No local deste Hospital, existia a ermida de S. Lázaro, que tinha um monumento funerário encimado por um formoso e rendilhado Cruzeiro de S. Lázaro, que se encontra actualmente no museu do Carmo.
Em 1971 o Dr.José Leone escrevia...
Em 1220 a Ordem de Malta tinha uma almoinha, ou horta, com casa em «Santo Lázaro» nos arredores de Lisboa, segundo o indica as INQUIRIÇÕES, e onde se presume que já lá viviam alguns leprosos daí o nome dado ao local. Foi o Hospital de S. Lázaro fundado, fora e ao Nordeste da cerca Fernandina da cidade, e o terreno que lhe ficava ao Norte, era o Campo do Curral, mais tarde denominado Campo de Santa Ana.
Era formado por uma cerca murada, com uma capela dedicada a S. Lázaro e rodeada pelas habitações dos gafos ou leprosos. Julgou-se, que este Hospital havia sido criado em 1289 por D. Domingos Jardo, capelão de D. Afonso III e chanceler mor de D. Dinis, pelo facto dele ter deixado no seu testamento, avultados bens a esta leprosaria e, também, por ser voz corrente, que o túmulo existia ao lado esquerdo da porta do Hospital, à entrada, e contíguo à parede da Igreja. Mas o que é certo, é ter-se verificado mais tarde, que esse túmulo, encimado por uma lápide com letreiro em letra poncial, dizia respeito a um seu pupilo, criado e educado em sua casa, e não ao próprio Domingos Jardo. Em frente da Igreja, num largo, havia uma cruz em volta da qual se enterravam os leprosos que ali faleciam. Este Hospital era administrado pelo Senado, ou Câmara Municipal, embora sob a direcção da Coroa e, parece ter sido fundado pala própria Câmara nos princípios do Século XIV, para recolher os leprosos que infestavam a cidade de Lisboa e só esses. É curioso notar, que em 12 de Novembro de 1487, D. João II ordenou que o provedor desocupasse as casas onde residia dentro do Hospital «por não ser honesto que uma pessoa sã estivesse sem necessidade, portas adentro com os lázaros»!
Também D. Manuel, estando em Évora em Abril de 1520, envia uma carta aos Vereadores da Câmara de Lisboa, para que fosse nomeado Duarte Borges de cuidar dos doentes do dito Hospital, para que nada lhes faltasse ao seu bem-estar, não se olhando a despesas para tal fim ! Em meados do século XVI, pertencia então este Hospital à freguesia de Santa Justa e Rufina, e possuía boas rendas e vastas terras em sua volta, provenientes de aforamentos e doações, o que lhe permitiu em 1575 vender uma porção de terreno que estava anexa ao Hospital, e constituía uma herdade à Porta de Santa Ana, confinando com a cerca do convento do mesmo nome, aos Padres da Companhia de Jesus para ali edificarem um Colégio. Este edifício, denominado Colégio de Santo Antão o Novo seria mais tarde o Hospital Real de São José, inaugurado pelo Marquês de Pombal em 1775, em substituição do Hospital Real de Todos- os- Santos , que o terramoto destruíra. Todos os anos era costume fazer-se uma grande festa, na sexta feira de Lázaro, a que assistiam além dos gafos o pessoal do estabelecimento, constituído pelo provedor da saúde, almoxarife, porteiro, duas serventes, capelão, médico, cirurgião e barbeiro sangrador. O médico era pago em trigo e cevada, e o cirurgião só em cevada.
No pátio fronteiro ao Hospital, reuniam-se os marchantes de Lisboa para fixar o preço da carne, isto na presença dum delegado da Câmara e sem a mínima noção do que fosse a falta de higiene ou perigo de contágio...
Ainda no Século XVIII e em dia de S. Lázaro, o vereador do Pelouro da Saúde, por administrar o Hospital, recebia «dois pares de luvas» e quatro arratéis de cera, sem contar com 4000 reis em dinheiro. Como se vê, não era só nos domínios do Rei Sol, que os fidalgos recebiam «benesses», para ajudar à compra de luvas que lhe evitassem o terrível contágio da varíola !!
Com o crescente desenvolvimento da cidade o Hospital viu-se forçado a vender os terrenos que o circundavam e lhe pertenciam, até mesmo para a abertura duma Rua que lhe passava em frente, a de S. Lázaro, que restringiu muito a área do seu pátio, ficando assim reduzidos ao mínimo os seus antigos domínios e encimando o seu portão de entrada o nº 126 da dita Rua. O desenvolto Lima Leitão, em 1837, quando fez parte da Câmara, e lhe foi distribuído o Pelouro da Saúde, ao qual estava inerente a administração do Hospital, ficou tão mal impressionado com o seu estado de incúria, que escreveu no seu Relatório:
«0 Hospital de S. Lázaro, que parece ser quase tão antigo como a Monarchia Portugueza, ,he huma das nodoas, que ela tem infelizmente na sua reputação». Tinha nessa altura sessenta leprosos. Mais tarde, foi nomeada uma Comissão de facultativos para propor os melhoramentos necessários, e perante a sua expressa opinião, resolveu o Governo, pelo Decreto de 11 de Novembro de 1844, mandar entregar a administração deste Hospital com todos os seus rendimentos, à Comissão Administrativa da Misericórdia de Lisboa e Hospital Real de S. José. Era também costume antigo, os empregados do Hospital percorrerem a cidade, pedindo esmola para este ao mesmo tempo que distribuíam uns «Registos» pequenos, a tinta vermelha ou a preto, representando S. Lázaro coberto de chagas, ou simplesmente a sua cruz. Estes «registos», podem ser observados, no Museu dos Hospitais Civis de Lisboa, onde se encontram em exposição.
Quando o Hospital de S. José se tornou independente da Administração da Misericórdia, e a Comissão conjunta desapareceu, foi nomeado Enfermeiro - Mor o Conselheiro Diogo António Correia de Sequeira Pinto, que mandou fazer vários melhoramentos, administrativos e médicos no dito Hospital dos Leprosos, o que tudo nos é referido pe1o seu administrador privativo, Dr. Caetano Maria Ferreira da Silva Beirão, no seu Relatório publicado em 1855
Vê-se por este Relatório, que e até 1851 o Hospital de S. Lázaro não possuía condições mínimas de hospital, para o tratamento das doenças crónicas da pele sendo antes, um asilo de elefânticos, mantido e custeado pelo H. de S. José, além dos leprosos nele albergados! É ainda de notar, que estava em voga, parece que com bons, resultados, o uso dos banhos e das águas de S. João do Deserto - próximo de Aljustrel para o tratamento da elefantíase, fazendo-se um verdadeiro intercâmbio entre estas termas e o H. de S. Lázaro, no que dizia respeito a permutas de doentes.
E aí continuaram os gafos, por mais meio século, até que, em 1918, o então Enfermeiro Mor, Dr. Lobo Alves, os mandou transferir para os Pavilhões do Hospital do Rêgo, hoje chamado de «Curry Cabral». Só anos depois, 1947 - 48, em seguida à construção da Leprosaria Rovisco Pais, eles são fixados definitivamente neste modelar estabelecimento da especialidade.
Entretanto, voltemos ao velho edifício da Rua de S. Lázaro.
Ficando livre dos doentes de morfeia, a Administração hospitalar deu-lhe várias aplicações, desde o albergar doentes que o Desterro não comportava, especialmente doentes de pe1e, camarentos e inválidos, até o de servir de armazém de móveis para uso dos H. C. L.
Após a revolução chamada «28 de Maio», deu-se um intenso movimento legislativo tendente a melhorar as condições de instalação e de higiene dos doentes dos Hospitais Civis, não só beneficiando os serviços já existentes, como criando novas unidades como por exemplo o Hospital dos Capuchos em 1928, ou remodelando antigos sectores, como a Escola Profissional de Enfermagem, que passou em 1930 a ficar instalada em edifício próprio na cerca do referido Hospital. Também aí foi criado um «Auxílio Maternal», para os filhos dos funcionários hospitalares, etc. Recorda-nos também, de ver funcionar provisoriamente nas salas baixas do H. de S. Lázaro, durante os anos de 1927 e 28 a Administração dos H.C.L. enquanto eram feitas obras no seu edifício de S. José, para nele ser aumentado um segundo andar, que ainda hoje conserva.
De seguida, foram ordenadas grandes obras em S. Lázaro, para aí se transferindo o Serviço 7 do Hospital de S. José - Magalhães Coutinho - da especialidade de obstetrícia, tendo-se realizado a passagem no ano de 1930, por força do Decreto nº 19.061 de 24 de Novembro do mesmo ano.
E assim se conservou precisamente durante 40 anos, com alternativas boas e más, a «Maternidade Magalhães Coutinho», até que novas disposições legais, motivadas pe1a necessidade absoluta de resolver o grave problema de espaço para internamento dos traumatizados, ordenaram a transferência, consoante modificações apropriadas, do Serviço 5 de S. José, fracturas, para o dito Hospital de S. Lázaro, onde ficou instalado a partir de 1971, com a designação de SERVIÇO DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DOS HOSPITAIS CIVIS DE LISBOA (Serviço 9).