in Público • Sexta-feira, 15 de Março de 2024
A 8 de Abril, a Lua vai interferir na nossa visão do Sol, criando um raro eclipse solar total que será visto no México, em toda a metade oriental dos Estados Unidos e até ao Norte da Terra Nova, no Canadá. A beleza do acontecimento celeste já é razão suficiente para a sua documentação, no entanto, os cientistas também criaram projectos para verificarem e estudarem os seus efeitos. Alguns desses projectos implicam a ajuda daqueles que observam o fenómeno.
Ainda que o eclipse aconteça muito acima das nossas cabeças, os efeitos na Terra podem ser mais próximos e pessoais do que aquilo que pensamos. A sombra da Lua atinge a atmosfera e a superfície da Terra. A escuridão súbita afecta o compor dos humanos, que sabem que o eclipse está a chegar. Afecta também as reacções químicas à nossa volta e o que podemos ver no espaço.
“É uma oportunidade única na vida. Vai passar por áreas muito populosas dos Estados Unidos da América e toda a gente devia tentar vê-lo”, disse Liz MacDonald, responsável pela ciência-cidadã no departamento de heliofísica da NASA.
Embora o último eclipse solar total visto nos Estados Unidos tenha ocorrido em 2017, não haverá outro até 2044.
[Na Península Ibérica, teremos dois elipses solares totais em 2026 e 2027 e ainda um eclipse solar anular em 2028 — ou seja, numa área geográfica restrita haverá uma sequência de três eclipses solares dito “centrais” (não parciais, portanto), o que é bastante raro]. Eis o que os cientistas esperam aprender desta vez.
Na superfície da Terra
Como observador, é provável que se note uma mudança nos sons que o rodeiam. As aves podem parar de chilrear e os grilos podem começar a cantar. As corujas nocturnas e os morcegos podem começar a aparecer e a esvoaçar.
Um projecto equipou pessoas para ajudarem a documentar as alterações nos sons. Utilizando gravadores de áudio especializados, cientistas e não-cientistas registarão os sons dos grilos através de um projecto chamado Eclipse Soundscapes. O projecto revisita um estudo semelhante, realizado em 1935, quando um cientista publicou um anúncio no jornal em que pedia às pessoas que enviassem as suas observações. Quase todos relataram que os grilos começaram a cantar como se fosse noite, por exemplo.
Os guardas-florestais do Parque Nacional de Hot Springs, no Arkansas, estão a instalar gravadores de alta qualidade na esperança de captar os sons de morcegos em vias de extinção, o que os poderá ajudar a conhecer a saúde da população. Desde que os morcegos não estejam ainda a hibernar, esta poderá ser a primeira vez que os seus sons são registados no parque durante um eclipse.
“Os eclipses solares são eventos multissensoriais”, disse Mary Kay Severino, co-fundadora e directora de educação da Eclipse Soundscapes. “A questão é saber como é que se vai viver o eclipse, e isso pode ser feito com todos os diferentes sentidos.”
A temperatura do ar normalmente cai dez graus Fahrenheit [12,2 graus Celsius], na totalidade, durante o tempo do eclipse. Utilizando a aplicação Globe Observer, as pessoas podem comunicar a temperatura e as nuvens que observam. Os dados ajudarão os cientistas da NASA a saber mais sobre o que acontece quando se desliga temporariamente o Sol na nossa Terra, que é movida a energia solar. Qualquer pessoa pode participar no projecto, apenas é necessário descarregar a aplicação.
Na atmosfera da Terra Mudanças mais subtis, pelo menos para o observador ocasional, ocorrem na atmosfera, incluindo nas camadas que afectam o nosso clima.
Para recolher informações, um projecto liderado pela Universidade Estadual do Montana está a enviar balões cheios de hélio com instrumentos científicos.
Equipas de estudantes de várias instituições enviarão balões para a estratosfera, onde se encontra a camada de ozono, para recolher dados. As equipas pretendem determinar, por exemplo, a que altitude a queda de temperatura é maior, bem como o desfasamento entre a queda da luz solar e a queda da temperatura à superfície. Também vão testar até que ponto o streaming de vídeo pode ser transmitido de forma fiável, através da transmissão em directo da subida de um balão durante o eclipse.
As equipas vão também estudar a criação de ondas de ar turbulentas na nossa atmosfera, que são chamadas “ondas de gravidade”. Estas ondas formam-se quando o ar é perturbado, ondulando como quando se atira uma pedra às águas de um lago parado.
“Quando estamos num avião, a voar a baixa altitude sobre montanhas, a turbulência que sentimos é muito provavelmente causada por ondas de gravidade”, disse Thomas Colligan, programador de software científico da NASA. Ele e os seus colegas de equipa foram os primeiros a documentar uma onda de gravidade criada por um eclipse solar total, durante este fenómeno de 2019.
As ondas de gravidade podem ser criadas por montanhas, trovoadas, explosões e eclipses. A sombra da Lua arrefece a atmosfera, criando ondas de gravidade, idênticas à proa de um navio que se move na água, descreveu Thomas Colligan. As ondas de gravidade atmosféricas podem afectar a temperatura e a química atmosférica, podendo criar nuvens. Uma compreensão mais pormenorizada do funcionamento das ondas de gravidade pode melhorar os modelos e as previsões meteorológicas.
Mais acima
Olhando para cima da estratosfera, os cientistas vão estudar os efeitos do eclipse na ionosfera, ou seja, onde a atmosfera da Terra se encontra com o espaço. A ionosfera é o lar de todas as partículas carregadas na atmosfera da Terra e de muitos dos nossos satélites. Alterações súbitas nesta camada, como as provocadas por um eclipse, podem afectar os sistemas de comunicação. Pelo menos é isso que alguns especialistas e cientistas-cidadãos esperam observar.
Através do projecto HamSCI, os radioamadores, utilizando rádios de alta frequência, tentarão estabelecer contactos no maior número possível de locais durante a totalidade do dia. Durante o eclipse, o Sol deixa temporariamente de electrificar a ionosfera, pelo que os sinais poderão ser captados a uma distância muito maior do que o habitual ou poderão desaparecer. Embora o eclipse ocorra na América do Norte, os sinais de rádio de alta frequência poderão ser transmitidos para todo o mundo.
“As pessoas que não estiverem directamente sob a linha de totalidade [do fenómeno] poderão ouvir o eclipse nos seus rádios”, disse Ruth Bamford, investigadora do Laboratório Rutherford Appleton, no Reino Unido. Por exemplo, antes do eclipse, poderá ser possível encontrar estações de rádio que podem desaparecer à medida que o eclipse decorre. As emissões também podem ir desaparecendo e voltando ao longo do eclipse.
Dado que os cientistas sabem exactamente quando e onde a sombra da Lua ocorrerá durante o eclipse, Ruth Bamford disse que podem modelar o que esperam que aconteça e compará-lo com as observações. Embora não faça parte da actual experiência HamSCI, as suas experiências anteriores revelaram como as cargas na ionosfera se recombinam a diferentes velocidades.
“Este tipo de experiência fornece uma enorme quantidade de dados que não podemos obter em nenhuma outra altura”, disse Ruth Bamford. “Oferece-nos a oportunidade de testar os nossos modelos sobre o comportamento da atmosfera terrestre”, concluiu.
E sobre o nosso Sol
Pode parecer estranho que os cientistas queiram estudar o Sol quando a maior parte dele está bloqueado pela Lua. Mas essa obstrução é precisamente a razão pela qual estão a apontar os instrumentos de observação para a nossa estrela hospedeira. O nosso Sol é tão brilhante que nos impede de estudar a sua orla exterior, mas a Lua esconde o disco durante o eclipse e permite uma visão privilegiada da auréola exterior solar.
“O Sol está muito longe e o eclipse é uma oportunidade especial para ver a orla do Sol que normalmente não conseguimos ver”, disse Liz MacDonald, que também é cientista espacial da NASA.
Desta vez, os cientistas querem responder, pelo menos, a uma questão solar bastante básica: qual é o tamanho do Sol?
“Há uma ideia razoável, mas ainda há uma grande margem de erro”, disse Liz MacDonald. Utilizando a aplicação SunSketcher, qualquer pessoa pode tirar fotografias de um fenómeno conhecido como Bailey’s beads no Sol antes e depois do eclipse e ajudar os cientistas a determinar a forma e a extensão da sua orla exterior.
Vários outros projectos estudarão também a dinâmica da camada mais externa do Sol, a chamada coroa. No âmbito de um projecto de ciência-cidadã chamado Citizen CATE, os voluntários irão captar imagens da coroa solar em luz polarizada para estudar o fluxo do vento solar, a forma como o vento solar é gerado e como as estruturas da coroa estão ligadas.
Alguns aviões da NASA voarão durante o eclipse, a uma altura de 50.000 pés acima [15.240 metros] da superfície da Terra. O objectivo é aprender mais sobre a temperatura, a composição química da coroa e as explosões na superfície do Sol, conhecidas como ejecções de massa coronal. Os aviões transportarão instrumentos científicos que também captarão imagens em infravermelhos e luz visível para ajudar os cientistas a estudar o anel de poeira que rodeia o Sol e a localizar quaisquer asteróides que se encontrem perto dele.
O eclipse pode também ajudar a revelar como o gás ionizado extremamente quente que compõe o Sol, chamado plasma, flui através das suas camadas exteriores. Para o Eclipse Megamovie, os voluntários vão tirar fotografias do eclipse para estudar a forma como o plasma flui através da coroa e da cromosfera, que se situa logo abaixo da coroa. Os investigadores têm fotografias deste projecto em 2017, mas esperam que 2024 seja mais interessante, uma vez que o Sol está a entrar num período particularmente activo, conhecido como máximo solar.
“De dois em dois anos, temos a oportunidade de fazer estas observações muito raras”, disse Liz MacDonald. “Como cientista, estou entusiasmada com as oportunidades que as pessoas têm de desfrutar disto e de querer desfrutar mais. Há muitas formas diferentes de participarem na ciência.”
A Agência Espacial Portuguesa vai lançar, a 19 de janeiro de 2024, a terceira edição da iniciativa Astronauta por um Dia, uma competição nacional que, desde 2022, já permitiu a 61 estudantes portugueses, dos 14 aos 18 anos, dos ensinos básico e secundário, experimentarem condições de microgravidade, simulando a sensação que os astronautas vivenciam quando estão no espaço.
Esta iniciativa é um dos vários projetos da Agência Espacial Portuguesa para aproximar os mais jovens do Espaço, promovendo a educação científica e abrindo caminho para uma carreira não só no Espaço, mas em todas as áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM) adjacentes ao sector espacial.
A escolha dos finalistas da iniciativa obedece a regras que pretendem reproduzir um verdadeiro processo de seleção de astronautas, tendo sido pensadas para fomentar a igualdade de acesso aos estudantes de todo o território nacional, incluindo os arquipélagos dos Açores e da Madeira. A experiência dos finalistas das duas primeiras edições pode ser revista no site astronautaporumdia.pt ou através das redes sociais da Agência Espacial Portuguesa.
Acreditamos que esta é uma oportunidade única que permite aproximar o Espaço da sociedade, abrindo, ao mesmo tempo, novos horizontes e possibilidades no futuro dos mais jovens.
As inscrições poderão ser feitas através do astronautaporumdia.pt até dia 19 de fevereiro de 2024.
Para mais informações consulta as FAQ em https://www.astronautaporumdia.pt/perguntas-frequentes/ ou algum elemento do Clube de Ciência Viva da escola através do email ccvne@sa-miranda.net.