a partir de então , e com sucesso!

O sr. Helder Manuel de Oliveira encontrou referência a uma Capela de N.Sra do Rosário na Igreja de Santa Bárbara , freguesia de Cedros , Ilha do Faial , no registro de óbito de Sebastião Pereira ( bisavô do Manoel Jorge de Medeiros) em Cedros a 11/11/1704 :

"Em os onze dias do mes de Novembro de mil e setecentos e coatro faleceo da vida presente com todos os sacramentos Sebastião Pereira marido de Agada George freguês desta Parochia de Sta Barbara de idade de 50 annos pouco mais ou menos fez testamento no qual deixou que seo corpo fosse sepultado nesta Igreja na Capela de Nossa Sra do Rozário e no seo Altar tres missas mais coatro nos outros Altares e meio officio ; deixa mais dez tostoens a Confraria das Almas e que acompanhem seo corpo a sepultura o Colégio e todas as cruzes e hum Annal de responços e não diz mais o testamento e para constar fiz este termo no dito dia e era , e assigno"

Como o sr. Helder Manuel de Oliveira encontrou na freguesia de Cedros e na vizinha freguesia de Salão vários registros paroquiais referentes a pessoas com nomes iguais aos dos pais e avó materna do Manoel Jorge de Medeiros , isto nos levou a concluir que êle tenha aí nascido e que durante o seu casamento deveria estar se referindo à essa Capela de Nossa Senhora do Rosário.

Com os registros paroquiais acima mencionados , além de esclarecer o mistério da Capela de Nossa Senhora do Rosário , foi possível montar a carta de ascendentes do Manoel Jorge de Medeiros até seus bisavós . Para completar a carta , o sr.Helder Manuel de Oliveira finalmente encontrou na freguesia de Cedros o registro de batismo de um Manoel , nascido a 01 de maio de 1753 e batizado a 6 de maio de 1753 , cuja transcrição é:

"Manoel filho de Antonio Jorge e de sua mulher Maria do Rosário naturais e fregueses desta Parochial de Santa Barbara , nasceo em o primeiro de Mayo de mil e setecentos e cincoenta e tres , e na pia desta Igreja foi baptizado por mim Coadjutor della em os seis dias do dito mes e anno ; foram padrinhos Manoel da Roza Pereira filho de Antonio Pereira e de sua mulher Izabel da Roza e Roza Jacinta filha de José de Mydeiros e de sua mulher Beatriz de Santo Antonio ; testemunhas o Reverendo Vigario desta Igreja e Antonio Machado filho de Manoel Mi. e de sua mulher Maria das Candeyas todos naturais e fregueses desta Parochial e para constar fiz e assignei era ut sup. Coadjutor Joze Roiz Correa"

3.- A GRANDE DESCOBERTA.

Em Outubro de 1999 o sr. Helder Manuel de Oliveira , foi informado por sua prima residente em Ribeira Funda (Cedros) de que o padre João Antonio Neves , natural da freguesia da Prainha ( N.Sra da Ajuda ) , concelho de S.Roque da ilha do Pico , que já fora pároco de Castelo Branco e que agora é o novo padre de Cedros encontrou lá em Cedros , em finais de setembro , princípios de outubro, na casa do "Passal" (residência do padre) , a imagem de Nossa Senhora do Rosário , que se encontrava debaixo duma escada num buraco! . A prima de Helder , quando lhe deu a notícia , disse que o padre tinha dito que a imagem tinha mais de 300 anos , o que nos leva para fins de 1600 e inicio dos anos de 1700 , o que é exatamente a época do registro de óbito que fala da capela de N.Sra do Rosário , que era parte da antiga Igreja de Santa Bárbara. Era e é hábito ter na capela a Santa ou Santo que lhe dá o nome . Por essa razão é de se supor que a imagem agora encontrada esteve no passado na respectiva Capela ,e com o desaparecimento desta , provavelmente o padre da época a guardou no Passal .

4. - CONCLUSÃO.

História , Geografia e Genealogia formam um trinômio inseparável .

Neste artigo que começa descrevendo o que aparentemente seria um beco sem saída do ponto de vista geográfico , demonstra-se que através da pesquisa critériosa e incansável pode-se chegar a conclusões surpreendentes até mesmo para os atuais moradores do local que jamais tinham ouvido falar em uma capela dedicada a Nossa Senhora do Rosário , na Freguesia de Cedros , Ilha de Faial , Açores.

Fontes:

• Livro Paroquial de Casamento de Jacuhy , Minas Gerais (Centro da História da Família).
• Livros Paroquiais de Batismo e de Óbito de Cedros , Ilha de Faial (Biblioteca de Horta).
• Livro "Dos Açores ao Brasil Meridional" , Prof. Vilson Francisco de Farias.
• Livro "Os Açores nos Séculos XV e XVI", João Marinho dos Santos.
• Livro "A Epopéia Açórico-Madeirense 1748-1756" , Walter F. Piazza

Colaboração: Helder Manuel de Oliveira, residente na Freguesia de Castelo Branco, Ilha de Fayal.

Artigo publicado na internet no 2º numero ( Maio 2000) do E-Journal of Genealogy

Artigo publicado na edição de 24 de outubro de 2002 no "Telégrafo" (jornal diario impresso na Ilha do Faial, Açores)