Trocando ideias

FÍSICA TEÓRICA:

"A imaginação humana restringida pela camisa de força da realidade."

(Brian Greene)

Ondas Gravitacionais, enfim observadas ...

No último dia 11 de fevereiro, a teoria da Relatividade Geral, teoria de gravidade desenvolvida por Albert Einstein, teve mais uma forte confirmação experimental. Após um pouco de mais de cem de sua proposição o fenômeno das Ondas Gravitacionais foi observado. A observação foi obtida por cientistas do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT). Um consórcio do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (LIGO, sigla em inglês).

As Ondas Gravitacionais são vibrações do espaço-tempo, ondulações à velocidade da luz no espaço-tempo, provocadas por interações entre corpos com massa. Este fenômeno é análogo as ondulações provocadas por uma pedra ao ser atirada em um lago. Em resumo, quando há uma interação de objetos muito maciços, para os quais a força da gravidade é muito grande, eles produzem ondas que se propagam no espaço-tempo.

Os dados da observação podem ser consultados no artigo arXiv.org. A equipe do LIGO disponibiliza algumas informações sobre ondas gravitacionais no site. Informações em linguagem mais simples podem ser vistas aqui.

Figura: Simulação ilustra colisão de buracos negros - Fonte: LIGO

Uma busca incansável...

Entender o universo em que vivemos sempre foi, e continua sendo, um desejo do ser humano. Este interesse no universo está ligado a curiosidade do homem na busca por entender a sua origem, e tudo mais que existe no universo.

Na sua coluna do mês de outubro, na Revista Ciência Hoje, o Professor Adilson de Oliveira escreve um excelente artigo, com o título: Podemos entender o universo? Neste artigo ele discute o pouco que sabemos do universo, dando destaque merecido a Física, ciência que nos dá suporte neste busca pela origem, evolução e futuro do universo.

Destaco, abaixo, um pequeno trecho do artigo, que considero interessante:

“... nosso conhecimento sobre universo ainda está longe de se esgotar. Moramos em um pálido ponto azul que orbita uma estrela média entre as centenas de bilhões que existem em nossa galáxia, que também é apenas uma entre as centenas de bilhões que conhecemos. Estamos muito longe de compreender tudo o que existe no universo, e conhecemos apenas uma pequena parte do todo. “

O Professor Adilson termina o artigo com uma frase que nos faz refletir:

“ Não é ousadia tentar compreender o universo – é o desejo que nos faz realmente humanos.”

A integra do artigo se encontra no site da revista, aqui link direto ao trabalho.

Simulação ilustra colisão de buracos negros  - Fonte: LIGO

Einstein e a Relatividade Geral, 100 anos de sucesso e muitas expectativas

Olhar para o céu e contemplar a sua beleza, sempre foi inspiração para artistas, poetas, religiosos, cientistas, entre outros. Quantos poemas, músicas, vidas já não tiveram como inspiração a beleza e os mistérios dos céus. A humanidade sempre buscou explicação para tudo que vê no céu, seja de forma divina, mitos ou ciência. Aqui iremos fazer uma análise, rápida, da responsável pela estrutura geral do universo que conhecemos, a força gravitacional.

Há exatamente um século, mais precisamente em novembro de 1915, o físico Albert Einstein desenvolveu a sua teoria de gravitação, conhecida como teoria da Relatividade Geral. Com esta teoria, foi possível entendermos melhor a origem e evolução de nosso universo. Na verdade, a relatividade geral modificou o que se entendia por gravitação ou força gravitacional, uma vez que, até aquele momento, o conceito de gravitação era razoavelmente explicado pela lei da gravitação universal de Newton.

A força gravitacional, se junta a outras três interações: força eletromagnética, força nuclear forte e força nuclear fraca, para formar o que conhecemos como interações fundamentais da natureza. Estas interações podem ser classificadas pela forma que interagem na natureza, e deste modo podemos dividi-las em dois grupos: interação de curto alcance (composta pelas forças nuclear forte e fraca) e interação de longo alcance (formada pelas forças eletromagnética e gravitacional). Também podemos classificá-las quanto a sua intensidade. A título de ilustração, vamos assumir que a força de maior intensidade tenha um valor igual a 10, assim, em ordem decrescente de intensidade temos: força forte (10), força eletromagnética (10-2 ou 0,01), força fraca (10-13) e força gravitacional (10-42). A força gravitacional possui algumas características que a diferencia das demais forças, por exemplo: (i) embora seja a mais fraca de todas as interações fundamentais está presente em todo o universo, ou seja, é universal; (ii) apesar de ter sido a primeira interação a ser pesquisada e estudada matematicamente é a menos entendida; (iii) embora tenha passado por vários testes observacionais, tem alguns limite onde a mesma não funciona a contento.

Antes de discutirmos as ideias desenvolvidas por Einstein acerca da gravitação, vamos relembrar o que nos diz a lei da gravitação universal, proposta por Isaac Newton ainda no século XVII. Na visão newtoniana, gravitação é uma força de atração que surge entre dois corpos massivos, e sua intensidade é proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que os separam. Newton mostrou que esta força é universal, ou seja, atua no movimento de todos os corpos existentes no universo, desde o movimento de queda de uma maça na superfície da Terra até o movimento dos corpos celestes, como planetas, estrelas, cometas, etc. Newton construiu uma teoria que tinha como proposta explicar todos os fenômenos gravitacionais, sejam eles terrestres ou celestiais. Outra característica marcante da gravitação newtoniana é a ação instantânea, ou seja, os efeitos gravitacionais são transmitidos com altas velocidades. Para entendermos melhor, vamos considerar como exemplo a atração gravitacional que existe entre o Sol e a Terra e imaginar a seguinte situação: se em um dado instante, o Sol, por alguma razão desaparecer, esta informação chega a Terra de forma instantânea, isto é, a velocidade de transmissão da informação é muito grande, podendo ser até infinita. E ainda, no contexto newtoniano, os conceitos de espaço e tempo são absolutos, ou seja, eles são os mesmos para todos os observadores. É como o palco de um show, que não muda com a dinâmica da apresentação dos artistas.

Mas em ciência, vale uma máxima: “às vezes nem um milhão de experimentos é capaz de comprovar uma teoria, mas apenas um é capaz de derrubá-la”. Pode-se aplicar esta máxima a gravitação newtoniana, pois havia um fato, já antigo, que a mesma não conseguia explicar de forma satisfatória: o avanço do periélio do planeta Mercúrio. O problema consistia em uma discrepância de aproximadamente 43’’ por século entre o valor previsto e o valor observado. Outro problema a perturbar a teoria newtoniana é a instantaneidade da força gravitacional, pois isto tornaria a existência do universo impossível, uma vez que todos os corpos se atrairiam mutuamente, o que levaria o universo a um colapso. Mas isto não é o que observamos, assim a única possibilidade seria a de que o universo é infinito, de modo a levar um tempo infinito para ocorrer tal colapso.

Do final do século XIX para o início do século XX, houve uma mudança de atitude provocada por discussões em torno da instantaneidade da força gravitacional. Tal mudança de pensamento e atitude foi desenvolvida por um grupo de cientistas, entre os quais vale destacar, H. Poincaré, H. A. Lorentz e A. Einstein. Esta mudança foi sintetizada de forma brilhante por Einstein, em sua teoria denominada de relatividade especial ou restrita.

Em 1905, Einstein publicou um artigo cujo título era “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento”, que é a base da sua primeira teoria da relatividade, denominada teoria da Relatividade Especial ou Restrita. Esta teoria está essencialmente contida em dois postulados bem simples: 1º) as leis da física são as mesmas em qualquer referencial inercial; 2º) a velocidade da luz no vácuo tem sempre o mesmo valor em todos os referenciais inerciais. Neste momento, surge também uma fusão dos conceitos de espaço tridimensional e tempo, tidos como quantidades distintas e absolutas na física newtoniana. Com esta fusão, estes formaram uma estrutura única, denominada espaço-tempo quadridimensional. A geometria do espaço-tempo, neste contexto da relatividade restrita, se baseava em uma configuração rígida e capaz de ser palco ou pano-de-fundo para todos os processos físicos. Esta teoria tem consequências muito interessantes, mas vamos deixar tal discussão para outro momento.

Após esta breve discussão, da gravitação newtoniana à relatividade restrita, voltamos ao que motivou Einstein a construir a teoria que se torna centenária neste ano, a relatividade geral. Nos anos seguintes a construção da relatividade restrita, Einstein se preocupou em entender os fenômenos não contemplados por sua teoria, ou seja, aqueles que ocorrem em referenciais não inerciais. Na verdade, pode-se pensar o seguinte: os fenômenos não inerciais são fictícios ou representam algo real em nosso universo? No ano de 1907, ele discutiu o que conhecemos como princípio da equivalência, que estabelece, como o nome indica, a equivalência entre todos os observadores do universo, sejam eles inerciais ou não inerciais. De acordo com este princípio, é fisicamente impossível distinguir o ponto de vista de um observador não inercial do ponto de vista de um observador inercial que esteja submetido a um campo gravitacional. Ou seja, não teríamos certeza de estarmos lidando com um observador inercial, porém submetido à ação de um campo gravitacional, e não com um observador não inercial. Assim, a partir desta indistinguibilidade física entre eles, as leis físicas devem ser válidas para ambos. De acordo com este princípio, podemos dizer que um referencial acelerado é também um referencial inercial, mas que sofre influência de um campo gravitacional. Foi a partir destas ideias que começou a surgir uma nova teoria de gravitação, a relatividade geral. Usando estas ideias, Einstein publicou um artigo, em 1911, mostrando que um raio de luz deve se encurvar ao passar próximo de um corpo de grande massa. Neste ponto, Einstein introduz um novo conceito para a gravidade, argumentando que a força gravitacional pode ser identificada como a estrutura da geometria do espaço-tempo, e que a gravitação newtoniana é uma teoria aproximada, que está contida em algum limite dentro desta nova proposta.

Na relatividade restrita, a geometria do espaço-tempo é rígida, imutável. Enquanto que, na proposta de 1915, na relatividade geral, a força gravitacional pode ser descrita como uma modificação da geometria do espaço-tempo. Em outras palavras, Einstein coloca que o campo gravitacional é criado a partir da curvatura do espaço-tempo, provocada pela presença de matéria. Quanto mais matéria, maior a curvatura, maior a força gravitacional. A relatividade geral pode ser resumida da seguinte forma: a matéria diz ao espaço-tempo como se curvar, e o espaço-tempo diz a matéria como se mover. Mas como podemos entender a curvatura do espaço-tempo? Consideremos a seguinte situação: vamos pegar uma toalha de mesa e esticar a mesma pelas quatro pontas. Em seguida, vamos colocar uma laranja no centro desta toalha esticada. Notamos que a região em torno da laranja se tornou curva. Agora lançamos um limão com determinada velocidade nesta toalha, iremos verificar que este vai ficar se movimentando em torno da laranja. Este movimento é devido a curvatura que a laranja causou na toalha. Assim, a curvatura está dizendo ao limão como deve se movimentar. Esta situação pode ser entendida como uma simplificação do movimento da Terra em torno do Sol, onde o Sol está representado pela laranja, a Terra pelo limão e a estrutura do espaço-tempo pela toalha.

Deste modo, a origem da gravidade é compreendida como um efeito da geometria do espaço-tempo. As ideias defendidas pela relatividade também eliminaram o conceito de ação instantânea da força gravitacional, pois segundo a relatividade restrita nada no universo pode viajar mais rápido que a velocidade da luz. É fato, temos uma nova teoria de gravitação a partir da finalização e sintetização das ideias de Einstein em 1915, mas agora surge uma pergunta quase que natural: como se descreve a dinâmica da curvatura do espaço-tempo para uma dada distribuição de matéria no universo? Tal dinâmica é determinada pelas chamadas equações de Einstein, que relacionam a geometria do espaço-tempo com a distribuição de matéria do universo. Para completar a teoria, precisamos da equação de movimento de uma partícula neste espaço-tempo, denominada equação da geodésica. Sem entrar em detalhes matemáticos, relacionados a tais equações, vamos aqui discutir as aplicações e resultados encontramos pelas mesmas. Assim que finaliza sua teoria, Einstein foi aplicar as suas equações para uma descrição geral da estrutura do espaço-tempo, e a solução que encontrou mostrava que o universo estava em expansão, ou seja, a distância entre os constituintes do universo (estrelas, planetas, galáxias, etc.) estava aumentando, mas este resultado ia contra o entendimento da época, no qual o universo deveria ser estático. Na verdade, o que ocorre é um afastamento mútuo entre as galáxias. É como se todas as galáxias fossem pontos distribuídos na superfície de uma bexiga que aumenta de volume. Todos os pontos dessa superfície se afastam uns dos outros. Mas, para mostrar que suas equações davam o resultado esperado, Einstein introduz um novo termo em suas equações, conhecido como constante cosmológica, com o objetivo de frear tal expansão. No entanto, em 1929, E. Hubble observou que, realmente o universo está em expansão, e que a velocidade de recessão aumenta com a distância. Diante deste resultado, Einstein assume seu erro ao introduzir a constante cosmológica para obter um universo estático. Outra previsão que chama muita atenção é a existência dos chamados buracos negros, entendidos como o resultado final de um colapso gravitacional de estrelas massivas. Estes objetos curvam o espaço-tempo em sua volta de maneira violenta, o que faz a gravidade nesta região ser tão forte que nada que chegue próximo consegue escapar da atração gravitacional, nem mesmo a luz.

A relatividade geral é uma teoria que tem passado por vários testes, e importantes observações do universo a confirma, tais como: conseguiu explicar as anomalias na órbita do planeta Mercúrio; previu com exatidão como a luz é influenciada por um campo gravitacional, o que foi comprovado em um eclipse total do Sol observado por duas expedições científicas, em 1919, na cidade de Sobral no Ceará e na Ilha do Príncipe, na costa oeste africana.

O advento e o sucesso da relatividade geral levaram à construção de um modelo para explicar a origem, a evolução e a estrutura do universo, conhecido como Big Bang. Embora a teoria do Big Bang tenha fortes evidências observacionais que a fortalecem, ela ainda está longe de fornecer uma descrição completa do universo. Por outro lado, é o melhor modelo que temos, hoje, para explicar o que conhecemos do universo.

Apesar do enorme sucesso que a relatividade geral tem na descrição de fenômenos relacionados à força gravitacional, nos últimos anos, esta teoria tem enfrentado algumas propostas de modificação. Estas propostas buscam explicar, por exemplo, porque o universo está expandindo de forma acelerada. Até o ano de 1998, era consenso que o universo se expandia, como Hubble já havia observado em 1929. No entanto, como a força dominante em grandes escalas é a força gravitacional, que é atrativa, tal expansão deveria estar diminuindo. Mas, dois grupos de cientistas, de forma independentes, observaram que tal expansão estava ocorrendo de forma acelerada. A pergunta a ser respondida é: quem é o responsável por este fenômeno, expansão aceleração? Hoje, há estudos que nos levam a duas possibilidades: (i) o universo é permeado por uma componente exótica, denominada energia escura, que exerce uma força do tipo antigravidade em grandes escalas, que faz os objetos cósmicos se afastarem um dos outros; (ii) modificar a relatividade geral, de modo que este novo modelo gravitacional contenha a relatividade em algum limite, e ainda, dê conta de explicar a expansão acelerada.

Além do problema da expansão acelerada, o atual status do universo ainda tem uma outra componente não compreendida, denominada de matéria escura. Dados observacionais indicam que temos muito mais matéria no universo do que a que conhecemos, mas tal matéria é completamente desconhecida. Sabemos da sua existência através da sua interação gravitacional, mas não sabemos do que é feita. A matéria escura e a energia escura, ditas componentes escuras do universo, respondem juntas por algo em torno de 95% de todo o conteúdo de matéria e energia do universo, ou seja, tudo que sabemos e conhecemos corresponde somente a algo em torno de 5% do universo. Em síntese, vivemos em lugar quase que completamente desconhecido, isto nos mostra que precisamos aprender ainda mais física, ou melhor, precisamos aprender muito mais de toda a ciência.

Para finalizarmos esta discussão, que poderia ser muito maior, vale ressaltar que, a gravidade é a mais fraca das forças, no entanto, se este valor fosse um pouquinho diferente, um pouco maior ou um pouco menor, a forma e estrutura do universo, que vivemos e buscamos conhecer cada vez mais, seria completamente diferente e até mesmo a vida seria diferente, se é que esta existiria.

2015, comemoramos cem anos da Relatividade Geral. Sem dúvida, uma das maiores construções da ciência. Mas, dada a complexidade do universo, em que vivemos, ainda há muito a ser explicado. Enfim, a gravidade realmente é universal, foi estudada pelos grandes filósofos da antiguidade, é estudada hoje e tem muito a ser estudado pelos próximos anos ou séculos.