"Além de quatro paredes"


“ALÉM DE QUATRO PAREDES”

A escola, que às vezes costuma ser um peso para os estudantes regulares, em um ambiente de atendimento domiciliar ou hospitalar acaba se tornando um dos raros momentos de diversão.

Em 2018 o MEC divulgou que 20.607 alunos freqüentaram suas aulas dentro das quatro paredes dos mais diversos tipos de hospitais do Brasil. E essa realidade não foi diferente para o nosso aluno Jhonatan Mudesto Leal.

Jhonatan nasceu no dia 11 de dezembro de 2011 com várias complicações de saúde que o levaram a ter um Atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor, Insuficiência Respiratória Crônica e Hipotonia Generalizada. Atualmente encontra-se em regime de Home Care, com equipe de enfermagem 24hs e permanece com traqueostomia em ventilação mecânica.

Apesar de todo esse quadro clínico delicado, Jhonatan é uma criança encantadora. Esperto, vivo, questionador, alegre e com muito potencial de aprendizagem. Eu e mais três professoras da rede municipal de Cordeirópolis ministramos as aulas que acontecem dentro do seu quarto, um ambiente adaptado com todas as necessidades de um quarto de hospital. Nós, professoras, nos dividimos para a aplicação dos conteúdos que são divididos, por ora, em Português e Matemática, e também há a atuação de uma professora de Atendimento Educacional Especializado que trabalha com o aluno duas vezes na semana com o objetivo de eliminar barreiras que entravam seu pleno acesso ao currículo educacional e dificultam seu processo de ensino-aprendizagem.

Porém, apesar de identificar esse potencial de aprendizagem no aluno deparei com algumas questões que me intrigaram: a dificuldade em manter a atenção focada, dificuldade de reter o conteúdo aprendido e a falta de motivação para realizar as atividades referentes à aprendizagem. Foi então que uma avalanche de questionamentos tomou conta de mim. Será que minha atuação pedagógica estava correta? Será que o aluno possuía algum Transtorno de Atenção? Será que não havia mesmo nenhum grau de Deficiência Intelectual ou Distúrbio de Aprendizagem?

Para começar a eliminar essas possibilidades resolvi criar um diário dos atendimentos do Jhonantan no Google Drive, onde todas as professoras envolvidas em seu processo de ensino-aprendizagem puderam lançar o conteúdo trabalhado e fazer um breve relato de como foi o decorrer da aula. A partir daí pude constatar que as questões que aconteciam nas minhas aulas também eram decorrentes nas aulas das outras professoras, que ministravam conteúdos diferentes dos meus.

Resolvi então levar meu celular para a próxima aula. Salvei um vídeo na minha Playlist referente ao conteúdo que seria trabalhado (família silábica da letra C). Quando cheguei iniciei a aula como de costume, explicando o conteúdo, realizei atividades com o alfabeto móvel, revistas, fizemos o registro formal do conteúdo (caderno) e somente depois apresentei o vídeo para finalizar a aula. Pronto! Aconteceu o que eu mais havia desejado durante todos os meses de aula...os olhinhos brilharam e ao término do vídeo havia aquele sentimento de querer mais. Perguntei a ele o que ele havia aprendido naquele dia e sem titubear me respondeu: “A família do C / CA, CE, CI, CO, CU.”

Saí de lá sentindo a necessidade de apresentar a ele o mundo que existia além das paredes do seu quarto. Usar essa nova ferramenta para levar o conteúdo de uma maneira dinâmica e interessante; mostrar que não haveria problema se ele não conseguisse grafar as letras e os números com proficiencia, pois ele teria a possibilidade de digitar e o resultado final seria o mesmo; levá-lo virtualmente à locais novos; apresentá-lo, através da tela do computador, aos amigos da sala de aula onde está matriculado oficialmente; colocá-lo em contato com a professora desta sala e até mesmo fazer com que participasse de algumas aulas em tempo real.

E foi então que a ideia do Projeto surgiu...a possibilidade de levar o “Google for Education”, que é um projeto desenvolvido com todos os alunos da rede municipal de ensino em parceria com a Nuvem Mestra, para dentro do quarto de Jhonatan. Apresentar a ele um mundo cheio de possibilidades através da tela de um computador.

E toda mobilização começou. Levei a ideia para a Coordenadora do Google for Eduacation do nosso município, para a Secretária de Educação e para o Diretor Administrativo e juntos começamos a pensar em uma maneira de viabilizar tudo isso, pois na casa de Jhonatan não havia sinal de Internet e nem mesmo um computador ou algo similar. Conversei com o pai para apresentar o projeto e pedir autorização e fomos em busca de empresas parceiras que pudessem nos ajudar a tornar tudo possível e real. Conseguimos a doação de um Chromebook exclusivo para o aluno e a instalação de um sinal de internet vitalício.

E a partir do dia 18 de junho de 2019 iniciamos um conceito de atendimento domiciliar baseado no ensino híbrido, combinando momentos de experiências baseadas no ensino formal com tecnologias digitais, trazendo a ele a experiência do modelo presencial e a inovação do mundo online. Em pouco tempo o êxito esperado foi alcançado. Os avanços de Jhonatan foram vistos a olhos nús. Ele “ganhou” sua própria conta no Gmail e aprendeu sua data de nascimento através da senha criada para permissão do seu acesso. Criei uma sala de aula virtual no Google Sala de Aula onde inseri as demais professoras e o aluno. Alí começamos a enviar as tarefas a serem realizadas, os links dos vídeos e jogos pedagógicos selecionados previamente no Youtube, as listas de palavras preparadas nos slides do Google Apresentações e o aluno começou as nos dar cada vez mais o feedback que tanto estávamos almejando.

Quando comecei a elaborar o projeto determinei três metas a serem alcançadas com o aluno: a curto prazo seria a inserção da ferramenta tecnológica no processo de ensino-aprendizagem no atendimento educacional domiciliar, a médio prazo a alfabetização do aluno e a longo prazo fazer com o aluno torne-se o protagonista de sua própria aprendizagem. Hoje, tranquilamente, posso afirmar que a meta de curto prazo já foi alcançada e o aluno tem mostrado inúmeros progressos com apenas um mês e meio de acesso ao mundo tecnológico. A meta de médio prazo está em processo de aquisição e vem evoluindo de maneira satisfatória. Já a meta de longo prazo, que posso dizer ser o objetivo principal, está sendo desenvolvida com o aluno desde o primeiro dia deste novo modelo de aprendizagem e acredito que será cumprida com louvor.

“Sensibilidade à flor da pele

Basta escutar, enxergar, sentir

Para isso é necessário olhar, tocar, ouvir

Despir-se das amarras e incluir

Incluir para equiparar

Viver...Sonhar, Realizar!”

(Vania de Castro e Ari Vieira)