Dia 4 - Porto Velho/RO ~ Realidade/AM - Parte 2

Data de postagem: Sep 04, 2011 9:51:27 PM

- Nossa Senhora! Acode o homem!

- Ele se machucou?

- Olhe lá, parece que ele está se levantando!

"O que está acontecendo? O que ocorreu? Meu peito dói. Que calor. Nossa, a moto! Está de cabeça para baixo! Tenho que desligar o motor. Deixa eu sentar... vixe, a cabeça está rodando. Tenho que levantar para desligar a moto. Está engatada ainda, girando as rodas em falso no ar. Pronto, desliguei. Cadê o Jardim? Sumiu na frente... Putz, acho que ele não viu. Não viu que caí."

Vamos voltar um pouco a fita. Paramos o texto anterior entrando na BR-319, sentido Manaus. Quando entramos na rodovia era asfalto. Poxa, asfalto no meio da mata? Não era tudo terra? Asfalto dos bons, e isso é uma estrada que foi feita na década de 80 pelos militares. Foram uns 20 km assim, mas daí foi piorando, piorando. Até acabar.

Daí, digamos assim, se uma motocicleta tem pesadelos, o seu pior sonho, o mais assustador, daqueles que te faz acordar no meio da noite é passar pela BR-319.

Estava achando bom pegar a terra. Sentindo a moto. Tudo bem. Estava pensando que contam que é normal a gente ir devagar e depois, mais confiante, vai acelerando aos poucos na terra. Todo mundo é assim.

Daí logo que acabou o asfalto tinha uma equipe arrumando a parte de terra da estrada. Estava muita poeira. Eles estavam jogando água para abaixar. Tinha um desvio, estava molhado. O material do desvio era, viemos a saber depois, solo-cimento, super escorregadio. O Jardim foi na frente. A moto dançou doida, mas ele conseguiu passar sem cair. Como vinha atrás, assustei e reduzi a marcha, mas mesmo assim estava rápido demais em 3a. Para piorar, na excitação esqueci da regra básica de direção na terra -- me levantar.

A moto logo que entrou no molhado ficou louca. Escorregava a traseira para lá, jogava de volta para cá violentamente, para lá de novo. Eu em cima, prendi a respiração e o pânico subiu! KABUMM! Fui para o chão. Foi meu pior tombo até hoje.Na hora não senti, mas me machuquei. Machuquei o peito, acho que foi um baque seco no osso do peito. Não sei como se chama esse osso. Até agora, enquanto escrevo isso, meu peito dói. Quando chegar em casa acho que vou no hospital bater uma chapa para ver se teve um estrago maior.

Demorei alguns segundos para entender o que tinha ocorrido. Os trabalhadores que estavam na estrada vieram para me ajudar. Olhei para os lados. A moto aparentemente estava perfeita. Mas quando olhei de perto vi que tive alguns estragos. A tampa da caixa direita se quebrou e voou longe. A caixa direita também amassou. Quando olhei, gelei. O que era um retângulo virou... virou, bom, sei lá o que virou. Ficou sem uma forma definida. A bolha da moto, que é o para-brisa que desvia o vento do motociclista também entortou. O que fazer?

O Jardim chegou. Mesmo dentro do capacete, dava para seu seu olhar de preocupação. Ele ficou muito assustado com o que viu e já veio me ajudar. Eu já tinha levantado a moto com a ajuda do pessoal da estrada. Levamos ela para debaixo de uma árvore. Precisava esfriar a cabeça. Depois do susto, subiu a adrenalina. A gente fica ao mesmo tempo eufórico e apavorado, e meu peito doía. Agora, minha barriga também doía.

E agora? A mala lateral é importante, tenho equipamento dentro dela que não tenho como levar de outro jeito. Se não arrumar, a viagem acaba aqui, para mim. Não vai dar para arrumar, pensei.

Daí que entrou o mestre em funilaria Jardim. O sujeito tem talento. Pegou a minha maleta e disse: "Fique aí, descanse. Deixa que eu dou um jeito isso daqui."

Ele estava com a cabeça mais fria, pegou uma marreta grande que o pessoal da estrada emprestou, um pedaço de madeira para amenizar o baque seco da marreta. E começou a martelar. Acho que ele ficou nisso uns 40 minutos, sem parar. Da minha parte não consegui ficar quieto. Estava eufórico demais. Fui checar o resto da moto.

Como disse, a bolha entortou. O farol de milha esquerdo se quebrou. Ai... esses equipamentos são tão caros para trocar...

Daí a tarde foi indo e nessa brincadeira foram-se quase duas horas. A maleta ressuscitou do além. Não seu como ela voltou novamente a aparecer com um retângulo, mas estava lá. Até os encaixes laterais que vão na moto estavam no lugar. Maravilha! Vai dar para continuar com a maleta! O Jardim fez um ótimo trabalho.

Embalamos tudo novamente, colocamos as roupas e seguimos viagem. Ao sentir novamente o vento no rosto e vir aquela tensão normal de se pilotar na terra, percebi que o estrago maior não tinha sido na moto, ou até mesmo no equipamento. O estrago maior foi na cabeça.

Na hora é difícil descrever o que a gente sente, além de frustração, quebra de expectativa. Como é que fui cair logo no início? COMO É QUE FUI CAIR!!! Putz, não foi fácil a discussão interna. Não acreditava que tinha caído. Sabia que era o fluxo de pensamentos jorrando. A cabeça começa a trabalhar contra. Tinha que ser assim. Não impedi as idéias virem. Era melhor assim do que engolir a seco todo o acontecimento e sofrer depois. Só tinha uma certeza. Não iria desistir.

E fomos seguindo viagem. Como já estava no final da tarde não conseguiríamos andar muito. Rodamos na estrada ruim e esburacada até o povoado da Realidade. O que dizer de Realidade? É uma currutela encrustrada do lado de um riozinho feio em uma estrada abandonada. Lá parece que está começando a febre da madeira. Já tem duas madeireiras montadas, e muito curioso indo e voltando de lá, sondando a possibilidade de montar outras mais. Marquem esse nome. Daqui a uns anos vai dar no Jornal Nacional da Polícia Federal fazendo operações para conter o contrabando de madeira em Realidade.

Lá fomos perguntando onde se vendia gasolina e nos foi indicado um armazém que vendia. A moto do Jardim tem um tanque de 15 litros, então ele precisava reabastecer. Ele colocou 5 litros. O funil era uma garrafa PET cortada.

Aproveitei também e coloquei uns 4 litros na minha moto. A gasolina ali custava R$ 4,00/litro e vinha de um tambor que o comerciante tinha dentro do armazém.

Daí nos indicaram um hotel. Hotel não, pensão. Pensão não, dormitório com banheiro coletivo. Quartos de madeira. Não tinha luz.

Jantamos paçoca à luz de velas. Aliás a paçoca de carne seca que levei estava um espetáculo.

Essas que os peões levam em comitiva de gado. Paçoca seca. Adoro essa paçoca. A Lúcia e a Cida, as duas cozinheiras que trabalham para a gente respectivamente na cidade e na fazenda foram quem fizeram lá na fazenda. Feita no pilão. Obrigado Lúcia e Cida! Salvaram o dia e os outros que iriam vir.