Camilo

génese e recepção

Camilo

On-line, 11-12 Novembro 2020

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Resumos

Resumos


José Manuel de Oliveira (Casa de Camilo / Centro de Estudos Camilianos)

Do remoque ao encómio nas leituras camilianas

Pelo que os conteúdos podem concorrer para o estudo e para a compreensão do homem e do escritor, do intelectual e do crítico literário, faremos uma breve reflexão sobre as anotações exaradas por Camilo nos livros da sua biblioteca particular.


David Frier (U. Leeds / CLEPUL)

Presa num convento sem muralhas: A figura de Mariana no Amor de Perdição

No romance mais famoso de Camilo Castelo Branco, o Amor de Perdição, de 1862, para além da história dos amores contrariados de Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, encontram-se também dois retratos contrastantes da vida conventual nas décadas anteriores à extinção das ordens religiosas em 1834: a corrupção, a concupiscência e a luxúria do convento em Viseu formam um contraste em tom negativo às virtudes de compaixão, generosidade e simpatia oferecidas a Teresa no Convento de Monchique, no Porto, onde ela consegue manter a resistência às atitudes patriarcais e materialistas da própria família até o momento da morte.

Nesta comunicação vou apresentar a tese da existência de mais um convento no romance: um convento virtual, construído pelos valores mesquinhos, tradicionalistas e egoístas que criam um cárcere na vida interna das personagens femininas do romance. Esta tese será apresentada através duma consideração da figura de Mariana da Cruz, que se torna muito mais do que a simples figura de ‘anjo’ indicada dentro do texto por Simão Botelho. Ao investigarmos o triângulo amoroso do romance, descobrimos que as restrições impostas às mulheres pela sociedade da época são múltiplas e que de fato seriam bem capazes de sobreviver para além do período em que tem lugar a ação do romance.


Maria do Carmo Mendes (ILCH-UM / CLEPUL)

Nem herói nem santo

Seria porventura pouco relevante, por demasiado explorada, uma leitura de vetores sobejamente conhecidos na receção camiliana em Agustina Bessa-Luís, designadamente os que são proporcionados pela obra da escritora portuguesa Fanny Owen. Mais significativa, todavia, se afigura uma leitura do modo como Agustina se deixou influenciar, humana e literariamente, por uma vida e uma obra, e cumpriu o desejo, expresso de forma mordaz por Miguel Torga no Diário III: “Miserável em vida, miserável continua na lembrança de um país que lhe perpetuou o nome escancarando aos olhos da posteridade as suas domésticas misérias”.

Agustina não escancarou aos olhos da posteridade as “domésticas misérias” de Camilo. Como escritora e mulher em contracorrente com o tempo em que viveu, analisou a existência e o percurso camilianos de forma original.

Esta comunicação retoma textos publicados pela escritora na década de 1960 e intenta: 1) identificar na reconstituição biográfica e literária de Camilo aspetos inéditos que outras leituras não observaram; 2) Reconhecer, na leitura agustiniana de Camilo, as circunstâncias excecionais – com destaque para a representação do “espírito do lugar” que é Seide – que construíram uma vida igualmente singular; 3) Chamar a atenção para aspetos pouco aprofundados na receção de Camilo Castelo Branco em Agustina Bessa-Luís, nomeadamente um humor singular que aproxima os dois escritores e vai muito além de uma dimensão superficialmente risível.


Cristina Sobral (FLUL / CLUL)

O romance mais querido de Camilo Castelo Branco: emendas incisivas no Romance de um Homem Rico

Mais do que uma vez, Camilo manifestou o seu apreço pelo Romance de um Homem Rico, ao qual ele atribuía qualidades superiores às dos seus outros romances e ao qual parecia dedicar, além disso, um afecto especial. Escrito na cadeia da Relação do Porto, antecedeu imediatamente a escrita do Amor de Perdição, estando terminado em 15 de Agosto de 1861. Além do local e das circunstâncias de composição, os dois romances têm ainda em comum o facto de, alegadamente, se basearem em fontes documentais. No caso do Romance de um Homem Rico, elas seriam uns apontamentos fornecidos por António José Coutinho, moedeiro falso, também preso na Relação do Porto e visita habitual da cela de Camilo. Pretende-se analisar o manuscrito autógrafo para saber se as suas emendas autorais documentam processos de criação consistentes com o investimento literário e afectivo que levou Camilo a valorizar este romance sobre todos os outros.


Teresa Nunes (FLUL / CH)

“Desfigurei tudo, salvo generalidades vagas” – percepções camilianas sobre a paisagem agrícola e a propriedade rústica no Portugal de Oitocentos

“Desfigurei tudo, salvo generalidades vagas e o lugar onde principia” (Camilo Castelo Branco, Novelas do Minho I. Gracejos que matam, Lisboa, Livraria Editora Matos Moreira, 1875, p. 11).

Observador perspicaz da realidade política e social portuguesa oitocentista – contextos em que interveio amiúde – Camilo Castelo Branco (1825-1890) revelou-se igualmente atento às dinâmicas económicas, em particular as subordinadas à evolução das estruturas fundiária rústica e agrícola nacionais. Nessa medida, a produção camiliana constitui um repositório referencial para o conhecimento dos recursos naturais e das paisagens, para a estrutura da propriedade e dinâmicas subjacentes, para o entendimento dos agentes da mudança e da estagnação das práticas agrícolas no Portugal de Oitocentos.

A presente comunicação reside na análise das “generalidades vagas”, conforme a expressão do Autor, respeitantes às leituras camilianas sobre a sociedade rural portuguesa de Oitocentos, com especial incidência na caracterização da economia agrícola do Minho e Trás-os-Montes, na representação do proprietário rural e na relação entre campos e cidades.


João Manuel Pereira Fernandes (FLUL)

Vinte Horas de Liteira – Uma viagem literária

Incidindo na novela Vinte Horas de Liteira, a exposição procurará, inicialmente, retomar a caracterização de Annabela Rita, segundo a qual a viagem aparece como alicerce da narrativa (ou das narrativas), continuando uma tradição que já vem de Almeida Garrett. Dada a apologia da «liteira que se debate nas fauces do monstro» chamado progresso, celebrada no incipit, pretendemos propor que a utilização imortalizadora da Liteira esteja repleta de simbolismo, na medida em que, estando a Liteira condenada a abandonar o mundo, não terá outra utilidade senão entrar na Literatura. E, assim, ousamos crer que esta simbologia da viagem também seja uma possível explicação para que a viagem seja puramente Literária.

Em seguida, a exposição procurará comparar brevemente, do ponto de vista narrativo, o Narrador Camiliano com António Joaquim, tentando apurar, até que ponto é que António Joaquim, enquanto uma extensão aparente do Narrador Camiliano, consegue demonstrar autonomia, não se confundindo com ele.

Por fim, gostaríamos de concluir mencionando algumas secções que nos permitem conjecturar que, neste romance de 1864, haja algum vanguardismo a que não chamarei realista, mas que, parecendo ter alguns contornos próprios, acaba por se aproximar de uma forma ainda bastante embrionária. Havendo indubitavelmente uma certa ridicularização da prática romanceira dos seus contemporâneos, veiculada tanto pela boca de António Joaquim como do próprio Narrador Camiliano.

Tânia Moreira (CITCEM)

Sem Emenda

Desde a contemporaneidade de Camilo Castelo Branco até aos nossos dias, persiste uma linha de discurso crítico, de diverso escopo e origem, devotada a aplicar à obra do escritor um conjunto de conceitos que funcionam como lentes correctivas. O presente ensaio irá interrogar em que medida tal zelo é superveniente de uma perspectiva de leitura refractária à estética do texto camiliano.


Carlota Pimenta (CLUL / FCH-UCP)

Sobre a génese de A Doida do Candal

Nesta comunicação, proponho-me analisar a génese do romance A Doida do Candal, de Camilo Castelo Branco, a partir do estudo do seu manuscrito autógrafo, pertencente à Biblioteca Pública Municipal do Porto.

Nos últimos anos, estudos genéticos realizados no âmbito do projecto "Edição Crítica e Genética das Obras de Camilo Castelo Branco", do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, têm trazido a lume conclusões sobre as práticas e os processos de escrita de Camilo, baseadas na análise dos seus manuscritos autógrafos. Estes estudos revelaram diferenças significativas entre dois períodos distintos da produção camiliana: o início da década de 60 e a década de 70.

O manuscrito de A Doida do Candal, datado de 1867, pertence a um período intermédio, ainda não estudado na perspectiva da crítica genética. Através da análise da sua materialidade, procurarei caracterizar os processos de escrita e revisão deste romance, comparando-os com os de outras obras camilianas já estudadas. Para além disso, procurarei mostrar, através da análise de emendas autorais, o modo como algumas personagens foram sendo transformadas, bem como outras alterações textuais reveladoras do processo de criação do romance.

Espera-se, assim, que o estudo genético deste manuscrito possa contribuir para iluminar o processo criativo desta obra em particular e para alargar o conhecimento sobre as práticas e os processos de escrita de Camilo em diferentes períodos da sua produção, testemunhando a importância da génese para o conhecimento sobre a obra literária e o seu autor.


Eduardo Nunes (U. Aveiro)

Percorrer a estrada, pensar o tempo: Vinte horas de liteira como um antecedente do romance de estrada?

Em Vinte horas de liteira, obra publicada originalmente em folhetins durante a segunda metade de 1864, Camilo encena uma viagem feita por si e pelo seu amigo António Joaquim, desde a aldeia de Ovelhinha, perto de Amarante, até à cidade do Porto. A viagem sobre a estrada, cuja duração é definida pela distância entre os pontos de partida e de destino e pelo meio de transporte escolhido, vem a criar o cronótopo no qual se desenvolve a narrativa. Por outras palavras: às coordenadas espaciotemporais do trajeto vêm a corresponder as da própria narrativa, cabendo apenas aos paratextos (introdução, conclusão e epílogo) o necessário enquadramento prévio e posterior da ação. É ainda essa duração, que hoje nos parece medonha, que propicia uma partilha de histórias entre os dois viajantes, embora com um notório desequilíbrio: das quinze pequenas histórias contadas, apenas uma é relatada pelo romancista-narrador. Porém, tão relevantes quanto esses contos são as reflexões que eles motivam e as que decorrem do tom coloquial da conversa que os intervala.

Os estudos sobre esta obra têm-se focado, sobretudo, na natureza metaliterária dessas considerações, porquanto nelas Camilo se revela crítico em relação à literatura coeva e autocrítico quanto a certos aspetos das suas próprias obras, para além de insistentemente interpelador do amigo quando este toma as rédeas da narração. Mas essas e as demais cogitações que permeiam o relato da viagem acabam, também, por sinalizar a consciência que os dois viajantes têm de que vivem um tempo de mudança nacional, cultural e até, porventura, civilizacional. A defesa da liteira em detrimento do vapor, levada a cabo na introdução, assoma assim como uma tomada de posição em apologia de um certo mundo antigo, ameaçado pelo dito “progresso”, que pretende substituir a religião pela ciência, a ruralidade pela urbanidade, a beleza natural pelo aparato tecnológico-material. Propomo-nos, com esta comunicação, equacionar a possibilidade de Vinte horas de liteira ser entendida como um antecedente do romance de estrada: não só porque o percurso em estrada estrutura o relato, mas também porque funda o espaço-tempo em que os protagonistas refletem sobre um tempo mutante, que é o seu.


Sérgio Guimarães de Sousa (ILCH-UM / CEHUM)

O(s) paradoxo(s) da ficção n’A Queda dum Anjo

N’A Queda dum Anjo (1866), Calisto Elói atualiza uma estrutura dialética elementar da ficção: aquele funcionamento paradoxal pelo qual a ficção tanto afasta o protagonista da realidade (Calisto vive para lá ou aquém da realidade empírica, porque mentalmente enclausurado num bafiento e anacrónico saber livresco), como lhe oferece o acesso à realidade que ninguém vê ou deseja ver (no parlamento, antes da «queda», o deputado Calisto denuncia, com especial argúcia, os males de que padece a realidade do país). Procuraremos refletir sobre as implicações narrativas deste paradoxo dialético através do qual aquilo que surge como assaz problemático (a intoxicação livresca do herói, a sua fixação na ficção) acaba, ao fim e ao resto, por se revelar o seu inverso – isto é, a solução (ver a realidade como ela é, denunciando o que nela se afigura disfuncional) provém do interior do problema (o desfasamento da realidade causado por uma inteligibilidade, porque quixotesca, enviesada do mundo).


Ângela Correia (FLUL / CLUL)

Sobre a génese de O Regicida, de Camilo Castelo Branco

O Regicida é um dos romances históricos de Camilo Castelo Branco. Numa «Advertência» inicial, o romancista esclarece sobre a fonte a que recorreu e sobre até que ponto lhe deveu a urdidura do romance. Afirma ter recorrido a um «manuscripto, que pertenceu á livraria do secretario de estado Fernando Luiz Pereira de Sousa Barradas», «contemporaneo dos successos que archivou». Acerca da dívida contraída junto desta fonte, Camilo declara: «De lavra nossa, n'este romance, ha apenas os episodios, que me sahiram ajustados e congruentes com os traços essenciaes da narrativa».

Sabemos, no entanto, que a génese de O Regicida foi muito diferente do que Camilo quis fazer crer aos seus leitores. Sabemo-lo porque ele próprio o deixou escrito em cartas e notas marginais, mas também no manuscrito que lhe sobreviveu. Nele podemos observar as emendas que contam a história da criação do romance.

No colóquio Camilo: Génese e Receção, tratarei da génese de O Regicida, no que respeita à fonte efetivamente usada, e no que respeita a um conjunto de emendas cujo objetivo é reforçar a eficácia do clímax do romance. Ou seja, o momento em que o regicida desiste de disparar contra o rei, quando o regicídio poderia ter sido bem-sucedido.


António Martins Gomes (FCSH / CHAM)

“A vida é isto”: o espelho do camaleão romântico

A Regeneração, o regime político que garante a paz social, a prosperidade económica e a consolidação do liberalismo, é instituída em 1851, o ano em que Camilo Castelo Branco se estreia como romancista. No início de Anátema, o escritor lisboeta, na sua novel condição de profissional das letras, apresenta-se como um “camaleão romântico” e coloca-se à disposição dos leitores para escrever de acordo com os seus gostos e as suas livres escolhas. Ao identificar-se desta forma tão peculiar com um animal que é caracterizado pelo mimetismo, Camilo crê que tem a habilidade suficiente para capturar a essência de gentes e ambientes que o circundam e de imitar a vida real sob a forma textual. Apesar de se considerar romântico, intui que a sociedade oitocentista se ia desprendendo dos valores mais emblemáticos da primeira geração, tais como o patriotismo, a liberdade ou a imaginação; com efeito, após décadas em que o conteúdo das obras literárias havia desempenhado a útil missão de formar o cidadão liberal, o leitor da segunda metade do século XIX, com o direito ao ócio já conquistado, tinha agora a possibilidade de optar por um livro apenas pelo puro prazer de o ler como um fútil passatempo burguês.

Ciente do tempo de transformações político-culturais em que vive e do choque social entre o progresso urbano e a tradição rural, este escritor-camaleão também assume uma atitude darwinista para sobreviver, pois, apesar de se debater com alguns dilemas éticos do mercado editorial, cada vez mais alargado ao público feminino, adapta a sua escrita à mercantilização do processo de produção literária. Na pretensão de dar ao leitor uma obra “a palpitar de actualidade”, Camilo recorre ao espelho de Stendhal, exclui a efabulação fantasiosa e faz da sua escrita um reflexo do que observa no quotidiano; ao desvalorizar o passado histórico, restringe o desenvolvimento da narrativa ao tempo presente, com poucos ornatos a esconder as chagas sociais. Assim é o romantismo camaleónico de Camilo, o escritor mimético que, sem imaginação nem jeito para escrever, soube seduzir leitores burgueses num tempo materialista e plácido.


José Vieira Leitão (FLUC / CHSC)

«Rosa é a Dama de Ouros; o José é o Rei de Ouros»: O Livro de São Cipriano na Obra de Camilo Castelo Branco

Na sua atenção ao detalhe, e à descrição e caracterização da vida material e mental das populações rurais, os tópicos da magia e divinação não são de todo raros na obra de Camilo Castelo Branco. Desde descrições de pequenas mezinhas, encantamentos verbais ou métodos vários de prognosticação, a obra de Castelo Branco tem, por vezes, um valor quase etnográfico e antropológico.

Colecionando as várias instâncias de menções a práticas mágicas, um padrão é facilmente identificável na obra deste autor. Com surpreendente recorrência, estas instâncias apontam, de uma maneira ou de outra, para ‘grimorio’ Português intitulado de O Livro de São Cipriano. Seguindo o trabalho de António Cabral (‘Camilo às voltas com S. Cipriano,’ Tellus: Revista de Cultura 17 (1987) 51-55), esta apresentação irá incidir sobre as referências de Castelo Branco a este livro único da cultura Portuguesa. Estas serão de duas naturezas distintas: aquelas meramente ‘passivas’, em que este grimorio surge apenas como um objeto cultural existente no universo das suas obras; e aquelas em que, embora não mencionando este livro explicitamente pelo seu título, este pode ser facilmente identificado como uma clara e recorrente fonte para a construção e caracterização de práticas mágicas ou supersticiosas presentes nas suas obras.

A identificação de tais referências, tal como a proximidade entre Castelo Branco e o etnógrafo e arqueólogo Francisco Martins Sarmento, ou até a análise de obras manuscritas pertencentes à sua biblioteca pessoal, sugere que os tópicos do Livro de São Cipriano, ou a figura de São Cipriano ele próprio, não foram meramente casuais para este autor. De facto, Castelo Branco demonstra um conhecimento considerável em relação às edições deste livro existentes no século XIX, tal como algumas das suas manifestações pré-contemporâneas.

Desta forma, espera-se identificar umas das mais desconhecidas e recorrentes fontes da obra de Castelo Branco, e de onde este consistentemente extrai alguns dos aspetos mais invulgares e pitorescos da sua obra multifacetada.


Ana Pereira (Biblioteca Municipal de Sintra)

Camiliana de Sintra: um Bem Cultural de Interesse Público

A Camiliana de Sintra ou Biblioteca Camiliana de Sintra, constituída por um fundo arquivístico, bibliográfico e iconográfico, considerado um dos melhores do mundo, representa, em várias vertentes, a obra de Camilo Castelo Branco. Formada a partir da coleção particular de Rodrigo Simões Costa (1873-1947), sintrense que colecionou exaustivamente obras de e sobre Camilo Castelo Branco e que em 1939 doou a sua coleção ao Município de Sintra.

O seu caráter único e os seus valores de memória, autenticidade, criatividade e raridade, que importava não só reconhecer e valorizar, mas igualmente preservar, salvaguardar e divulgar, levou à classificação deste espólio – à guarda da Biblioteca Municipal de Sintra – como Bem Cultural de Interesse Público, a 6 de agosto de 2020 ao abrigo da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro.

E é, este universo Camiliano de Sintra, único, que queremos partilhar.


João Paulo Braga (FFCS-UCP / CEFH)

Algumas notas para uma edição anotada de «A Morgada de Romariz»

Na linha do trabalho desenvolvido para a edição da coleção «Biografias Enoveladas» (Câmara Municipal de V.N. Famalicão; Casa de Camilo – Centro de estudos) e integrando importantes dados resultantes do trabalho de edição crítica e genética da referida novela (Carlota Frederica Pimenta, Lisboa, 2009), orientado pelo Prof. Ivo Castro, propomo-nos apresentar, nesta comunicação, algumas anotações ao texto de Camilo, privilegiando aspetos relacionados com a rede de relações geográficas, históricas e literárias com que são entretecidas as bases referenciais da efabulação romanesca.


António Nery (UFPR / CLEPUL)

Camilo e “A freira que fazia chagas, e o Frade que fazia reis”

O objetivo desta intervenção é analisar o conjunto de textos presentes na obra As Virtudes Antigas ou A freira que fazia chagas e o Frade que fazia reis Frades (1868), buscando identificar em que medida os mesmos dialogam com outras produções de Camilo dos anos 1860, que detêm temática religiosa, especialmente (anti) clerical. O trabalho vincula-se ao projeto de pesquisa O (anti)clericalismo em obras de Camilo Castelo Branco, o qual, nesta primeira fase, centra-se na investigação de textos publicados pelo autor durante a década de 1860, um dos períodos nos quais ele mais escreveu e que, a meu ver, é bastante representativo para compreender a produção camiliana antes, durante e depois desse contexto. O prefixo “anti” é grafado entre parênteses todas as vezes em que refiro ao termo (anti) clerical e suas derivações, porque me interessa explorar tanto as críticas negativas veiculadas contra o clero, a Religião, a religiosidade e questões correlatas, quanto as apologias positivas feitas a esses temas, desenvolvidas por intermédio de opiniões e reflexões de narradores, personagens, eu-líricos e pelo próprio autor, uma vez que fazem parte do corpus do estudo escritos dos mais diversos gêneros textuais. Esta intervenção pontual e o projeto de pesquisa como um todo buscam contribuir para uma melhor compreensão da forma como Camilo lidou com a questão religiosa, presente intermitentemente em sua obra completa.


José Cândido de Oliveira Martins (FFCS-UCP / CEFH)

Para o estudo da recepção de Camilo Castelo Branco em autores portugueses contemporâneos

A recepção literária de um escritor clássico como Camilo Castelo Branco permite-nos aferir o grau de influência da sua obra, por um lado; e, por outro, as sucessivas e diferenciadas leituras que a sua escrita vai conhecendo, nos ecos plurais da sua obra, como demonstrado amplamente pela Estética da Recepção. Com efeito, a par de outros grandes clássicos (Camões, Eça ou Pessoa), também Camilo conhece uma recepção fecunda e inspiradora em vários autores contemporâneos.

De facto, num prolongado processo de recepção iniciado ainda em vida do escritor, mas sobretudo ao longo do séc. XX e já no novo século, sucedem-se os autores que, em variados registos e géneros, evocam Camilo Castelo Branco, quer a sua romanesca e atormentada existência e personalidade, quer a sua obra literária. Depois de Teixeira de Pascoaes, Aquilino Ribeiro, Alexandre Pinheiro Torres e Agustina Bessa-Luís, sobressaem escritores contemporâneos tão diversos como: Mário Cláudio, Maria Velho da Costa, Hélia Correia, Vasco Graça Moura.


Ivo Castro (FLUL / CLUL)

Balanço camiliano

Interessam aqui duas acepções do polissémico vocábulo balanço: o equilíbrio proporcionado entre partes disjuntas e a contabilidade retrospectiva do que está feito e falta fazer.

Vistas a dispersão e a heterogeneidade dos locais e entidades com património e vocação camilianos, modernamente enfrentadas com programas agregadores de iniciativas e produtos, vale a pena procurar que formas práticas poderia assumir a busca de equilíbrios entre essas partes.

Isto olhando para o futuro. Olhando para trás, que existências e que experiências podem ser convocadas para balanço e para suporte do que está por fazer?