História de Guilherme Schell
História de Guilherme Schell
3. Guilherme Morsch
Meu bisavô Guilherme Morsch (Wilhelmus Morsch) nasceu em Birkenfeld, Alemanha em 28/12/1842. Guilherme é filho de Francisco José Morsch (Franciscus Josephus Napoleon Morsch) e Catharina Simon Morsch. Francisco José era médico cirurgião.
Algumas referências dizem que Guilherme era filho de Francisco José Morsch von Steinnach.
Ludwig Morsch von Steinnach, médico e irmão de Guilherme, manteve “von Steinnach” no sobrenome, pelo menos depois que veio para o Brasil.
Luiz (Ludwig Morsch von Steinnach) poderia ter escrito uma carta para seu irmão Guilherme nos seguintes termos (texto é uma brincadeira minha, numa linguagem inapropriada, carta de irmão para irmão com prováveis preconceitos da época):
“Passo Fundo, 15 de setembro de 1863
Oi mano,
Cada vez mais me convenço que tens que vir para cá. Meu casamento com a Aninha (Anna Christina) já está programado para Junho. O Adão (é como todo mundo chama meu futuro sogro Johann Adam Schell) é uma simpatia, conhece todo mundo e tem uma casa de comércio de muito sucesso.
Como já te falei, a Aninha tem uma irmã, Leopoldina, que promete muito. Agora ela tem 15 anos (nasceu em 1848). Vou fazer a cabeça dela, quando chegares ela já vai estar apaixonada por ti. Vai ser fácil convencer o Adão que és um ótimo partido. E o Adão vai te ajudar desde o dia do noivado. Vais ficar mais rico que os teus irmãos médicos.
A alternativa de ficar aí me parece uma loucura. Com essa guerra que está germinando podes acabar enlameado numa trincheira e com um tiro na perna (olha que o lugar do tiro pode ser bem pior)! Estás muito otimista achando que podes terminar o curso antes da guerra começar.
Claro que o pai tinha o sonho de ver os três filhos médicos como ele. Ele fica sentido com a ideia de abandonares o curso de Medicina depois do segundo ano. Mas ele também acha que deves partir logo.
Decide logo e te manda para Passo Fundo.
Beijo do mano que aqui está te esperando”
Luiz chegou em Passo Fundo em 1863 e, como anunciou para Guilherme, casou com Anna Christina no dia 24/06/1864 (poucos dias antes de Guilherme iniciar sua viagem para Passo Fundo).
Como Johann Adam Schell, mais conhecido por Adão Schell, foi mencionado sem introdução, vamos fazer um parêntesis na história do Guilherme.
Adão, solteiro e com 20 anos de idade, chegou em São Leopoldo em junho de 1829. Casou com Anna Christina Hein em outubro de 1830. O casal é o tronco ancestral para quatro das mais antigas famílias de Passo Fundo: Schell, Araujo, Loureiro e Morsch.
“O primeiro estabelecimento comercial ou armazém instalado por um imigrante alemão na sede do distrito de Passo Fundo data de 1836, e pertencia a Johann Adam Schell. A casa comercial localizava-se no aglomerado urbano nascente às margens da Estrada das Tropas – nome alterado em 1858 para Rua do Comércio, e em 1913 para Avenida Brasil –, na esquina com a denominada rua das Flores, em 1858, e posteriormente alterado para rua Humaitá, em 1865, e desde 1891, rua Teixeira Soares –, delimitando o espaço urbano dos “alemães”. O estabelecimento, inicialmente uma casa rústica voltada ao comércio intermediário da erva-mate, secos e molhados, cedeu lugar a uma imponente “casa de pedra”, segundo a planta da freguesia de Passo Fundo de 1853, construída e gerenciada pela família Schell e seus sucessores. Já no século XX, o estabelecimento era denominado "Casa para Todos", e especializou-se em artigos de cama, mesa e banho.”
A Casa Schell ainda existe mas está um pouco maltratada. Em 2012 foi tombada provisoriamente, mas o tombamento foi cancelado posteriormente. A casa foi construída por Adam Johannes Schell, que morou no local de 1836, ano da construção, até 1878, ano de seu falecimento.
Além da moradia, o edifício serviu para atividade comercial da família Schell. Ao longo dos anos sofreu inúmeras intervenções, contudo ainda preserva seus principais elementos decorativos originais. Juntamente com a Casa Barão e Casa Morsch representa a arquitetura de meados do século XIX na cidade de Passo Fundo.
Como era legalista, Adão preferiu, na Guerra dos Farrapos, passar uns dois anos em Montevideo com a família, até se sentir mais seguro.
O casal Adão e Anna Christina teve nove filhos:
Maria
Jorge nasceu a 22/10/1843 em São Leopoldo e casou com Cândida Francisca de Araújo. Foi vereador em Passo Fundo de 1865 a 1869, membro da comissão abolicionista e Inspetor Escolar. Faleceu dia 14/09/1897 em Passo Fundo aos 53 anos de idade.
João nasceu em 15/12/1833. Casou com sua prima Maria Elisa Hein, filha de João Jorge Hein (cunhado de Adão Schell). Não houve descendência. João foi vereador em Passo Fundo de 1869 a 1873. Residiu no prédio nº 1256 ainda existente na Avenida Brasil, onde funcionou a primeira Intendência Municipal de Passo Fundo defronte ao atual Grupo Escolar Joaquim Fagundes dos Reis. Faleceu dia 13/07/1914 em Passo Fundo aos 81 anos de idade.
Guilherme trabalhou com o pai e depois foi para Porto Alegre onde casou com Rafaela Eulália Freire Barcellos. Foi Major da Guarda Nacional e Diretor da Caixa Econômica de Porto Alegre
Emília nasceu a 05/01/1838, casou com o Cap. Manoel José d'Araujo, faleceu aos 65 anos, teve 9 filhos
Maria Luiza nasceu a 16/11/1840, casou em 1858 com Gustavo Adolfo Virmond. Já viúva, casou com José Ignácio da Trindade que recebeu o posto de Capitão na Revolução de 1932. Não houve descendência nos dois casamentos.
Anna Christina (Aninha) nasceu a 24/03/1844 e casou com o médico Luiz Morsch von Steinnach, natural de Birkenfeld, que chegou em Passo Fundo em 1863. O casal residiu no comprido prédio de madeira com amplo salão na parte da frente , onde na época se realizaram vários casamentos entre eles os de Gervásio Lucas Annes, José Pinto de Morais (Juca Pinto), cap. João de Vergueiro e outros. Demolido em 1929, esse prédio de nº 132, situava-se ao lado da antiga Casa Barão.
Felipina nasceu em 03/04/1846, casou com Antonio José da Silva Loureiro (Barão) e faleceu em 06/02/1918. No item 7 (textos anexos) tem um link para a interessante história do Barão.
Leopoldina que casou com Guilherme Morsch (meu bisavô).
Voltando à história de Guilherme. Ele, com 21 anos, abandonou o curso de Medicina e partiu para Passo Fundo. É uma emigração voluntária, bem programada, trazendo uma boa bagagem, inclusive umas garrafas de vinho.
Partiu da Alemanha, pelo rio Elba, no dia 9 de julho de 1864, viajando num veleiro, e após 3 meses e 17 dias chegou ao porto de Rio Grande, no dia 26 de outubro.
Em 1985 meu tio - Padre Arthur da Rocha Morsch - visitou a velha casa de seu avô Guilherme e encontrou no fundo de um baú o Diário de Bordo de Guilherme Morsch. O diário foi publicado em 1989 na revista “Cultura e Fé” que eu assinava. Mais adiante, ao falar do avô Ernesto Morsch, a história de novo envolve o Padre Morsch.
O diário já foi publicado na Internet pelo meu sobrinho Luiz Henrique Goelzer Meira (https://members.tripod.com/~Morsch_2/diario.html) e também já foi publicado em livro. Eu escaneei minha cópia da revista para traduzir o texto para inglês, alemão e francês, e para apresentar uma versão que se adapta para computadores, tablets e celulares.
O texto do diário é precedido por um prefácio escrito pelo Padre Morsch que dá mais detalhes interessantes inclusive sobre o ambiente social e político da época que levaram à emigração voluntária de muitos estudantes, a maioria para os Estados Unidos mas muitos para o Brasil.
O diário confirma que Guilherme Morsch era culto, urbano e bem informado. Filho de médico e com dois irmãos também médicos. Logo no início da viagem ele observa o movimento de soldados na margem e sabe do que se trata. Ao avistar as luzes de Plymouth ele menciona que a peça de teatro “Jane Eyre” está sendo apresentada no Teatro Real. Apesar de morar no meio da Alemanha está informado do que está acontecendo no mundo. (Nota LG: o livro Jane Eyre da escritora inglesa Charlotte Brontë é excelente; Charlotte defendia a luta pela igualdade de direitos entre mulheres e homens; o livro é disponível no Brasil em inglês e portugues.)
O texto mostra que Guilherme logo estabeleceu uma boa relação com o comandante do veleiro. Ao chegar em Rio Grande o comandante indica três pessoas, incluindo Guilherme, para descer e fazer as tratativas iniciais pertinentes. E no fim da viagem é Guilherme que, em nome dos passageiros, faz um discurso de agradecimento ao comandante e à tripulação. Ele anotou no fim do diário o que ele diria no curto discurso.
Acesso ao Diário de Guilherme: https://sites.google.com/goelzer.net/guilhermemorsch/home
O veleiro de dois mastros tinha 25m de comprimento e 7m de largura. Tamanho semelhante à dos veleiros que trouxeram os gêmeos Gölzer.
Veleiros de dois mastros normalmente tinham a Terceira Classe e eventualmente poucas cabines de Primeira Classe. Navios com três mastros poderiam ter também a Segunda Classe que era no segundo “piso” (ponte). A terceira classe era no que se chama de entrecoberta. No dia 30 de agosto Guilherme diz no diário que: “estava tão exausto, que tive de ir deitar-me, apesar do mau cheiro nas entrecobertas e do calor quase insuportável”. Os problemas de higiene nestes barcos eram bem sérios, ocorriam mortes particularmente de crianças pequenas.
Considera-se a “coberta” ou a “ponte” cada um dos pisos do veleiro. A “entre-coberta” (ou “entre-forro”) constitui o espaço entre duas cobertas de navio. O teto das cabines é parte inferior da coberta principal. Abaixo da entrecoberta está o espaço para mantimentos, água, carvão, bagagem, tara, etc
Um imigrante escreveu em seu diário: “Imagine você estar nesta entrecoberta com tempo ruim, com 100, 110 até 115 imigrantes presos, imagine a transpiração, as risadas, a gritaria, o vômito, as lamentações, o grito de crianças etc. etc. e você terá então um quadro bastante fiel desta acomodação” [Mathias SCHMOOK, in Hamburger Abendblatt, edição de 23.07.1998]
Há relatos de que a entrecoberta tinha apenas quatro ou cinco pés de altura, de modo que os passageiros mal conseguiam ficar de pé, se é que ficavam, sem provisões para luz ou ar fresco. O acesso ao convés principal era limitado e, por longos períodos, quando as condições climáticas eram adversas, eles ficavam amarrados em seu espaço escuro lá embaixo. Problemas na qualidade da água e da comida eram frequentes.
Nas listas de passageiros deste tipo de navios que chegavam no Brasil eram anotados os números de passageiros de primeira classe (muitas vezes nenhum de primeira classe) e de terceira classe bem como os números de nascimentos e mortes. Por exemplo
Navio: ANNA
Capitão: Thomählen
Saída de Hamburgo: 23/04/1859
Chegada na Colônia: 24/06/1859
Passageiros a bordo: 123
Nascimentos a bordo: 02
Falecimentos a bordo: 01
Obs.: O acervo do AHJ só possui a lista dos passageiros da 3ª classe.
Continuando a história de Guilherme Morsch, de Rio Grande a viagem continuou para Porto Alegre e logo para Passo Fundo.
Três anos depois da chegada em Passo Fundo, Guilherme casou com Leopoldina Schell no dia 23/11/1867. Leopoldina nasceu em Passo Fundo em 31/03/1848 e faleceu em 18/08/1886, quando a filha mais nova Otylia tinha só dois anos de idade.
Leopoldina e Guilherme tiveram dez filhos:
Anna Christina (casou com Agnello Correa)
Arthur (casou com Maria Leopoldina Lima que faleceu no parto do quarto filho)
Elisa (casou com João Evangelista de Oliveira Lima)
Leopoldina (casou com o Dr. Luiz Seraphico de Assis Carvalho)
Ernesto (casou com Lucinda de Oliveira Rocha) - meus avós
Amanda (solteira)
Arminda (casou com Innocencio Schleder)
Vicentina (casou com Emilio W. Stigler)
Elvira (solteira) e
Otylia (casou com Pedro Karkow).
Em 1872/1873 Ghilherme construiu a casa da família na Av. Brasil, esquina com Dez de Abril. A Casa Morsch é uma das principais construções do final do século XIX que ainda restam em Passo Fundo. Enquanto todas as edificações eram baixas, a Casa Morsch se destaca pelo porão alto.
Tombada como patrimônio histórico em 1953, a Casa Morsch era considerada umas das mais lindas casas da cidade na época.
(temporariamente estou usando imagens do Google Maps Street View; vou substituir quando receber fotos antigas; favor enviar para lucio@goelzer.net)
Guilherme foi Vereador na Câmara de Passo Fundo na legislatura de 1886. O Presidente da Câmara era João Issler e outros vereadores incluíam Gervásio Lucas Annes e o Major Francisco Xavier Chicuta.
Guilherme faleceu em Passo Fundo, onde residia desde 1864, em 9/1/1928 com 85 anos.