INTRODUÇÃO:

1 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO

 

A educação em astronomia tem sido uma preocupação crescente nos últimos anos em diversas pesquisas brasileiras em ensino de ciências, de modo que a quantidade de trabalhos apresentados sobre este tema, em congressos e eventos da área, tem aumentado sensivelmente (CASTRO, PAVANI e ALVES, 2009). Historicamente, porém, o ensino da astronomia não parece ter sido uma questão muito pesquisada em território nacional, de modo que seu conteúdo foi se tornando cada vez mais rarefeito no ensino fundamental (BRETONES, 1999). Por exemplo, o total de 36 pesquisas (no período de 1973 a 2008), distribuídos em 20 dissertações de mestrado, 10 dissertações de mestrado profissionalizante, e 6 teses de doutorado, é um indicativo da produção científica sobre educação em astronomia em nosso país nas últimas décadas.

Alguns usaram como objeto de pesquisa a formação de professores e até sugerem a continuidade formativa dos profissionais do ensino com relação a conteúdos de astronomia (em um modelo formativo predominantemente conteudista). Assim, um aprofundamento maior precisa ser repensado quando falamos em estabelecer relações entre a formação (seja ela inicial ou continuada) de professores e a educação em astronomia, uma vez que a pesquisa sobre formação docente (e isso vale para os demais campos do conhecimento e não apenas para a astronomia) aponta para a existência de outros modelos formativos docentes (além do conteudista), e também pelo fato de que a formação continuada docente é consolidada nos documentos oficiais da educação brasileira (BRASIL, 1996, 2001, 2002a).

Quanto à formação inicial de professores, divulga-se, entre os pesquisadores de formação docente, a existência de falhas gerais durante esta trajetória formativa. Por exemplo, mostrando resultados de avaliações sobre a formação inicial, Garcia (1999) apresenta diversos relatos negativos da parte de professores principiantes. Nóvoa (1992) também comprova carências na formação inicial, ao que ele denomina “deficiências científicas” e “pobreza conceitual”. A formação de professores não tem contemplado adequadamente a inclusão de conteúdos, conforme previsto pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2001), as quais defendem também uma integração entre a formação inicial e a continuada. De acordo com Garcia (1999), “conjuntamente com o conhecimento pedagógico, os professores têm de possuir conhecimentos sobre a matéria que ensinam”, pois o conhecimento que eles possuem do conteúdo a ensinar também influencia o processo de ensino-aprendizagem. Segundo o mesmo autor, parece existir um acordo generalizado quanto à necessidade de os professores possuírem um conhecimento mínimo e adequado dos conteúdos. Neste sentido, é preocupante imaginar quais noções de astronomia tais docentes vivenciaram em sua formação para se sentirem competentes e habilitados ao trabalhar autonomamente com conteúdos dessa natureza com seus alunos. Das inúmeras falhas apontadas pelos trabalhos, uma de especial preocupação é a questão da contemplação de conteúdos específicos em cursos de formação inicial de professores dos anos iniciais do ensino fundamental, onde focalizamos o nosso estudo.

A formação inicial, como sua própria denominação parece indicar, demonstra-se como apenas o começo de uma carreira profissional, cujos saberes não remontam apenas nesta fase de profissionalização, pois como mostram Zeichner (1993), Garcia (1999) e Pérez Gómez (1992), os saberes da profissão docente fazem parte de um constructo, que é permanentemente modificado e elaborado pelo próprio professor durante a sua prática. De fato, a sua trajetória profissional é marcada por situações complexas e ímpares, as quais determinam ações e decisões do professor que vão, ao longo dos anos, construindo a sua “personalidade profissional”, ou como denomina Marland e Osborne (1990), suas teorias implícitas, pessoais, ou ainda conforme Mizukami et al (1996), suas sínteses pessoais. Estes momentos, que na maioria das vezes se traduzem em problemas que “não encontram respostas pré-elaboradas” (PÉREZ GÓMEZ, 1992), são únicos, e vivenciados pelo professor, na maioria das vezes, dentro da sala de aula. Tais momentos não conseguem ser previstos e trabalhados durante a sua formação inicial, pois, conforme Contreras (2002), as situações educativas são singulares, e não é possível uniformizar ou generalizar os processos educativos.

Por esta razão, afirma-se que a formação inicial não atinge os objetivos de entregar para a escola um profissional pronto e acabado, a fim de cumprir o seu papel como educador. Isto é confirmado pelas tensões e sentimentos de insegurança e temor (GARCIA, 1992; GARCIA, 1999) que o professor iniciante demonstra ao experimentar os seus primeiros dias de trabalho. Este momento é conhecido por “choque da realidade” (GARCIA, 1992). Este choque, acredita-se, possui profundas raízes na forma de como são introduzidas as disciplinas de Prática de Ensino nos cursos de formação inicial das universidades, onde se dissocia a teoria da prática, mesmo que um estágio supervisionado seja considerado como ‘prática’ pela instituição formadora de educadores. De fato, Tardif (2004) chama atenção para as teorias apresentadas em cursos de formação inicial “por professores que nunca colocaram os pés numa escola”, não possuírem para os futuros professores e para os professores de profissão, nenhuma eficácia nem valor simbólico e prático. Assim, Cachapuz et al (2005) apontam para a necessidade de um tratamento global e integrado dos conteúdos científicos e pedagógicos, idéia apoiada por outros autores, tais como Zeichner (1993), Garcia (1999), Pérez Gómez (1992) e Tardif (2004).

Entretanto, a formação inicial e a posterior experiência profissional não são os únicos momentos da trajetória formativa do professor. Tardif (2004), por exemplo, acrescenta dois momentos anteriores à formação inicial que certamente afetam a prática profissional docente: os anos vividos com sua família (saberes pessoais) e os anos escolares (saberes provenientes da formação escolar anterior). Conforme Guarnieri (2000), o professor, ao lidar em suas aulas com situações inesperadas que não puderam ser trabalhadas durante sua formação inicial, busca respostas em um conjunto de dados mentais (memória) repleto de concepções e idiossincrasias advindas de sua experiência pessoal anterior (família, escola, enquanto aluno). Todos estes momentos na vida do professor formam o que se chama de trajetória de vida do professor (NÓVOA, 2000), aludindo a muito mais do que uma simples trajetória profissional docente. Assim, a trajetória de vida, formada pela família, escola (enquanto estudante), formação inicial e formação pós-inicial, determinam um conjunto de saberes docentes que fazem parte de um constructo pessoal, teorias particulares e individuais que os professores adquirem ao longo de sua vida pessoal, acadêmica, e profissional. Segundo Schön (1987), as teorias particulares e concepções dos professores podem estar profundamente enraizadas no pensamento do professor, remontando aos seus anos de estudante, e a sua mudança implica um processo de autoconsciência e auto-reflexão. Neste sentido, afirma-se que a formação do professor é encarada como sendo permanente, contínua e ininterrupta.

Com relação aos saberes docentes acima citados, Shulman (1987) sugere a seguinte categorização para os conhecimentos do professor: conhecimento dos conteúdos; conhecimento pedagógico geral; conhecimento do currículo; dos materiais e dos programas; conhecimento de conteúdo pedagógico; conhecimento dos alunos e de suas características; conhecimento do contexto educativo; conhecimento dos fins, propósitos e valores educativos. Seguindo um raciocínio semelhante, Tardif (2004) classifica-os em: saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes curriculares e saberes experienciais. Além destes, outros autores apresentam suas próprias tipologias para os saberes docentes.

O enfoque deste trabalho aborda principalmente o que Tardif (2004) denomina de saberes disciplinares, ou de seu correspondente em Shulman (1987), o conhecimento dos conteúdos. Assim, este trabalho apresenta a problemática da falha de abordagem deste tipo de saber durante a formação inicial do professor, mais especificamente os de fundamentos de astronomia para os anos iniciais do ensino fundamental, bem como suas implicações para a autonomia na prática docente. Maluf (2000), Bretones (1999), Ostermann e Moreira (1999), e Barros (1997), por exemplo, comprovam a existência de falhas ligadas diretamente à formação inicial do professor com relação a tópicos de astronomia, as quais tentamos elencar nos capítulos seguintes. E, muito embora, tópicos de astronomia para os anos iniciais do ensino fundamental aparentem uma simplicidade, Campos e Nigro (1999) demonstram que o ensino-aprendizagem de temas desta área “não é tão simples” (uma vez que a astronomia possui certas características que a distinguem das demais ciências, como veremos), de modo que os professores costumam estudar, com as crianças, tais conteúdos de forma rápida, ou preferem mesmo desconsiderá-los.

Esta pesquisa deu continuidade a um trabalho anterior (dissertação de mestrado), no qual se investigou a inserção da astronomia em cursos de formação inicial para professores dos anos iniciais do ensino fundamental (LANGHI, 2004), e que mostrou, dentre outros detalhes, que a possível ausência de conteúdos de tópicos de astronomia, durante episódios de ensino de ciências, poderia ser uma conseqüência da falta de vivência com este tipo de conhecimento dos conteúdos (SHULMAN, 1987) durante sua formação inicial, bem como o de desconhecimento das orientações dos documentos oficias da área da educação brasileira, como por exemplo, os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) para o referido nível de ensino, onde se contemplam conteúdos deste tema (BRASIL, 1999). Conforme os PCN, fundamentos de astronomia entram definitivamente no eixo temático “Terra e Universo”, e “este eixo poderia estar presente nos dois primeiros” ciclos (BRASIL, 1998). Os referidos parâmetros advogam ainda que a astronomia deve fazer parte do conteúdo dos anos iniciais do Ensino Fundamental, quando mencionam que “a grande variedade de conteúdos teóricos das disciplinas científicas, como a astronomia, a biologia, a física, as geociências e a química, assim como dos conhecimentos tecnológicos, deve ser considerada pelo professor em seu planejamento” (BRASIL, 1997).

Esta falta de conhecimento da parte do docente torna-se evidente quando surgem dúvidas provenientes de alunos, sob a forma de perguntas diretas para o professor que não revisou conhecimentos dos conteúdos. Caso o professor não se sinta capacitado em responder tais perguntas, sentimentos de frustração ou de revolta podem emergir. Em se tratando de professores iniciantes, a situação tende a condições de stress e tensão. De fato, Garcia (1999) aponta as dificuldades de se trabalhar com os conhecimentos de sua formação inicial como um dos quatro problemas principais que ameaçam os professores principiantes. Os demais são: tendência a imitar acriticamente outros professores, isolamento dos colegas, e possuir uma concepção técnica do ensino, ou seja, dar crédito ao conceito da racionalidade técnica (SCHÖN, 1983; ZEICHNER, 1993), a qual, segundo Contreras (2002), afeta a autonomia docente.

Este fato pode acarretar medidas tomadas pelo professor no sentido de buscar informações adicionais sobre fundamentos de astronomia em outras fontes. Visando compensar a sua deficiência, em face do conhecimento dos conteúdos (SHULMAN, 1987) ou dos saberes disciplinares (TARDIF, 2004) em astronomia, o professor apóia-se no livro didático, como uma das principais fontes de consulta – e muitas vezes a única, conforme Kantor (1997), Mees (2004), Beraldo (1997) – o qual normalmente contém uma linguagem soberana e ideológica do saber. Isto implicará num aprendizado quase que simultâneo com seus próprios alunos sobre os fenômenos astronômicos, e o professor acaba dotando o livro didático de um grau tão supremo de confiança, que ele, muitas vezes, recusa-se em aceitar um fato comprovado por diversos trabalhos: muitos livros didáticos se apresentam falhos e com sérios erros conceituais em astronomia, conforme atestam Langhi e Nardi (2007), Leite e Hosoume (1999), Pretto (1985), Bizzo (1996 e 2000), Trevisan (1997), Canalle (1994 e 1997) e Paula e Oliveira (2002). Em alguns casos, porém, o livro didático não vem a ser a única fonte de apoio, embora muitas vezes pareça (BERALDO, 1997; BRASIL, 2002a). Há também outras fontes de informações procuradas pelos professores: livros paradidáticos, PCN, outros professores, astrônomos, palestras, revistas, jornais, mídia, internet, TV, telejornal, e filmes (LANGHI, 2004).

Esta situação, de despreparo do docente e de divulgação de erros conceituais pelas mais diversas fontes, pode proporcionar, durante o processo de ensino e aprendizagem, o surgimento ou o reforço de concepções alternativas (que os próprios professores podem possuir desde os primórdios de sua trajetória de vida, enquanto crianças carregadas de crenças e mitos) sobre fenômenos astronômicos, acarretando em sérios erros conceituais em astronomia durante as aulas que devem contemplar conteúdos de ciências. Diversos estudos sobre as concepções alternativas em astronomia presentes em alunos e professores atestam este fato: Nardi (1991 e 1994), Baxter (1989), Barrabín (1995), Sebastiá (1995), Camino (1995), Tignanelli (1998), Stahly (1999), Teodoro (2000), Peña e Quilez (2001), Puzzo (2005), Langhi (2005) e Lima (2006), dentre outros.

O docente não adequada e minimamente capacitado para o ensino da astronomia durante sua formação inicial promove o seu trabalho educacional com as crianças sobre um suporte instável, cuja base pode vir das mais variadas fontes de consulta, desde a mídia até livros didáticos com erros conceituais, proporcionando uma propagação de concepções alternativas. Caso um histórico (trajetória) dos momentos formativos em conteúdos de astronomia de alguns professores pudesse ser traçado, talvez fosse possível encontrar neles intrínsecas concepções sobre fenômenos astronômicos, incluindo mitos e crenças, que tiveram origem em sua própria infância (LANGHI, 2004) e, persistindo durante anos, atravessaram intactas outros momentos formativos em que deveriam ser desestabilizadas e modificadas, tais como em sua formação inicial. Contudo, por inexistência de tais momentos, as concepções acompanharam toda a trajetória de vida pessoal e profissional do docente, de modo que foram incorporadas em seu constructo pessoal (ZEICHNER, 1993; GARCIA, 1999; PÉREZ GÓMEZ, 1992; GUARNIERI, 2000; MIZUKAMI, 1996), sendo que agora, em sala de aula, seus alunos, por sua vez, as apreendem, denotando uma dominância de paradigmas e reforçando ou (re)formulando concepções espontâneas, sem que o professor se aperceba disto. Esta situação o induz, portanto, a uma falsa ou aparente segurança, porém, não o capacita e nem o habilita em sua prática pedagógica com relação ao processo de ensino e aprendizagem de fundamentos de astronomia. Esta continuidade dos erros conceituais sobre fenômenos relacionados à astronomia no ensino de ciências durante a trajetória pessoal e profissional do professor precisa ser interrompida.

Contribuindo para essa ruptura, a inserção da astronomia teria conotações tanto para a formação inicial quanto para a continuada, possibilitando uma provável mudança de postura nos professores formandos e nos que já concluíram seus cursos e que atuam no ensino dos anos iniciais. Ao passo que não sentimos grandes mudanças a esse respeito nos cursos de formação inicial, há a execução de vários cursos de astronomia de curta duração para professores, muitos deles denominados de “formação continuada”, alguns com o objetivo de tentar recuperar a lacuna deixada pela formação inicial com relação a conteúdos e metodologias de ensino deste tema. No entanto, preocupa-nos o fato de estes cursos estarem dando conta das necessidades formativas dos professores com relação ao ensino da astronomia, a fim de conduzir a uma mudança da prática docente, o que ultrapassaria um modelo formativo predominantemente conteudista. Estas inquietações nos levam a perguntar: em que medida um curso de curta duração sobre ensino da astronomia pode fornecer subsídios para a construção da autonomia docente em seus participantes? Estreitando esta questão, buscamos caminhos para responder o seguinte questionamento central, que norteou a presente pesquisa: quais são os principais elementos formativos que um programa de educação continuada em astronomia deve contemplar no sentido de fornecer subsídios para a construção da autonomia nos professores dos anos iniciais do ensino fundamental?

A busca pela resposta desta problemática central nos levaria à elaboração de uma hipótese que elencaria os elementos formativos em questão. Porém, dada a complexidade desta tipologia de investigação e a quantidade de variáveis influenciadoras, reconhecemos a dificuldade em elaborar uma hipótese única e fechada, a fim de apresentá-la nesta introdução. Assim, não temos o objetivo primário de provar uma hipótese construída antecipadamente. Isto está em conformidade com a concepção de pesquisa qualitativa, em que nem sempre é desenvolvida com o objetivo de responder ou testar hipóteses, mas existe um contato aprofundado com os indivíduos, nos seus contextos ecológicos naturais (BOGDAN e BIKLEN, 1994). Sobre a formulação de hipóteses em trabalhos de pesquisas, Gil (1996) declara que não há a possibilidade de enunciá-las formalmente em todos os casos, principalmente naqueles estudos em que o objetivo é o de descrever determinado fenômeno ou elencar as características de um grupo ou situação, o que desobrigaria a apresentação de uma hipótese como um requisito fundamental para o trabalho.

Em nosso caso, sentimos a efetivação destas afirmações ao tentar formular, com relativa resistência inicial, uma hipótese específica para a nossa tese, devido ao fato de abranger uma considerável amplitude de problemáticas e complexidade de variáveis, com uma série de questões orbitantes referentes à relação formação docente/educação em astronomia no Brasil. Após diversas discussões e reflexões centradas em possíveis hipóteses sugeridas, definimos uma única e central, mas que não descarta tantos outros questionamentos e respostas possíveis encontrados nesta pesquisa. Assim, embora apresentemos, a seguir, uma hipótese específica que nos norteou durante o trabalho, procuramos, ao mesmo tempo, não desconsiderar alguns dos outros apontamentos que descrevem o fenômeno estudado, com os elementos formativos envolvidos segundo as características do grupo de professores constituintes de nossa amostra.

Portanto, afirmamos que o caminho para se encontrar uma possível resposta ao questionamento central reside na seguinte hipótese: na medida em que um curso de curta duração (em geral, denominado de “formação continuada”) contempla resultados de pesquisa sobre educação em astronomia e outros elementos formativos, este pode fornecer subsídios para a construção de saberes docentes condutores a trajetórias formativas que lhes apontem alguns indícios de autonomia para o ensino deste tema, sem, entretanto, garantir-lhes a mesma. Reforçamos, porém, que este trabalho de investigação qualitativa não se delimitou na preocupação exclusiva de confirmar esta hipótese pré-formulada, conforme justificativas acima expostas. Além disso, ao buscar uma resposta provisória à nossa problemática norteadora, apenas nos seria possível elencar, nesta hipótese, elementos formativos que já foram identificados em resultados de pesquisas realizadas anteriormente. Assim, como pretendemos investigar tais elementos formativos durante a execução deste trabalho, apenas poderemos relacioná-los quando da apresentação de nossos resultados.

Portanto, a fim de buscar possíveis respostas à problemática central sobre a exploração dos principais elementos formativos condutores à autonomia docente para o ensino da astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental, esta pesquisa interpreta, além de outros aspectos secundários, a influência que um curso desta natureza exerce sobre a prática docente. Para isso, elaboramos um procedimento de coleta e análise dos dados constituídos a partir de uma pluralidade de técnicas e aportes metodológicos de investigação, usando como base as fundamentações gerais sobre formação continuada de professores, bem como a questão das trajetórias e modelos formativos, a mobilização dos saberes docentes, o papel da racionalidade prática na formação profissional, e os resultados de pesquisas sobre educação em astronomia.

Deste modo, alguns objetivos foram delineados como princípios condutores a esta pesquisa:

- Objetivo geral:

Explorar os principais elementos formativos em um programa de formação docente em astronomia, utilizando uma metodologia dotada de aspectos tanto formativos quanto investigativos, a fim de repensar a formação de professores em relação ao ensino deste tema nos anos iniciais do ensino fundamental.

- Objetivos específicos:

a) levantar problemas e dificuldades durante processos formativos docentes, propondo perspectivas e apontando ações de melhoria em programas de formação continuada em astronomia para professores dos anos iniciais do ensino fundamental;

b) investigar as práticas didático-pedagógicas, as trajetórias formativas de professores e o processo de construção de saberes docentes durante um curso de curta duração sobre educação em astronomia para professores dos anos iniciais do ensino fundamental;

c) analisar como a abordagem de conteúdos específicos, metodologias de ensino, e resultados de pesquisa na área de educação em astronomia, podem mediar a construção da autonomia dos professores participantes de um curso de curta duração;

d) verificar as possíveis mudanças da prática pedagógica de professores com relação ao ensino de tópicos de astronomia introdutória, a partir de suas reflexões;

e) subsidiar futuros processos de reestruturação curricular em programas de formação inicial e continuada, visando a contemplação de temas relacionados a educação em astronomia;

f) elaborar um panorama geral da educação em astronomia no Brasil, a fim de fundamentar nossa pesquisa e futuros programas de formação continuada para o nível proposto.

Além da questão central, há outras questões orbitantes que contornam o nosso trabalho: o que e como ensinar astronomia para professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental? O que esses professores precisam saber e saber fazer sobre astronomia? Por que ensinar astronomia, afinal? Quais características distinguem a astronomia das demais ciências? Quais são os fatores mais relevantes para o desenvolvimento das práticas didático-pedagógicas de professores dos anos iniciais do ensino fundamental com relação à educação em astronomia? Como professores dos anos iniciais do ensino fundamental utilizam, através de seus processos formativos, diferentes abordagens no ensino de astronomia? Quais são as possíveis dificuldades que surgem durante um processo de formação continuada na área de educação em astronomia para professores dos anos iniciais do ensino fundamental? Como professores dos anos iniciais do ensino fundamental determinam o que precisam saber e saber fazer sobre educação em astronomia ao refletirem sobre a sua prática? Onde eles buscam mais informações para trabalhar este tema? Como ocorrem os processos de transformação e construção de saberes docentes numa amostra de professores dos anos iniciais do ensino fundamental durante as práticas de um curso de curta duração na área de educação em astronomia? Com relação ao estudo da educação em astronomia, quais foram os trabalhos nacionais na última década e o que estes indicam? E quais as possíveis relações entre os estabelecimentos dedicados à astronomia e a comunidade escolar, assumindo o potencial do papel integrador da pesquisa sobre educação em astronomia? Que articulações seriam possíveis neste sentido?

Para atingir os objetivos propostos e responder às questões levantadas, fundamentamo-nos em um levantamento bibliográfico sobre o ensino da astronomia no Brasil e sobre a formação continuada de professores, levando-se em conta os autores da área, os documentos oficiais nacionais, e os resultados de pesquisas anteriores relatados em artigos, eventos, teses e dissertações em anos recentes.

Investigou-se fatores relevantes para o desenvolvimento da prática docente em uma amostra de professores dos anos iniciais do ensino fundamental, durante um curso de curta duração (em geral, denominado de formação continuada) na área de educação em astronomia. Os dados foram analisados a partir das gravações em vídeo de todo o curso de curta duração sobre educação em astronomia, o qual ocorreu em quatro momentos: levantamento das necessidades e expectativas dos professores antes do planejamento do curso, através de um questionário; mediação reflexiva para a preparação de planos de aula com tópicos de astronomia; aplicação dos planos de aula com os seus próprios alunos, registrando-se as aulas em vídeo; reflexão da/sobre/para a própria prática docente mediante a análise conjunta das filmagens destas aulas.

Para o estudo dos dados assim constituídos, usamos como pano de fundo os procedimentos da análise de discurso em suas condições de produção, aliado aos moldes da autoconfrontação interagida com uma pluralidade de outras técnicas de pesquisa em educação, resultando em um procedimento metodológico único em nosso trabalho. Como indica os objetivos deste trabalho, não foi nossa intenção identificar todos os elementos formativos envolvidos, mas somente aqueles que consideramos principais e limitados ao nosso poder de atuação investigativa. Por fim, a partir dos resultados, apontamos os principais elementos formativos de um programa de formação continuada em astronomia, bem como perspectivas e direções sugeridas, constituindo-se em propostas que visam a articulação de meios para o enfrentamento dos problemas levantados neste e em trabalhos anteriores, relacionados à educação em astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental (um esquema e um substrato da tese podem ser encontrados no apêndice 04, clicando aqui).

Dividimos, portanto, este texto em quatro partes: a caracterização do trabalho (1), a fundamentação teórica (2), o desenvolvimento da pesquisa (3) e as considerações finais (4).

No item 2.1 – Formação de professores – apresentamos definições de alguns autores para os termos formação, formação inicial e formação continuada, as fases da formação inicial e continuada e sua influência na história de vida dos professores, abordando algumas de suas trajetórias e etapas. Procuramos resgatar brevemente o histórico das pesquisas sobre formação docente, identificando diversos modelos formativos existentes e propostas de formação, sistematizando resumidamente algumas das possíveis aproximações entre os modelos, propostas, teorias e tendências formativas, as quais fornecem subsídios para formar o profissional do ensino. Pensando nesta profissionalização docente, apoiada por documentos oficiais, destacamos alguns elementos importantes, tais como a autonomia do professor, a contraposição da racionalidade técnica e racionalidade prática, o professor como um profissional reflexivo e como um pesquisador, e por último, a definição das competências, habilidades, conhecimentos e saberes docentes. Arriscamos em realizar aproximações entre as tipologias dos saberes docentes, conforme indicam as pesquisas de alguns autores da área. Finalizamos o capitulo com uma tentativa em sugerir uma triangulação formativa convergente para a autonomia docente, procurando sintetizar a fundamentação teórica até então apresentada, ao mesmo tempo em que se presta de dispositivo analítico.

No item 2.2 – Educação em astronomia – fornecemos uma visão geral da educação em astronomia no Brasil, com alguns exemplos internacionais que mostram como alguns países alteraram o seu currículo nacional devido à atuação decisiva de associações de astronomia e ciências afins. Discutimos algumas características intrínsecas encontradas nos processos de ensino e aprendizagem de conteúdos de astronomia que a distingue de outras disciplinas, justificando a importância de trabalhar este tema em ambientes escolares. Comparamos os conteúdos para o ensino deste tema conforme sugeridos por algumas fontes, bem como suas metodologias de ensino. Apresentamos possíveis respostas para: o que, como, quem, onde e por que ensinar astronomia. Relacionamos estabelecimentos brasileiros que oferecem oportunidades de formação inicial e continuada nesta área, comentando alguns dos processos formativos praticados. Mostramos como os trabalhos de observatórios, planetários e astrônomos amadores, podem influenciar em processos formativos docentes em relação ao ensino e à divulgação deste tema. Finalizamos o capítulo por apresentar brevemente um panorama geral da produção científica nacional recente sobre a educação em astronomia, sem, contudo, preocupar-se com uma análise exaustiva de todo o material produzido.

No item 3.1 – Metodologia da pesquisa – indicamos os fundamentos metodológicos que contemplamos em nossa pesquisa e as estratégias e técnicas para a coleta dos dados constituídos. Apontamos a utilização da investigação qualitativa avaliativa e decisória, ao passo que enfatizamos o caráter subjetivo de tais estudos. Comentamos aspectos problemáticos e eficazes do ambiente principal de nosso interesse de pesquisa: um curso de formação continuada e suas ações formativas. Reforçamos a importância que deve ser dada ao diagnóstico pré-curso e ao levantamento de concepções, necessidades, expectativas e preocupações dos professores participantes. Discutimos as técnicas e metodologias empregadas em nosso estudo, tais como as denominadas autoconfrontação, coaching, estimulación de recuerdo, focus group, registros em vídeo, além de experimentarmos uma metodologia específica elaborada para o ensino e pesquisa em nosso programa de formação continuada. Para a leitura dos dados, utilizamos como pano de fundo os princípios e métodos da análise de discurso.

No item 3.2 – Análise dos dados constituídos e resultados – analisamos os dados, constituídos a partir do pré-diagnóstico e dos encontros do curso, sob a luz dos procedimentos metodológicos comentados nos capítulos anteriores, procurando caracterizar a amostra, segundo os processos formativos docentes e a fundamentação sobre educação em astronomia. Os momentos discursivos dos encontros, alguns dos quais ocorreram segundo o grupo focal, são interpretados à base da análise do discurso, como pano de fundo. Fundamentando-se principalmente na metodologia de investigação elaborada para este caso (MEPPFOCO), os resultados apontam para a elaboração de subsídios que apóiem futuros programas de formação continuada sobre educação em astronomia, levando-nos, ao mesmo tempo, aos elementos formativos que procuramos.

Que os próximos capítulos possam, portanto, contribuir para um repensar sobre a formação continuada dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental (optamos por usar letras maiúsculas apenas para nomes próprios e designações especiais, de modo que termos tais como ensino fundamental e educação em astronomia permanecerão minúsculos), através da identificação e exploração dos principais elementos formativos condutores a indícios de autonomia docente para o ensino deste tema.

 

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.