Algumas danças nascem quando fecho os olhos. Há danças que nascem numa espécie de formigueiro que se espalha pelo corpo todo. Outras vezes, tudo começa numa vontade suave, deslizante. Tudo ondula. Tudo se enleia e se liga. Às vezes não há nada. Só uma mão que nos leva e nos faz rodopiar, pairar, engolir o ar. Ou podem nascer, as danças, de coisas. Só coisas de nada. Uma folha que caiu e passou. Uma bola que saltou e rolou até desaparecer para nunca mais ninguém a ver. Umas montanhas de nuvens que se erguem no céu, aqui e além, e se separam com o passar do vento. São feitas de algodão, lã, pedacinhos de farinha ou água. Também já aconteceu dançar porque há um sítio que precisa de ser percorrido de todas as maneiras e feitios. Em bicos de pés, com passos largos e fortes, ou de cabeça para baixo com os cabelos a varrer o chão. Às vezes é um som que se instala nos pés e obriga as ancas a balançar, os dedos a estalar. De todas as formas, respiro fundo para dentro de mim. Abro a pele e os olhos. Começo.

texto de apresentação do espetáculo Danças a Nascer