Antes de começar a fazer teatro, já dançava.
Antes mesmo de decidir que o teatro seria a minha escolha profissional-acreditem tomei esta decisão muito cedo. Naquele tempo, ainda nem sequer sabia bem o que era o teatro, mas para mim seria o mesmo que fazer coisas muitos diferentes das que fazia, estar longe do lugar onde vivia, estar distante da minha realidade. Queria o teatro naquela altura como quem tem um sonho muito grande de liberdade. Mas não sabia nada de nada, ainda.
Nessa altura eu já dançava muito, escondida, sozinha.
Treinava passos e exercícios que via na televisão. Treinava, treinava e inventava movimentos meus. De forma absolutamente instintiva, ingénua e despreocupada.
Nunca levei nada disso a sério. Disseram-me que só quem tinha um corpo muito magro, muito diferente do meu naquela minha altura de criança é que poderia dançar.
Continuei as minhas danças de forma secreta e isolada até à minha adolescência. E ainda, mesmo que eu falasse em dançar, porque afinal eu tinha emagrecido, havia uma regra que me impedia fazê-lo. Falavam-me então da idade: só dança quem começa muito cedo!
Esqueci a dança durante uns tempos, mas acredito que ela nunca me esqueceu a mim.
Só no fim da escola de teatro é que me encontrei de novo com a dança. Olhámo-nos profundamente e nunca mais nos separámos.
Acredito na dança como o tal gesto de liberdade que eu antes procurava.
Acredito que todos temos um corpo dançante e dançável.
Não falo daquele tipo de dança que afina os corpos para certas habilidades codificadas, (absolutamente magnificas, às vezes!)
É que talvez possamos dizer que tal como no mundo existem muitas línguas diferentes, também a dança tem uma variedade muito grande dentro de si. Existem corpos e personalidades que podem dançar e querem dançar de uma forma e outros de outra.
Essa diversidade torna a dança e o movimento um universo fantástico e emocionante.
No meu caso, eu danço porque quero, porque quando o faço surge uma zona de prazer e liberdade enorme. Porque quando o meu corpo se movimenta, todas as partes se afinam, o que ouço e vejo, o que sinto, o que penso, o que me lembro, o lugar onde estou, o que sou. Todas estas coisas tão diferentes entre si passam a ser uma mesma coisa. Porque o tempo se modifica e o mundo se transforma quando danço.