Ultimatum Futurista
José de Almada Negreiros 1917
Gritai nas razões das vossas existências que tendes direito a uma pátria civilizada
Eu nâo pertenço a nenhuma das gerações revolucionárias. Eu pertenço a uma geração construtiva.
Eu sou um poeta português que ama a sua pátria.
Isto quer dizer: Eu sou português e quero portanto que Portugal seja a minha Pátria
Nós vivemos numa pátria onde a tentativa democrática se compromete quotidianamente.
Resolvei em pátria portuguesa o genial optimismo das vossas juventudes.
Dispensai os velhos que vos aconselham para o vosso bem e atirai-vos independentes prà sublime brutalidade da vida. Criai a vossa experiência e sereis os maiores.
Todo aquele que conhece o momento sublime do perigo tem a concepção exata do ser completo e colabora na emancipação universal porque intensifica todas as suas mais robustas qualidades na eminência da explosão. E na nossa sensibilidade actual tudo o que não for explosão não existe.
É a guerra que apaga todos os ideais românticos e outras fórmulas literárias ensinado que a única alegria é a vida.
É a guerra que liquida a diplomacia e arruina todas as proporções do valor académico, todas as convenções de arte e de sociedade explicando toda a miséria que havia por baixo.
É a guerra que desloca o cérebro do limite doméstico prà concepção do Mundo, portanto da Humanidade.
Voltar da guerra, ainda que a própria Pátria seja vencida, é a Grande Vitória que há-de salvar a Humanidade.
4 - Porque o sentimento-síntese do povo português é a saudade e a saudade é uma nostalgia mórbida dos temperamentos esgotados e doentes.
A fé, no seu grande significado, é o limite consciente e premeditado daquele que dispõe duma razão. Fora desse limite existe o inimigo, isto é, aquele que dispõe de outra razão.
Em Portugal educar tem um sentido diferente; em Portugal educar significa burocratizar. Exemplo: Coimbra. Mas na maioria o português é analfabeto e em geral é ignorante; na unanimidade o português é um impostor, prova evidente de deficientissimo.
O português educado sem o sentimento da pátria e acostumado à desordem dos governos criou por sí a compensação inútil de dizer mal dos governos e nem poupou a pátria. Estabeleceu-se até, elegantemente, como prova de inteligência ou de ter viajado dizer mal da pátria. Isto deixa de ser decadência para ser impotência fisica e sexual.
O português assimila de preferência todas as variedades de importação e em descrédito das próprias maravilhas regionalistas; o comércio e a indústria têm quase sempre de se mascararem de estrangeiros para serem eficazmente rendosos. É porque todas essas variedades da importação cumprem mais exatamente as exigências dos mercados do que os nossos comércios e indústrias regionalistas. Estas não satisfazem nem as necessidades nem as transformações sucessivas das sociedades, enquanto que a importação aparece sempre como uma surpresa e, sobretudo, obedecendo a todas as condições do que é útil, prático, actual e necessário. De modo que nem chega a haver luta – a importação entra logo com o rótulo da vitória.
Porque Portugal quando não é um pais de vadios é um pais de amadores. A fé da profissão, isto é, o segredo do triunfo dos povos, é absolutamente alheio ao organismo português do que resulta esta contínua atmosfera de tédio que transborda de qualquer resignação. Tambem o português não sente a necessidade dea arte como não sente a necessidade de lavar os pés.
9 – Porque Portugal a dormir desde Camões ainda não sabe o novo significado das palavras. Exemplo: Pátria hoje em dia quer dizer o equilibrio dos interesses comerciais, industriais e artísticos. Em Portugal este equilíbrio não existe porque o comércio a indústria e a arte não só não se relacionam como até se isolam por completo receosos da desordem dos governos. Aventura hoje em dia quer dizer: O mérito de tentativa industrial, comercial ou artística.
O português, como os decadentes, só conhece os sentimentos passivos: a resignação, o fatalismo, a indoência, o medo do perigo, o servilismo, a timidez e até a inversão.
Quando é viril manifesta-se instintivamente animal a par do seu analfabetismo primitivamente anti.higiénico.
É preciso criar o espírito da aventura contra o sentimentalismo literário dos passadistas.
É preciso destruir este nosso atavismo alcoólico e sebastianista de beira-mar
É preciso criar e desenvolver a actividade cosmopolita das nossas cidades e dos nossos portos.
É preciso explicar à nossa gente o que é democracia para que não torne a cair em tentação.
É preciso ter a consciência exacta da Actualidade.
O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses já só vos faltam as qualidades.
excerto do Ultimatum Futurista, José de Almada Negreiros, Lisboa,1917