Portugal entre os séculos XV e XVI
"No tempo do Infante D. Henrique (...) toda a navegação dos mareantes era ao longo da costa, levando-a sempre por rumo, do qual tinham (...) notícias por sinais de que faziam roteiros (...).
Mas depois que quiseram navegar a descoberto, perdendo de vista a costa e embrenhando-se no mar alto, conheceram quantos enganos recebiam na estimativa."
João de Barros, Décadas da Ásia, (adaptado)
"Era a cidade de Ceuta, no tempo da sua prosperidade (...), muito fértil em pão, vinho, carnes, frutas, pescarias de variadas espécies e outras coisas dignas de louvar." (1)
"Era o fervor tão grande no Reino que em todos os lugares as gentes não trabalhavam noutra coisa, porque uns andavam a lim- par as suas armas, outros a mandar fazer biscoito e salgar carne e mantimentos, outros a reparar navios e aparelhar guarnições (...). Mas principalmente era este tráfego na cidade de Lisboa e Porto." (2)
(1) - Duarte Pacheco Pereira, Esmeraldo de Situ Otbis, (adaptado)
(2) - Gomes Eanes de Zuarara, Crónica da Conquista de Ceuta, (adaptado)
Portugal foi no XII uma monarquia essencialmente guerreira para no século seguinte um reino feudal. O século XIII foi um século de afirmação do poder real no País e de construção de uma ideia de comunidade entre diferentes grupos e elementos da sociedade.O século XIV foi um período de grande instabilidade e de transição entre o que tinha sido antes e o que será a partir do século XV. Nesse século o País defrontou-se com uma crise social, económica e política grave. Foram imensas as perturbações criadas por acontecimentos como a peste negra, as lutas sociais e as guerras perdidas com Castela. Esse século foi um período permanente de conflitos. O rei e a Coroa não conseguia manter a paz, nem aplicar a justiça e as condições de vida do povo eram muito más, o que levou a revoltas constantes.
No século XIII ocorreu uma crise que alguns historiadores designam com o nome de revolução pelas alterações profundas que proporcionou. Com essa revolução a linha sucessória directa é interrompida, nasce uma nova dinastia conduzida pelo Mestre de Avis, futuro D. João I. Vencidos os Castelhanos e aclamado o rei nas cortes de Coimbra de 1385, aquele tentou excluir qualquer favoritismo a algum grupo social e procurou favoreceu o comércio e as actividades económicas. Aos mais poderosos foram retirados alguns privilégios e novos elementos aproximaram-se mais intensamente do comércio, como fidalgos e burgueses. Este desenvolvimento foi essencial para a expansão marítima dos séculos XV e XVI.
Nos séculos XV e XVI a Coroa interessou-se pela expansão marítima e monopolizou as principais actividades comerciais, sobretudo as que tinham que ver com o Oriente. A nobreza também participou em muitas acções de apoio aos comerciantes e à sua actividade. Muitos filhos da nobreza eram enviados para os novos territórios no sentido de ganharem fortuna. Houve no País a atracção pelos novos territórios, quer no cultivo dos novos espaços, quer na possibilidade de fazer fortuna no Oriente, quer na possibilidade de fazer comércio, ou combater nos exércitos dos vice-reis. A expansão deu oportunidades aos diferentes grupos sociais e teve a participação de todos.
Foi da crise do século XIV que se abriu caminho para a criação de um País novo, em contacto com o mundo inteiro e que teve a capacidade de ir encontrar recursos a regiões muito distantes e de encontrar povos de costumes e hábitos diferentes. A afirmação da dinastia de Avis com a a chamada ínclita geração (filhos de D. João I), ao combater a excessiva acumulação do poder nas mãos dos grupos privilegiados, ao dar oportunidades a pessoas de diferentes condições económicas e sociais, fizeram criar a possibilidade de empreendimento da grande maioria da população do País.
A expansão marítima dos séculos XV e XVI permitiu ao País sair de uma posição de periferia e abrir-se ao mundo, dando a conhecer espaços que eram conhecidos. Portugal tornou-se assim um ponto de ligação entre diferentes continentes, pois deu a conhecer espaços, plantas, produtos, conhecimentos, costumes que eram desconhecidos aos europeus. A vida moderna alterou-se profundamente.
Essa alteração deu-se pela introdução de alimentos como o milho, a batata, o café, ou tabaco, ou mesmo das especiarias. Mas houve lago mais importante que fará grandes transformações na vida europeia. Foram os contactos com diferentes povos e com o seu pensamento que permitiu alterar o modo de pensar o mundo e pôs em dúvida princípios que eram considerados definitivos. Foi a expansão que permitiu olhar a realidade de um outro modo.
Este contacto de Portugal com o mundo trouxe igualmente prosperidade económica para si próprio. Houve a necessidade de melhorar a administração do país, de conhecer melhor os seus recursos, de modo a que a participação na aventura marítima pudesse ter melhores resultados. Pela primeira vez fez-se a contagem da população, assim como a descrição geográfica das diferentes regiões. A Coroa interessou-se pela cultura, pelas manifestações artísticas e pelo papel da Universidade, assim como na construção de monumentos. A própria língua fixou neste período as suas principais regras. Desta época ficaria essa obra sobre o próprio País e a sua história, Os Lusíadas.
O século XVII (com que termina o estudo da disciplina neste ano) foi um período de crise económica, social e política, de certo modo semelhante à que se tinha vivido no século XIV. Em ambas se verificou de um modo distinto uma libertação face a Castela e a Espanha. Por outro lado, em ambas se verificou a transferência de poder entre grupos. Na primeira da alta nobreza para cavaleiros e burgueses e a segunda de governantes estrangeiros para um grupo de fidalgos que se queriam libertar do poder castelhano.
As duas têm no entanto uma grande diferença. A crise do século XIV concedeu oportunidades a grupos alargados da população, a do século XVII limitou essas oportunidades a um grupo reduzido da população. Só existia liberdade de comércio no reino e no Brasil. Neste território diferentes elementos dos vários grupos sociais podiam ter acesso a diferentes oportunidades, mas os lucros eram muito limitados a uma minoria. A crise do século XVII trouxe transformações, mas de sentido diferente às que tinham ocorrido no século XIV.
O quadro social e económico que saiu da crise do século XVII não pode ser caracterizado como de progresso económico. A administração feita pela Coroa era pouco eficaz e estava dominada por interesses locais, sobretudo associados aos interesses e poder de fidalgos e de membros locais do clero. A nobreza tinha uma atitude de grande consumo de produtos de luxo (alimentação, vestuário) e vivia segundo uma ideia não produtiva para o País. O poder da Coroa e do Estado diminuíram e só iriam melhorar no fim do século XVIII.
O século XVIII trará algumas alterações, onde encontramos uma nova forma de arte, o barroco e a chegada do ouro e dos diamantes brasileiros. Esta chegada fez criar um conjunto de hábitos improdutivos no País. Foram construídas muitas igrejas ricamente decoradas, muitos palácios de construção sumptuosa e eram dados muitos concertos na corte e nos solares da alta nobreza. Criaram-se academias, bibliotecas, mas tudo isso era para exclusivo benefício de uma minoria ligada à nobreza e algum clero. As relações com o exterior por parte da Coroa mantinham uma ideia de luxo que era contraditória com os modos de vida de grande parte da população.
O século XVIII, na sua 2ª metade observaria algumas alterações que mudaram um pouco este quadro. Os estrangeirados (alunos que estudavam no estrangeiro e que regressaram) que mostraram a importância de reduzir as ideia de aparência e de luxo, que esclareceram da necessidade de desenvolver as actividades económicas e de acolher a participação de todos levariam a algumas mudanças importantes. Nascia o despotismo esclarecido, no qual uma figura terá um papel determinante, o Marquês de Pombal.
Só no século XIX com as Invasões Francesas e sobretudo com as ideias da Revolução Francesa e com algum triunfo da burguesia se deram alterações capazes de transformar o País. As alterações foram feitas à base de muito confronto e contradição entre diferentes elementos. O preço pago pela crise do século XVII e da União Ibérica foi muito alto e ficaria por muitas décadas. São essas consequências ainda presentes nos séculos XVIII e XIX que serão tratadas no estudo da desta disciplina no próximo ano lectivo, assim como aquilo que o século XX soube construir.