In memoriam do meu Pai, Manuel Pires (31-03-1942; 22-12-2020)
Morreu o nosso Alfaiate
Morre a Terra que morre
Quando termina uma arte
Chora o povo que chora
Ao ver partir o alfaiate
Os coletes estão apertados
E agora quem me os alarga
As bainhas desfeitas
Calças rotas, hora amarga
Quem me cose o barrete
Quem me trata o colarinho
Quem me gaba o brilharete
E o meu cantar de tolinho
Quem me diz põe-te direito
A quem ralho a bainha curta
Encolho a barriga e estico o peito
Mas acabou-se a permuta
Já não há mais descontos
Nem bons preços especiais
Já não se gabam os pontos
Nem agulhas nem dedais
Já não se fala do menino
Ou da vida dos filhotes
A telefonia parou o hino
Que era o fado e os ditotes
A máquina já não costura
Na casinha com aquecedor
Só a memória já perdura
E esta nostalgia e dor
Perdi o meu alfaiate
Que me fazia bons fatos
Pena que o tempo maltrate
Quem lhe dá melhores retratos
Os punhos ficam descosidos
Cotins perdidos na gaveta
Os riscados descoloridos
Até que a memória remeta
Para aquelas horas tardias
Em que as mãos com sacrifícios
Talharam artes sadias
Dos nossos últimos ofícios.
Sr. Pires da Terra Velhinha
Vou contar em toda a parte
Fechou-se a porta da casinha
Morreu o nosso Alfaiate.
(Poema de Miguel Ouro em honra do meu Saudoso Pai)