Reflexão teórica

A AURA ARTÍSTICA NÃO ESTÁ PERDIDA


O domínio cada vez mais avançado do ser humano sob a técnica trouxe impactos no modo de vida das pessoas, na organização social e sobretudo nas relações de consumo. O filme clássico de Charlie Chaplin “Tempos Modernos”, ilustra perfeitamente a ideia de que o ser deixa de ser um indivíduo e se torna engrenagem de um sistema maquinário. Em meio à dominação da técnica, Walter Benjamin em “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, argumenta que a cultura, a qual vamos focalizar em arte nessa presente reflexão, seria um símbolo de resistência.

Contudo, o autor traz que a dominação da técnica se tornou tão grande que a cultura passou a fazer parte da indústria. A partir disso, o símbolo de resistência de Benjamin, passa a ser um produto de consumo, o qual a indústria cultural se apropriou e comercializou.

Por conta desse processo, o autor defende que a aura artística teria se perdido já que a arte não é mais produzida como antes, a qual continha autenticidade e unicidade. Ele reconhece que a arte sempre pôde ser reproduzida, mas não da forma e proporção que ele estava presenciando. Com a indústria cultural transformando a arte em um produto, ela passa a ser reproduzida de forma exacerbada a fim de chegar aos consumidores e como forma de facilitar o processo, a arte é padronizada.

Benjamin, argumenta que esses fatores fizeram com que o ato de ir até a arte e ter todos os processos de estranhamento e reconhecimento teriam se perdido já que a obra foi difundida entre a massa. Além disso, a reprodução tirou a obra do patamar de única. Contudo, é justamente esse processo que ajuda na democratização desse conhecimento, o qual sempre foi retido a poucos.

Nós temos, por exemplo, a obra de Leonardo da Vinci, Monalisa, difundida em diversos produtos para consumo: bolsas, sapatos, roupas, quadros de decoração, etc. Além disso, também temos acesso à fotos online e com isso, aqueles que não têm condições de ir ao Louvre, têm oportunidade de ao menos saber quem é a Monalisa.

É possível dizer que a arte não perdeu a sua aura conforme Benjamin dizia, ela foi se adaptando conforme o tempo, pois a obra de Leonardo da Vinci ainda é a obra de Leonardo da Vinci, mesmo que agora seja conhecida e esteja no imaginário da massa.

Com esses expostos, podemos refletir sobre a difusão da arte. Pensando num contexto geral do senso comum, quanto mais difundida é uma música ou uma obra, menos culta ela é considerada. O conhecimento sempre foi concentrado em grupos pequenos da sociedade e hoje com o avanço da tecnologia é possível que outros grupos possam acessar tal conteúdo fazendo com que ele deixe de ser exclusivo e a partir disso, a elite intelectual deixa de considerá-lo culto.

Tal reflexão pode ser expandida para arte de rua, ponto principal do projeto aqui presente. Essa arte tem como suporte a cidade e esta sendo de todos, tal arte é difundida. Não precisa caminhar para muito longe para encontrar os muros coloridos com grafites, com lambe-lambes, com adesivos, pichações e outras intervenções. Por ela estar em todo lugar, temos uma elite intelectual que nega a sua importância e ignora a sua história. Ademais, não iremos nos aprofundar em tal discussão no momento, mas como a arte de rua é uma arte feita pelas pessoas que estão às margens dos centros urbanos, há muito preconceito racial, de classe, etc envolvido nessa deslegitimação da arte de rua.

Conforme exposto anteriormente, a aura artística tem se adaptado conforme o passar do tempo. Ainda mais porque mesmo as produções padronizadas da Indústria Cultural, têm sua unicidade, pois a obra de arte não finaliza em si mesma, ela ganha um novo significado a cada receptor, ela está aberta conforme afirma Umberto Eco, a obra é “passível de mil interpretações diferentes, sem que isso redunde em alteração em sua irreproduzível singularidade” (ECO, 2005, p. 40 apud LOPES, 2010, p. 04).

A partir disso, o nosso projeto “Arte é Vida” nos levou a caminhar pelas ruas enxergando as obras expostas nos muros e refletimos que cada arte ali estampada tem uma história, um significado e cada pessoa que passa e a enxerga seja apenas como uma cor na cidade ou como algo que a desperte um sentimento, essa obra de rua ganha um novo significado. E, com isso, a aura artística também vai criando novos significados.


Autor(a): Daniele Slaga Paraízo