3.2.1

 3.2.1 Resultados a partir do instrumento pré-diagnóstico

 

Preparou-se um questionário pré-diagnóstico geral, o qual foi entregue à Secretaria Municipal de Educação de Bauru (SME), repassando-o aos professores das escolas a ela subordinada, quatro meses antes do início do curso, conforme já discutido no item anterior. O planejamento inicial era de que as respostas destes questionários nos revelassem uma noção da situação didático-pedagógica dos professores em relação ao ensino de conteúdos de astronomia. A partir destas noções e das suas respostas, selecionaríamos uma amostra de docentes para participarem do curso. No entanto, a metodologia de trabalho da SME não possibilitou que tal seleção se concretizasse sob nossos critérios, pois as próprias escolas se encarregaram desta função, porém, sem comunicar-nos quais os critérios utilizados para a seleção dos professores. Assim, a seqüência foi: a SME enviou o convite às escolas (60 de educação infantil e 15 de educação fundamental) e os primeiros docentes que se inscreveram e preencheram as 20 vagas constituíram-se em candidatos ao curso.

Foram 87 questionários preenchidos e devolvidos, enviados pela SME, mediante a Coordenadora Pedagógica, a um número desconhecido de escolas municipais diferentes (a matriz deste questionário pré-diagnóstico geral se encontra no apêndice 01, clicando aqui). A elaboração da estrutura dos questionários baseou-se em demais pesquisas da área que também explicaram a utilização deste instrumento metodológico, alguns sobre educação em astronomia e ciências afins, tais como em Nardi e Carvalho (1996), Baxter (1989), Barrabín (1995), Moura e Vale (2001), Garrido (2007), Garcia (1999), e Maluf (2000), por exemplo.

Embora os resultados destes questionários não sejam decisivos nem determinantes para o planejamento final do nosso curso, eles forneceram importantes elementos para um planejamento inicial e esquemático do mesmo, a partir das necessidades e expectativas mais freqüentes que surgiram nas respostas, conforme analisadas a seguir. Isto evitou que se constituísse um programa pré-definido pela universidade que não leva em conta o público-alvo (ZEICHNER, 1993; PERRENOUD, 1999 e 2002). Além disso, os resultados deste levantamento pré-curso constituem-se em importantes fontes de informações sobre uma futura amostra que se constituiria a partir deste universo, uma vez que se limitou o número de vagas para o curso em apenas 20, pois grupos maiores podem dificultar tanto o trabalho de ensino-aprendizagem (ações formativas) quanto a coleta de dados (pesquisa).

Consideremos, a partir de justificativas e a análise das perguntas utilizadas nos 87 questionários (apêndice 01, clicando aqui) agora, as e das respostas coletadas.

No texto inicial do questionário, esclarece-se ao professor que o questionário possui um caráter diagnóstico e não avaliativo, uma vez que autores da área recomendam um levantamento prévio das necessidades e expectativas dos docentes antes que se elabore qualquer programa de formação continuada (GARCIA, 1999). Identifica-se, ao leitor do questionário, os atores envolvidos, como a UNESP (departamentos de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, nomes dos pesquisadores, os autores), e a Secretaria Municipal de Educação de Bauru. Quanto às recomendações de preenchimento, salientamos que as questões foram abertas e que deveriam ser lidas com atenção antes de respondê-las de modo sincero e espontâneo. Em sua parte final, um breve agradecimento e a garantia da preservação do anonimato para o pesquisado, contribuem para a naturalidade com que o questionário talvez tenha sido respondido. Estas considerações iniciais, explicações sobre os objetivos do questionário e instruções de preenchimento são relevantes e influenciadoras no tocante ao modo como o pesquisado decidirá preenchê-lo (GIL, 1991 e 1996). Após estas considerações gerais apresentadas no próprio questionário, solicitamos algumas informações do professor, específicas para o tema de nossa pesquisa.

Informações pessoais tais como idade, tempo de experiência como professor, série que leciona e curso de formação inicial, foram essenciais para termos uma idéia aproximada e antecipada da nossa amostra de pesquisa, bem como para desenhar adequadamente um curso de formação continuada que atendesse às especificidades daquele grupo dentro de seu próprio contexto. Os cursos de formação e as séries assumidas pelos professores são aspectos que também foram levados em conta no planejamento de atividades formativas. As idades e o tempo de experiência nos dão uma dimensão temporal de uma futura amostra que talvez seja proveniente deste universo. Quanto ao uso de tecnologia voltada à educação, o nosso interesse foi mapear o acesso à internet que os professores possuíam, tanto em sentido institucional (ambiente, permissão, disponibilidade de uso) como pessoal (dificuldades com esta ferramenta, regularidade de utilização). Este tipo de informações lançam luz sobre uma possível intenção de continuidade no contato com e entre os professores, mesmo após os encontros programados durante o curso, o que deveria promover naturalmente a idéia da continuidade formativa além de um curso de curta duração formalizado como formação continuada (GARCIA, 1999; BRASIL, 2001; PACHECO, 1995), ou ao menos um contato informal para o envio posterior de informações e materiais didático-pedagógicos sobre educação em astronomia. Das 87 respostas aos questionários, 79 professores (91%) indicaram que acessam a internet com freqüência e não apresentam dificuldades com relação a sua utilização, ao passo que seis (7%) costumam usá-la de modo eventual, o que totaliza 98% de professores da amostra com acesso a esta ferramenta. Duas respostas mostraram que ainda há docentes, embora minoria, que não consultam esta fonte.

Arremetendo aos aspectos temporais da amostra, encontramos uma idade máxima de 57 anos de vida, enquanto o docente mais jovem possuía 22 anos. Quanto ao tempo de experiência, o maior encontrado foi de 27 anos, em contraste com um professor de menos de 1 ano de tempo de trabalho. Houve seis abstenções de respostas em relação à idade, e três em relação ao tempo de experiência. Assim, nesta primeira amostra mais ampla, encontramos as seguintes médias: idade, 37 anos, e tempo de experiência, 11 anos.

A maior parte dos professores, que responderam os questionários, lecionava nos anos iniciais do ensino fundamental (71 respostas), ao passo que 20 respostas indicaram que o seu trabalho se dava nas séries finais do mesmo nível de ensino. Conforme mostraram as respostas, o mesmo professor pode atuar nestas duas fases do ensino fundamental. Quanto aos demais níveis de ensino, encontramos quatro professores atuando no ensino médio, dois na EJA, e dois na educação infantil. Apenas um não estava atuando como professor e dois não responderam a esta pergunta.

Visando caracterizar os cursos de formação inicial dos professores desta amostra pré-diagnóstica, estabelecemos a seguinte classificação segundo a relação que sua estrutura curricular supostamente mantém com o ensino de conteúdos de astronomia (o número em parênteses indica quantas respostas apareceram):

a) conjunto de cursos com maior probabilidade de contemplar conteúdos desta natureza: as licenciaturas em Ciências Biológicas (3), Ciências com habilitação em Biologia (1), Ciências (1), Ciências com habilitação em Química (1), Matemática (2), e Geografia (8);

b) conjunto de cursos com menor probabilidade de contemplar conteúdos desta natureza: as licenciaturas em História (6), Artes ou Educação Artística (9), Educação Física (3), Letras (7), e os cursos de Desenho Industrial (1), Serviço Social (1), Filosofia (1), Psicologia (3);

c) curso de Pedagogia, diretamente ligado ao nível de ensino de principal interesse nesta pesquisa, a saber, os professores dos anos iniciais do ensino fundamental.

As respostas dos 87 questionários apontaram que 54% da amostra são provenientes de Pedagogia (47 respostas); 36% do conjunto de cursos com menor probabilidade de contemplar conteúdos de astronomia (31 respostas); 18% de cursos com maior probabilidade de contemplar tais conteúdos, com 16 respostas (vale lembrar que um mesmo professor pode ter cursado mais de um dos cursos mencionados). Sete professores cursaram ou estavam cursando uma especialização ou pós-graduação, resultando em 8% da amostra (1 em Psicopedagogia, 3 em especializações não especificadas, e 3 em uma pós-graduação também não identificada). Quatro professores não possuíam um curso de graduação (5%) e três não responderam a esta pergunta (3%). Inferindo a possibilidade de omissão da resposta como a não participação em um curso de formação inicial, totalizariam sete professores (8%) sem a passagem por esta trajetória formativa docente.

Visto que resultados de pesquisa têm indicado falhas e faltas de conteúdos de astronomia básica em cursos de formação inicial de professores do ensino fundamental (BARROS, 1997; BRETONES, 1999; FRAKNOI, 1995; MALUF, 2000), procuramos identificar quaisquer vestígios de aulas ou orientações envolvendo conceitos de astronomia na formação inicial deles. Conforme apontam alguns de nossos trabalhos anteriores, diversos professores que não receberam orientações sobre este tema nesta etapa formativa, buscam em outras fontes informações atualizadas para as suas aulas (LANGHI, 2005; LANGHI e NARDI, 2007a, 2008 e 2008a), sendo que os cursos específicos em astronomia constituem-se em uma destas fontes de especial interesse nesta pesquisa. De modo que uma das questões nos indicava o tipo, localização, duração e o momento de um eventual curso de astronomia (ou outro) que o docente teria participado.

As respostas desta amostra mostram que grande parte dos professores, de fato, não trabalharam conteúdos de astronomia durante sua trajetória de formação inicial, pois 68 deles (78%) responderam negativamente, ao passo que 19 (22%) mencionaram que revisaram temas de astronomia superficialmente ou de maneira bem reduzida. Quanto a cursos extracurriculares não relacionados com astronomia, suas respostas indicaram 48 professores (55%) manifestando-se participantes de algum curso desta natureza. Apenas quatro admitiram (4%) não terem participado, e 35 docentes (40%) deixaram a resposta em branco, indicando, muito provavelmente, a sua não participação nestes cursos específicos, o que podem incluir cursos denominados de formação continuada. Caso esta hipótese seja verdadeira, isto indicaria um total de 44% nestas condições. Alguns exemplos destes tipos de cursos incluem: jogos teatrais, música, dança, alfabetização, educação ambiental.

Quanto a cursos de curta duração sobre astronomia, apenas 7% (6 respostas) afirmaram ter realizado um curso desta natureza, ao passo que 93% (81 respostas) não participaram em processos formativos com esta temática. Embora solicitado, no questionário, maiores detalhes sobre os cursos de astronomia dos participantes que responderam positivamente, suas respostas identificaram apenas breves descrições sobre os mesmos: curso preparatório para a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (capacitação), Centro de Estudos do Universo (um dia de duração), educação a distância (internet), Pró-vida (20 horas), curso de aperfeiçoamento (UNESP do campus de Presidente Prudente). Um dado de destaque é que nenhuma destas respostas de participação em cursos de curta duração de astronomia menciona visitas a observatórios ou planetários, conforme procura levantar uma pergunta posterior do questionário. Em outras palavras, não conseguimos estabelecer uma relação entre estes cursos e a prática observacional, isto é, provavelmente tais cursos objetivavam a atualização de conteúdos, sem a preocupação de uma efetivação da prática docente ou de observação do céu.

Questionando sobre quais temas de astronomia, e como o professor costuma trabalhar com seus alunos tais conteúdos, acreditamos ser possível identificar em suas respostas, ou na ausência delas, até que ponto o docente está envolvido com os conteúdos sugeridos pelos documentos oficiais do país, como os PCN, por exemplo, que apóiam o ensino de conceitos de astronomia na educação básica, conforme já comentado em capítulos anteriores.

Segundo a análise de discurso, conforme fundamentado nos trabalhos de Maingueneau (1996, 1997 e 2002) e Orlandi (1996, 2000 e 2002), no não-dizer há sempre um dizer, de modo que a abstenção em responder esta pergunta, ou respostas gerais e não específicas, parecem subentender que o professor não trabalha conteúdos de astronomia. Portanto, nesta questão, associamos as respostas em branco e as negações como sinônimos, ou seja, 31 professores (36%) não trabalham fundamentos de astronomia em suas aulas. O restante (64%) das respostas afirmativas indicou alguns conteúdos, conforme alistados abaixo, em ordem decrescente de freqüência de surgimento:

O trabalho com estes conteúdos incluiu, nas respostas, as seguintes metodologias mencionadas pelos professores: materiais concretos, dramatizações, maquetes, leituras, filmes, simulações, aulas expositivas, figuras de livros, desenhos, Google Earth (software que apresenta o planeta Terra conforme visto por um observador em diversas altitudes), livros paradidáticos, pesquisas (trabalhos escolares), experiências (experimentos), observação, construção de aparelhos de medição (talvez uma alusão a instrumentos como o relógio de Sol), informática, modelos de isopor, softwares, representação corporal, internet, documentários, textos informativos, histórias contadas, debates, vídeos, reportagens, globo, recortes de jornais.

Contudo, pensando nas diferentes realidades existentes em um território tão amplo como o nosso país, nem sempre as sugestões governamentais de trabalho com conteúdos específicos de astronomia, segundo consta nos PCN, podem ser estritamente cumpridas pelo profissional do ensino. Por isso, ao perguntarmos sobre a opinião dos professores, contextualizados na cidade de Bauru e região, com relação aos tópicos de astronomia que eles próprios sugerem acrescentar ou retirar do programa direcionado para a sua série, visamos levantar opiniões pessoais sobre a real adequação dos conteúdos de astronomia para cada idade escolar, visto que os professores vivenciam situações de trabalho, as quais, nós, pesquisadores, na maioria das vezes, não temos acesso. Apoiando-se em seus próprios saberes experienciais, o professor poderá usar a sua autonomia para selecionar conteúdos de astronomia específicos e aplicáveis às necessidades do público com quem lida em sala de aula. Quais destes conteúdos seriam mais apropriados é o tipo de informação que intencionamos também levantar a partir de suas respostas.

Embora muitos afirmassem que precisariam conhecer melhor o tema para responder a esta questão, encontramos algumas sugestões de conteúdos a serem removidos ou acrescentados no ensino de astronomia. Confirmamos, portanto, que, por falta de domínio de conteúdos específicos (saberes disciplinares), os professores não conseguem autonomia para sugerir ou selecionar temas específicos, resultado também encontrado em outras pesquisas que efetuaram levantamentos semelhantes (NARDI e BASTOS, 2008). Conforme as respostas da amostra, os seguintes conteúdos foram eleitos para remoção do currículo: planetóides, elipses, asteróides, planetas, observação dos astros pela internet, astronomia na educação infantil, folclores e mistificações (“pois distorcem a realidade”, conforme a justificativa fornecida por um dos professores). Por outro lado, a quantidade de sugestões de conteúdos para inclusão no ensino superou em número a dos itens eleitos para supressão, talvez indicando que há maior carência de conteúdos significativos de astronomia do que tópicos aparentemente sem sentido para o aluno e professor. Também apareceram nas respostas breves comentários sobre as metodologias de trabalho com estes conteúdos, o que nos permitiu elaborar a seguinte classificação:

Nota-se que alguns conteúdos mencionados pelos professores para inclusão já fazem parte da estrutura curricular e deveriam estar sendo trabalhados; assim, o fato de serem citados manifesta-se como um forte indício de que não estão sendo considerados pelo trabalho docente destes sujeitos da amostra. Portanto, podemos inferir, através destas respostas, que determinados conteúdos de astronomia (tais como: planetas, movimentos da Terra, fases da Lua, história da astronomia) não são ensinados pelos professores por falta de domínio do mesmo, ou seja, por carência de saberes disciplinares nesta área do conhecimento, embora sejam contemplados oficialmente no programa do ensino fundamental.

Além disso, é transparente certas carências da parte do profissional do ensino em relação aos seus saberes didáticos do conteúdo, tal como se evidencia nas sugestões de formas de trabalho com conteúdos de astronomia, pois manifestam-se em suas respostas necessidades de como interdisciplinarizar a astronomia, estabelecendo relações com o cotidiano humano e com questões ambientais; a carência de ambientes não formais de ensino de ciências, próximos das escolas, tais como planetários, museus e observatórios; a inexperiência em astronomia observacional, seja ela a olho nu (materializando-se em uma simples observação do céu e reconhecimento de constelações), seja ela através de telescópios, os quais constituem-se em outra carência instrumental do ensino; a falta de confiança em uma das principais fontes de informação, os livros didáticos.

Visto que a trajetória formativa do professor durante um curso de formação inicial geralmente não lhe fornece subsídios para se trabalhar com conteúdos de astronomia, os professores buscam outras fontes de consulta para embasarem seus conhecimentos acerca dos saberes disciplinares a que não tiveram acesso, ou se tiveram, não em grau suficiente para lhes assegurar uma autonomia didática. Por isso, procuramos identificar em uma das perguntas deste questionário as principais fontes de consulta que eles utilizam para obter informações sobre astronomia para suas aulas.

Como resultado para esta amostra, elegeu-se duas principais fontes de consulta para as aulas: a internet (44 respostas, ou 51% dos questionários) e o livro didático (34 repostas, ou 39% dos questionários). Estes dados numéricos talvez indiquem até que ponto a inclusão digital pode afetar o trabalho docente, uma vez que esta fonte de consulta digital aparentemente esteja superando o que, no passado, era a principal fonte para suas aulas de astronomia, o livro didático, conforme mostram pesquisas anteriores (LANGHI, 2007). Porém, quais critérios estariam sendo utilizados na escolha de homepages confiáveis não foram abordados nesta pesquisa e nem eram o nosso objetivo, mas é preocupante imaginar quais tipos de informações estariam sendo consultadas na internet por professores despreparados com relação à atitude crítica frente a estes meios.

No entanto, um ponto importante a não ser desconsiderado é o número de abstenções de respostas a esta questão: 30 professores (34%), o que pode ser compreendido como um indicativo de que o sujeito talvez tenha interpretado tal questão no sentido de citar fontes de consultas alternativas ao livro didático, e que este estaria subentendido como publicação óbvia a ser utilizada na sala de aula. Analisando este dado sob este ponto de vista, a consulta ao livro didático comporia, no mínimo, um percentual de 73%, ou 64 respostas, e neste caso, esta fonte de consulta continuaria sendo a principal, em detrimento da internet. Por outro lado, uma outra alternativa pela abstenção das respostas talvez subentenda que tais professores não lecionem conteúdos de astronomia, como, de fato, alguns escreveram literalmente. Sob esta hipótese, teríamos de desconsiderar estas 30 respostas em branco, o que nos retorna à situação primeira, em que a internet reivindica sua posição principal como fonte consultada pelos professores. Outras fontes também citadas foram: livros paradidáticos (11 respostas ou 13%), revistas populares de divulgação científica (11 respostas ou 13%), notícias e documentários em jornais, TV, e revistas correntes (7 respostas ou 8%). Contudo, o silêncio com relação a demais fontes de informações pode revelar a sua não consulta. Por exemplo, algumas fontes que não foram aqui relatadas, mas que foram identificadas em trabalhos anteriores (LANGHI e NARDI, 2007a) – PCN, cursos, palestras, outros professores, e profissionais da área – talvez indiquem o descompromisso, mas não o desconhecimento, com estes itens.

A astronomia e a astrologia possuem objetivos diferentes, apesar de ambas basicamente estudarem o céu. A última tem se cristalizado, na era moderna, em previsões de horóscopos, encontrados em ferramentas de divulgação midiática, tais como jornais, revistas e rádio, o que provocou uma crescente e generalizada popularização de concepções sobre influências que os astros exercem na vida de seres humanos, sendo que muitos, inclusive professores, concebem a astronomia como sinônimo de astrologia (LANGHI e NARDI, 2007). O interesse pelos horóscopos levantado no questionário fornece pistas sobre estas concepções entre os docentes, auxiliando-nos na elaboração de estratégias de trabalho com eles durante um programa de formação continuada em astronomia.

No caso desta amostra, a maior parte dos professores afirma não haver contato com horóscopos (60 deles, ou 68%), ao passo que 14 professores admitiram o seu interesse eventual e 13 com mais freqüência de consultas (32% de respostas positivas).

Embora seja possível ensinar astronomia sem o uso de um telescópio, acreditamos que o uso deste instrumento que amplia um de nossos sentidos, a visão, pode despertar a curiosidade científica naqueles que observam pela primeira vez as crateras e montanhas da Lua, os anéis de Saturno, nuvens na atmosfera superior de Júpiter, aglomerados de centenas de milhares de estrelas, nebulosas e galáxias. De fato, a visão do universo através de um telescópio pode ficar marcada na memória, em contraste com aqueles que o observam à vista desarmada ou através de uma tela ou monitor de vídeo (TOWNSEND,1998; BEATTY, 2000; ORMENO, 2000; GOULD, DUSSAULT e SADLER, 2007; TORRES, 2004; MALLMANN e RASIA, 2000). Quantos professores têm, ou já tiveram, acesso a um telescópio para terem observado, ao menos uma vez, algum astro do Sistema Solar ou fora dele, é uma das respostas e impressões que procuramos obter desta amostra de professores.

Em nossa amostra, 78% dos professores nunca observaram através de telescópios (68 professores), e 15% apenas uma vez (13 professores). Dos 87 professores, apenas seis usaram um telescópio mais de uma vez, o que constitui 7% da amostra, confirmando os resultados da bibliografia de pesquisas da área. Isto atesta, também, o que já foi comentado nos capítulos anteriores sobre a necessidade de um trabalho adequado às necessidades do trabalho docente, quando lhe faltam materiais e instrumentos, tal como um telescópio e como usá-lo, bem como saberes disciplinares e saberes didáticos do conteúdo a ser ensinado. Um dos projetos que tentam reverter parcialmente esta situação é o aplicado regionalmente pelo Observatório Didático Astronômico da UNESP/Bauru, com o envolvimento de professores (em exercício e em formação) na construção artesanal de telescópios, visando, dentre outros objetivos, equipar escolas com este instrumento (SCALVI et al, 2006).

Além disso, o uso de telescópios é sugerido pelos PCN, os quais também investem nas visitações em estabelecimentos não escolares que contemplem a pesquisa e o ensino de astronomia, tais como observatórios e planetários, bem como a sua importante atuação na educação e na cultura científica (BRASIL, 1997 e 1999). Por isso, uma das perguntas do questionário envolvia o objetivo de investigar quantos professores tiveram a oportunidade de realizar tais atividades extraclasse e com que freqüência e planejamento.

Os dados da amostra apontam que 64% (56 respostas) dos professores nunca tinham visitado um observatório ou um planetário, ao passo que 15% já haviam visitado um planetário levando seus alunos, e 9% sem levar alunos, por interesse pessoal. Nenhum professor havia levado seus alunos a conhecer um observatório, enquanto que 3% já haviam visitado um estabelecimento desta natureza por conta própria. Grande parte das respostas afirmativas a esta questão deve-se ao fato de que um planetário móvel tenha sido instalado durante alguns dias em uma das escolas da região. Outros estabelecimentos relacionados mencionados foram, em ordem decrescente de quantidade de vezes em que o item surgiu nas respostas: Centro de Estudos do Universo em Brotas (SP), Observatório de São Carlos (SP), Observatório de Campinas (SP), Observatório da UNESP de Bauru (SP), Estação Ciência (SP), planetário do Parque do Ibirapuera (SP), Pampulha em Belo Horizonte (MG). Entendemos que estes dados numéricos refletem a carência regional (Bauru, SP) de planetários fixos e portáteis públicos que possam atender a demanda de escolas e a popularização e ensino deste tema. Mesmo em nível nacional, há apenas cerca de 30 planetários fixos em funcionamento, sendo que o mais próximo, das escolas dos professores da amostra, constitui-se em um de médio porte e localiza-se na cidade de Brotas, a cerca de 70 km de distância. No entanto, trata-se de uma instituição particular, o que dificulta o acesso de alunos provenientes de escolas da rede pública de ensino, devido aos valores financeiros praticados. Assim, as opções de planetários públicos mais próximos são os de Campinas e Presidente Prudente (na ocasião, desativado), todos a distâncias maiores que a do particular acima mencionado. Tentando descrever o uso do telescópio, alguns professores relataram algumas das impressões que tiveram ao observar: "fascinante e desperta o desejo de se aprofundar no assunto", e outro relato atribui uma afetividade: “foi maravilhoso". Por outro lado, em algumas respostas, cujos professores indicaram que nunca usaram um telescópio, comentários foram acrescentados por iniciativa própria (sem a solicitação na pergunta), e que representam a curiosidade neste sentido: “eu gostaria muito”, “apreciaria muito a oportunidade”, "adoraria", "tenho vontade, pois acho que teria outra perspectiva sobre o assunto".

Devido ao motivo principal de sua formação inicial limitada em saberes disciplinares de astronomia, algumas dúvidas podem surgir durante a atuação profissional dos docentes, principalmente quando alunos lhes questionam temas que interessam a eles ou relacionados a notícias de descobertas sobre o universo, que geralmente tomam conhecimento antes de se dirigirem para a escola. Assim, o questionário previu perguntas desta natureza da parte dos próprios professores ou dúvidas já levantadas por estudantes em sala de aula e que os docentes não souberam responder adequadamente.

Algumas destas perguntas que seus alunos lhe fizeram estão listadas a seguir: quem é maior, Terra ou Sol? Como ficamos parados na Terra se ela é redonda? Por que ficamos de cabeça para baixo e não percebemos? Por que não sentimos a Terra girar? Como os planetas conseguem girar em torno do Sol se ninguém os roda? O que são estrelas? O que acontece com as estrelas depois que caem? De que é feito um meteoro? Há vida em outros planetas? Quem são os habitantes em outros planetas? Por que não há vida em outros planetas? O que são discos-voadores? Você acredita em ETs? Como nascem os planetas? Como são os planetas? Quais são os planetas fora do Sistema Solar? Como construir um telescópio? Por que parece que a Lua nos persegue quando estamos dentro de um carro em movimento? O que são os mistérios do espaço? Como é no Sol? Como é na Lua? Qual é o material do Sol e da Lua? Há vida lá? Por que existem as estações do ano? Por que ocorrem mudanças no clima? Por que há o dia e a noite? Quais são as previsões para o signo de hoje? O que é ano-luz? Será que o Sol vai acabar? Será que são só nove planetas? Qual é a influência da Lua no crescimento do cabelo e das plantas? O que astronauta brasileiro foi fazer na Lua e pra que serviu a viagem? Os professores também relataram um interesse maior dos alunos durante a ida do astronauta brasileiro Marcos Pontes ao espaço. Surgiram perguntas sobre figuras e fotos que não entenderam, além de muitas outras perguntas sobre Lua, planetas, eclipses, e cometas.

Além dos alunos, os professores também possuem questionamentos sobre astronomia, as quais foram requeridas mediante uma situação imaginária em que ele a perguntaria a um astrônomo. Alistamos algumas a seguir (os pontos de interrogação foram suprimidos): o que fez com que escolhesse ser astrônomo; o que te levou a estudar astronomia; qual planeta você gostaria de visitar se fosse possível e por que; qual é a sua última descoberta em astronomia; o que você mais gosta na sua profissão; de que tamanho são as estrelas; o que se sente quando está em órbita; quantas galáxias temos; será que outro planeta entrará no Sistema Solar; por que Plutão foi desconsiderado um planeta; qual a importância da astronomia na vida diária; o que você já viu de mais curioso no Sistema Solar; como observar e conhecer planetas e estrelas; qual a relação entre cosmos e alteração climáticas; quais são as características do universo; quais são alguns dos mitos espaciais e sobre as estrelas; qual a influência dos signos no comportamento humano; será que estão ocorrendo mudanças significativas nas posições dos astros; que novos planetas surgiram no Sistema Solar; que novos planetas foram descobertos no Sistema Solar; como se formou o universo; será que o universo ainda está em formação; como se dá a classificação dos planetas e das estrelas; o que são os anéis de Saturno; qual é a possibilidade dos astros ou planetas se chocarem; como identificar constelações e estrelas; há a possibilidade de haver vida em outros planetas; vocabulários em astronomia; você acredita que um dia poderemos viver em outro planeta; o que existe de novidades; qual é a previsão sobre o que deverá acontecer daqui a alguns anos; quais são as novidades sobre o novo planeta do Sistema Solar; qual é a relação entre astronomia e astrologia; como se chegam até as teorias sobre a formação do universo a partir da astronomia; por que os planetas não se tornaram estrelas quando se formou o universo; qual a influência da descoberta da teoria da relatividade na nossa vida diária; qual é a sensação de visualizar a expansão do universo; há a possibilidade de universos múltiplos; como trabalhar de forma lúdica sobre a origem do universo para anos iniciais do ensino fundamental. Também surgiram perguntas recorrentes sobre buraco negro, disco voador, outras galáxias, distorção da luz, tecnologias espaciais, matéria escura, e OVNIs.

Estas dúvidas indicam que esses professores, em algumas situações, não estão em melhores condições de domínio dos saberes disciplinares do que seus próprios alunos, conforme se nota em dúvidas muito semelhantes ou iguais às perguntas anteriormente mencionadas pelos alunos. Conforme revelaram alguns resultados anteriores, muitos professores acabam tomando ciência de temas de astronomia fundamental praticamente ao mesmo tempo em que os seus alunos (LANGHI e NARDI, 2008). É o que parece indicar algumas das respostas acima, quando alguns professores, por exemplo, questionam: a) se outro planeta entrará no Sistema Solar (talvez imaginando que a descoberta de novos planetas ocorrem quando eles “entram” no Sistema Solar, ou esta expressão pode ser o resultado de notícias falsas sensacionalistas sobre futuros impactos de corpos celestes com a Terra); b) sobre a probabilidade de choques entre os corpos celestes; c) sobre mudanças significativas nas posições dos astros e sua influência na Terra e nas condições climáticas; d) sobre OVNIs e vida extraterrestre.

De fato, estas repostas podem revelar algumas concepções alternativas dos professores sobre temas relacionados à astronomia, e a observação do céu, como acreditar, por exemplo, que ao visitar um observatório poderão visualizar cenas fantásticas como: a) imagens exatamente iguais em cores e definição às divulgadas pela mídia, as quais são geralmente obtidas a partir de enormes telescópios sofisticados e profissionais, com tratamento digital das fotos e, portanto, bem diferente do que pode ser visualizado por qualquer telescópio alocado em observatórios usados para divulgação e popularização da astronomia, pois as imagens de nebulosas, por exemplo, jamais serão coloridas para quem coloca os olhos na ocular de um telescópio devido à sensibilidade visual humana; b) a “expansão do universo” e experimentar suas sensações. Por alimentar tais concepções, ou por divulgá-las a seus alunos, muitos poderão sair decepcionados após a visita a um observatório, onde suas expectativas inatingíveis deixaram de ser atendidas.

Uma comparação entre os questionamentos dos alunos e os dos professores atesta que lhes faltam um conjunto de conteúdos sobre fundamentos de astronomia básica. De fato, quase todas as frases remetem a dúvidas com relação a algum conjunto de conteúdos, ao passo que apenas uma está relacionada com a metodologia de trabalho didático com tópicos de astronomia introdutória (“como trabalhar de forma lúdica sobre a origem do universo para anos iniciais do ensino fundamental”). Talvez isto revele a principal preocupação dos professores: falta de domínio de conteúdos em detrimento das metodologias de ensino subjacentes. De fato, por não conhecerem conteúdos específicos sobre astronomia, não lhes é possível sugerir metodologias de ensino de tais temas.

Uma questão essencial para a formulação do curso de formação continuada e a preparação dos futuros encontros encerra-se nas expectativas dos professores participantes (ou possíveis participantes) em relação aos temas que serão trabalhados. Quais dificuldades eles apresentam ao ensinar astronomia, o que esperam do curso, e suas prováveis sugestões, são exemplos de informações vitais se o objetivo é planejar um curso que seja adequado às reais necessidades docentes e adaptado aos seus contextos, sem dar a impressão de imposição arrogante proveniente “de cima” (ZEICHNER, 1993; PERRENOUD, 1999).

Suas respostas indicam novamente uma preocupação primária com a compreensão dos conteúdos em astronomia, mas com um sensível aumento sobre suas necessidades de formas de trabalho com eles. A seguir, algumas de suas expectativas em relação ao curso:

Tais expectativas foram, na sua maioria, levadas em conta ao se planejar o curso para os professores, com o objetivo de proporcionar uma contribuição efetiva para a sua prática docente. De fato, a enunciação daquele professor que “espera um curso que traga proveito para ele”, provoca a inferência de que a participação dele em outros cursos anteriores normalmente não atenderam suas expectativas, remetendo à fundamentação nos capítulos iniciais sobre os cursos denominados de formação continuada, mas que não alteram significativamente a prática pedagógica dos professores, por não conseguirem responder às exigências formativas para tal mudança (PIMENTA, 2000; GARCIA, 1999; MALDANER, 2000; MEC, 2008; BRASIL, 2001). Assim, apresentamos uma tabela geral que sintetiza o que foi comentado até agora sobre este primeiro momento de pré-diagnóstico, antecipando a elaboração de um programa provisório de trabalho sobre a educação em astronomia com professores dos anos iniciais do ensino fundamental.

Tabela 13 – Síntese da amostra inicial dos 87 questionários de pré-diagnóstico.

 

 

 

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.