Base Teórica

[ LEituras ElÁSTICAS ]

O desafio de formar leitores no novo tempo


Você sabe quantos livros por ano o brasileiro lê? Segundo a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil7”, lemos, em média, 2,5 livros por ano. Os números assustam: mais de 40% da população não lê, e 30% nunca comprou um livro. O lugar que mais dá acesso para a leitura é a escola. E aqui estamos, professor, conversando sobre como podemos fazer essa nova geração continuar amando os livros e as histórias. Foi pensando justamente nessa grande questão que o conceito “Leituras Elásticas” foi criado por Carolina Sanches8.

[7] FALIA, Zora (Org.). Retratos da leitura no Brasil. 5.ed. Rio de Janeiro, Sextante, 2021. 328 p.

[8] SANCHES, Carolina. Leituras elásticas: o desafio de formar leitores no novo tempo. Rio de Janeiro, Mapa Lab, 2021. 116 p.

Como formar leitores na contemporaneidade? 


É uma pergunta poderosa e que tem múltiplas respostas. Perfeito, porque, se queremos soluções, é preciso sempre articular três eixos de mudança: 



Vamos juntos em busca de caminhos! 

As Leituras Elásticas são, ao mesmo tempo, um conceito e uma estratégia para fazer surgir um leitor que tem pensamentos divergentes (ser capaz de pensar muitas ideias diferentes), pensamentos convergentes (encontrando respostas para as suas questões), imaginação (ser capaz de conceber o que não existe), que desenvolve o pensamento integrativo (habilidade de ter em mente, equilibrar e conciliar ideias diferentes e contraditórias) e que possa ter fruição (é prazeroso conhecer, saber mais para viver melhor). 


Um "leitor elástico"! 


E se esticássemos as leituras expandindo o universo ficcional das histórias?

Imagem: Istock - Crédito: Aleksej Sarifulin

Imagem: Istock - Crédito: Edwin Tan

[9] LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte, Autêntica, 2014. 176 p.

Para falarmos da elasticidade das leituras, precisamos falar de experiência. A palavra vem do latim EXPERIRI, que significa provar (experimentar). E não há autor melhor (para mim!) do que o educador espanhol Jorge Larrosa. No livro “Tremores – Escrito sobre Experiências9”, Larrosa conceitua o que é experiência. 

É experiência tudo aquilo que nos toca, nos passa ou o que nos acontece e, ao nos passar, nos FORMA E TRANSFORMA”. 

Em um mundo com excesso de informação, excesso de trabalho, excesso de opinião, falta de tempo, vivemos o dilema de que “A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece”. Larrosa toca nessa ferida ao nos alertar que nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara. Quais experiências as crianças têm que podem contribuir com o resgate do simbólico, o combate ao analfabetismo do imaginário? Como anda o campo do conhecimento sensível (imaginação, criação, percepção, intuição, emoção) dessa geração? Quem cuida? O excesso de realidade está acabando com a experiência. 

Se quero saber sobre o significado das palavras, consulto dicionários. Se quero ler notícias atuais, busco jornais, portais, redes sociais. Se quero tirar alguma dúvida, vou ao Google. E quando quero saber sobre mim mesma? Para onde eu vou? Se sou leitora, vou à ficção, mais especificamente ao texto literário. Por isso, Larrosa relembra uma frase do filósofo e educador Rudolf Steiner sobre experiência e leitura: 



“Quem já leu Metamorfose de Kafka e pode olhar-se impávido no espelho é capaz tecnicamente de ler a letra impressa, porém é um analfabeto no único sentido que conta.”  

Steiner10

[10] STEINER, G. Lenguaje y silencio. Barcelona, Gedisa, 1994



Imagem: Freepik

Com essa frase, Steiner nos dá a real sobre a relação do leitor com o livro — porque podemos substituir o livro de Kafka por qualquer outro livro na frase. Se não me transformo ao ler, não tive experiência. Já que a experiência é o que nos toca, é uma relação, o importante não é o texto, senão a relação com o texto. Não importa qual é o livro, mas o que nos atravessa com a sua leitura. E é aí que consigo pensar nas Leituras Elásticas. 


A nossa proposta é qualificar, ampliar, esticar a experiência leitora das crianças para que elas possam resgatar o que ficou pelo caminho nas gerações anteriores (é só olhar os números de leitores no Brasil). Ao deixarmos de lado a função essencial de construir e reconstruir a narrativa que nos humaniza, perdemos a conexão com a Literatura. E, no fundo, perdemos a conexão com nós mesmos. 

Nas Leituras Elásticas, colocamos o livro como CENTRO do processo. A história convida o leitor a ampliar suas experiências sobre aquele universo ficcional, esticando o livro e a leitura para outros formatos e linguagens, contribuindo para a expansão de seu repertório. O universo ficcional expande, ultrapassa a barreira física do livro, rompendo os limites das páginas. A nossa contribuição é diversificar linguagens para que a criança consiga se conectar mais profundamente com a história principal. 

Então, o que criamos aqui? O Aperte o PLAY! 

Das Fábulas de Esopo, vamos "esticar", vamos expandir a jornada leitora das crianças para outras linguagens. A fábula é o que chamamos de narrativa-mestra que cria ramificações, expandindo as possibilidades leitoras. Não é adaptar a história-mestra para outras plataformas. É criar a partir dela, inventando novos conteúdos em outros formatos, enriquecendo assim a leitura. 

E é isso que vocês vão encontrar aqui: vamos amplificar a experiência leitora dos pequenos com a pegada da Educação Maker. As histórias serão lidas e depois esticadas para atividades pensadas especialmente para a Educação Infantil. Estamos formando leitores maker: eles entram na ficção, curtem as narrativas e expandem a experiência com mão-na-massa. Reflete-Faz-Brinca, tudo ao mesmo tempo. Porque não existe separação entre pensar — sentir — fazer quando articulamos Leituras Elásticas e Educação Maker. É tudo ao mesmo tempo, agora! 

A estratégia é aumentar o engajamento dos pequenos leitores e aprofundar a sua relação com o universo literário. A criança precisa ter a possibilidade de explorar, de descobrir, de entusiasmar-se com as descobertas e de sentir um desejo incessante pela busca de coisas novas.

A intencionalidade na formação leitora, de fazer o olhar esticar do livro para outras plataformas e voltar para o livro, é o diferencial do conceito. A dinâmica é inspirada no mestre Henry Jenkins e sua “Cultura da Convergência 11”. Ele inaugura a discussão da narrativa transmidiática, que se utiliza de diversos meios para sustentar um fio condutor de entendimento das mensagens. É a narrativa contemporânea, construída a partir da diversidade de conteúdos independentes entre si e relacionados, que juntos constituem nova ressignificação. 

Essa é a grande virada: novas estruturas de narrativas multimodais criam leitores elásticos. Diferentes maneiras de ler implicam diferentes maneiras de pensar. No livro, Jenkins afirma que “novas e antigas mídias irão interagir de formas cada vez mais complexas”. Os mediadores, educadores, bibliotecários, escritores, ilustradores e editores estão preparados para essa leitura na complexidade? Acreditamos que vocês estão! Aproveitem o material e “estiquem” tudo com as crianças!

[11] JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2009. 432 p.