O Cinismo da Reciclagem

LAYARGUES, Philippe. O cinismo da reciclagem: o significado ideológico da reciclagem da lata de alumínio e suas implicações para a educação ambiental. LOUREIRO, F.; LAYARGUES, P.; CASTRO, R. (Orgs.) Educação ambiental: repensando o espaço da cidadania. São Paulo: Cortez, 2002, 179-220.

O CINISMO DA RECICLAGEM:

o significado ideológico da reciclagem da lata de alumínio

e suas implicações para a educação ambiental1

Philippe Pomier Layargues

"São objetivos fundamentais da educação

ambiental:

I - o desenvolvimento de uma

compreensão integrada do meio ambiente em

suas múltiplas e complexas relações,

envolvendo

aspectos

ecológicos,

psicológicos,

legais,

políticos,

sociais,

econômicos, científicos, culturais e éticos."

(Art. 5o da Lei no 9.795: Brasil, 1999).

O itinerário de um reducionismo

A questão do lixo vem sendo apontada pelos ambientalistas como um dos mais

graves problemas ambientais urbanos da atualidade, a ponto de ter-se tornado objeto

de proposições técnicas para seu enfrentamento e alvo privilegiado de programas de

educação ambiental na escola brasileira. A compreensão da necessidade do

gerenciamento integrado dos resíduos sólidos propiciou a formulação da chamada

Política ou Pedagogia dos 3R's2, que inspira técnica e pedagogicamente os meios de

enfrentamento da questão do lixo.

No entanto, apesar da complexidade do tema, muitos programas de educação

ambiental na escola são implementados de modo reducionista, já que, em função da

reciclagem, desenvolvem apenas a Coleta Seletiva de Lixo, em detrimento de uma

reflexão crítica e abrangente a respeito dos valores culturais da sociedade de consumo,

do consumismo, do industrialismo, do modo de produção capitalista e dos aspectos

políticos e econômicos da questão do lixo. E a despeito dessa tendência pragmática,

pouco esforço tem sido dedicado à análise do significado ideológico da reciclagem, em

particular da lata de alumínio (material que mais se destaca entre os recicláveis), e

suas implicações para a educação ambiental reducionista, mais preocupada com a

promoção de uma mudança comportamental sobre a técnica da disposição domiciliar

do lixo (coleta convencional x coleta seletiva) do que com a reflexão sobre a mudança

dos valores culturais que sustentam o estilo de produção e consumo da sociedade

moderna.

1

Agradeço a Fátima Portilho e a Rachel Zacarias pelos comentários realizados a propósito deste texto em uma

versão anterior. O conteúdo dele, porém, é de minha inteira responsabilidade.

2

A Política ou Pedagogia dos 3R's recebeu essa nomenclatura devido à junção das iniciais das palavras

"Reduzir", "Reutilizar" e "Reciclar", formando um slogan de grande eficácia pedagógica.

Essa prática educativa, que se insere na lógica da metodologia da resolução de

problemas ambientais locais de modo pragmático, tornando a reciclagem do lixo uma

atividade-fim, ao invés de considerá-la um tema-gerador para o questionamento das

causas e consequências da questão do lixo3, remete-nos de forma alienada à

discussão dos aspectos técnicos da reciclagem, evadindo-se da dimensão política.

Analisando-se a literatura a respeito da interface entre a educação ambiental e a

questão do lixo, observa-se uma excessiva predominância da discussão a respeito dos

aspectos técnicos, psicológicos e comportamentais da gestão do lixo, em detrimento

de seus aspectos políticos. A discussão conduzida pela educação ambiental está

consideravelmente deslocada do eixo da formação da cidadania enquanto atuação

coletiva na esfera pública, já que há um expressivo silêncio no que se refere à

implementação de alternativas para o tratamento do lixo por intermédio da regulação

estatal ou dos mecanismos de mercado. Além disso, a questão do lixo, nas suas

variadas facetas, ainda não se tornou objeto de demanda social específica pela criação

de políticas públicas, a exemplo das lutas socioambientais já consolidadas em alguns

movimentos sociais. As dispersas e isoladas iniciativas de criação de cooperativas de

catadores de lixo, por exemplo, ainda não alcançaram uma articulação ampla e coesa o

suficiente para transformar essa atividade em política pública. É, então, na tentativa de

resgatar o significado político-ideológico da reciclagem que apresentamos a presente

reflexão.

De acordo com Sewell (1978), as crescentes objeções ao volume de resíduos

sólidos dividem-se em cinco categorias: saúde pública, custos de recolhimento e

processamento, estética, ocupação de espaço em depósitos de lixo e esgotamento

dos recursos naturais. Mas a discussão que inaugura o debate a respeito da Coleta

Seletiva de Lixo como uma alternativa tecnológica para o tratamento dos resíduos

sólidos baseia-se no panorama da saturação dos depósitos de lixo: a cada ano,

avolumam-se as dificuldades que os municípios encontram para a destinação final do

lixo. Problemas de ordem política e técnica tornam a coleta convencional de lixo cada

vez mais onerosa, a ponto de favorecer o surgimento da tecnologia baseada na coleta

seletiva, complementar à coleta convencional. Um fator adicional ao surgimento da

Coleta Seletiva de Lixo é a constatação da possibilidade de esgotamento dos recursos

naturais, sobretudo dos não-renováveis: segundo projeções futuristas de alguns

especialistas, em especial do controvertido Clube de Roma (Meadows et al, 1978), o

uso de certos recursos minerais pode provocar um colapso em curto espaço de

tempo, se as tendências na exploração mineral não forem alteradas4.

O texto a seguir, extraído de uma homepage5 brasileira especializada na

divulgação de dados sobre a reciclagem do lixo, retrata fielmente a percepção

dominante a respeito da função da Coleta Seletiva do Lixo:

"A coleta seletiva é uma alternativa ecologicamente correta que desvia do

destino em aterros sanitários ou lixões, resíduos sólidos que podem ser

3

Tivemos a oportunidade de discutir em Layrargues (2000a) as diferenças e o significado para a educação

ambiental da metodologia da resolução de problemas ambientais locais realizada sob seus dois enfoques

possíveis, como um tema-gerador e como uma atividade-fim.

4

A discussão em torno da finitude ou esgotabilidade dos recursos naturais não-renováveis polariza-se entre os

economistas/tecnólogos e os demógrafos/geólogos, de forma que o primeiro grupo, otimista, crê que a tecnologia

evitará o esgotamento dos recursos, e o segundo grupo, pessimista, que o crescimento populacional impulsionará

o esgotamento. Ainda de acordo com os otimistas, o esgotamento seria um mito, a exaustão nunca ocorreria pois

os minérios permanecem na Terra. Para eles, o problema a resolver é evitar que o custo de exploração desses

materiais seja superior ao economicamente permitido (Weinberg, 1976). Afinal, um mineral não desaparece da

Terra da mesma forma que uma espécie biológica se extingue na natureza.

5

www.lixo.com.br.

reciclados. Com isso, dois objetivos importantes são alcançados. Por um lado a

vida útil dos aterros sanitários é prolongada e o meio ambiente é menos

contaminado. Por outro lado o uso de matéria-prima reciclável diminui a

extração dos nossos tesouros naturais. Uma lata velha que se transforma em

uma lata nova é muito melhor que uma lata a mais. E de lata em lata o planeta

vai virando um lixão..."

A Política dos 3R's segundo o discurso ecológico alternativo e oficial

Carvalho (1991), ao analisar o discurso ambientalista governamental brasileiro,

aponta a existência de duas matrizes discursivas sobre a questão ambiental: um

discurso ecológico oficial, enunciado pelo ambientalismo governamental, representante

da ideologia hegemônica e encarregado de manter os valores culturais instituídos na

sociedade; e um discurso ecológico alternativo, proferido pelo ambientalismo original

strictu sensu, corporificado pelo movimento social organizado, representante da

ideologia contra-hegemônica e encarregado de disseminar valores subversivos à

ordem social e econômica instituída. Em pesquisa anterior (Layrargues, 1998),

identificamos no discurso do ambientalismo empresarial brasileiro a mesma postura do

governamental, ou seja, a missão discursiva de difundir e cristalizar a ideologia

hegemônica, impedindo ao mesmo tempo, qualquer manifestação subversiva.

É importante frisar que, no limite, apesar da possibilidade de articulação

estratégica para o enfrentamento de determinados problemas ambientais, o ideário do

ambientalismo alternativo opõe-se ao oficial. Enquanto o oficial deseja manter o status

quo, o alternativo deseja transformá-lo. Desse modo, cada composição ideológica terá

uma determinada visão da questão do lixo, uma determinada leitura do significado da

Política dos 3R's e, no que se refere à educação ambiental, um conjunto de

proposições pedagógicas diferentes, de acordo com a visão de mundo e os interesses

que as inspiram.

Para o discurso ecológico alternativo, a questão do lixo é um problema de

ordem cultural e, assim, ele situa a cultura do consumismo como um dos alvos da

crítica à sociedade moderna. Martell (1994) chega inclusive a afirmar que o

consumismo é o item mais expressivo da crítica da sociedade sustentável. Segundo

Ekins (1998a), desde que Adam Smith afirmou que a produção tem como finalidade o

consumo, a economia estabeleceu como objetivo aumentá-lo, e ele passou a ser

entendido culturalmente como sinônimo de bem-estar. O problema é que atualmente

o consumismo é visto também como responsável por uma série de problemas

ambientais, e desse modo, não pode mais ser compreendido unicamente como

sinônimo de felicidade.

Os indivíduos são obrigados a consumir bens que se tornam obsoletos antes do

tempo, já que cada vez mais se tornam funcionalmente inúteis logo após saírem das

fábricas. Durning (1992) ressalta que os eletrodomésticos fabricados em 1950 eram

muito mais resistentes do que os produzidos atualmente: eram fabricados para durar e

não quebravam com facilidade; caso se quebrassem, seu conserto era

economicamente viável, o que atualmente não é mais verdadeiro. Por isso, no

entender de Sewell (1978), a eliminação da obsolescência planejada é a chave da

minimização dos resíduos: afinal, produzir um refrigerador que funcione doze anos ao

invés de oito significa ter um terço de refrigeradores a menos no lixo durante esse

mesmo período de tempo.

A vida útil dos produtos torna-se cada vez mais curta, e nem poderia ser

diferente, pois há uma união entre a obsolescência planejada e a criação de demandas

artificiais no capitalismo. É a obsolescência planejada simbólica, que induz a ilusão de

que a vida útil do produto esgotou-se, mesmo que ele ainda esteja em perfeitas

condições de uso. Hoje, mesmo que um determinado produto ainda esteja dentro do

prazo de sua vida útil, do ponto de vista funcional, simbolicamente já está ultrapassado.

A moda e a propaganda provocam um verdadeiro desvio da função primária dos

produtos. Ocorre que a obsolescência planejada e a descartabilidade são hoje

elementos vitais para o modo de produção capitalista, por isso encontram-se

presentes tanto no plano material como simbólico.

Outro aspecto cultural importante sobre o consumismo diz respeito à desejável

mas improvável inclusão dos excluídos do consumo. Diz-se, por exemplo, que se

todos os chineses tivessem geladeiras, o planeta teria sérios problemas com a

depleção da camada de ozônio. Mas o que deveria ser discutido é a diferença entre o

desejo de ter uma geladeira para conservar alimentos e o desejo de trocá-la a cada

novidade, o que acrescenta uma nova função concreta ou simbólica ao aparelho

tecnológico. Esse é o problema do consumismo, uma questão eminentemente

cultural, relacionada à incessante insatisfação com a função primeira dos objetos em si.

Nessa conjuntura, emerge o problema da mudança do padrão de produção e

consumo advogada pelo ambientalismo alternativo, que visualiza a necessidade tanto

da mudança qualitativa da produção, alterando insumos e matrizes energéticas, como

a diminuição da descartabilidade e a eliminação da obsolescência planejada material e

simbólica, conforme salienta o Tratado sobre Consumo e Estilo de Vida6 (La Rovère &

Vieira, 1992).

Dessa forma, diante dos impasses da sociedade de consumo, a frugalidade

desponta como a alternativa viável. Ela torna-se ato de libertação da obrigação de

consumir, permitindo substituir a devoção ao consumo pela busca de outros valores,

ou então, um deslocamento do consumo material para um consumo não-material, a

exemplo da cultura e educação. Mas numa sociedade materialista e devotada à cultura

do consumismo, a frugalidade rima com sacrifício, privação, renúncia, já que a posse

de bens materiais caracteriza a felicidade proporcionada pelo consumo. Ekins (1998b)

sublinha que a possibilidade de o estilo de vida frugal ser adotado por um amplo

número de adeptos foi tão alarmante no início dos anos 90 que o Wall Street Journal

chegou a especular que esse fenômeno poderia acarretar sérios danos à economia.

Essa preocupação expressa bem quão subversiva é a noção da redução do consumo

na sociedade consumista. De acordo com Penna (1999), que evidencia como a

sociedade moderna está impregnada de valores consumistas, tudo leva a crer que a

tarefa da redução do consumo será árdua, pois será preciso reverter valores culturais

enraizados, favorecidos pela invasão maciça da vida pública e doméstica.

No que diz respeito à Pedagogia dos 3R's, o discurso ecológico alternativo

advoga uma seqüência lógica a ser seguida: a redução do consumo deve ser priorizada

sobre a reutilização e reciclagem; e depois da redução do consumo, a reutilização deve

ser priorizada sobre a reciclagem, conforme salienta o texto do Tratado sobre Consumo

e Estilo de Vida. Langenbach (1997) acrescenta ainda que a reutilização deve ser

considerada concomitantemente à redução do consumo, pois ambos criticam o

consumismo.

Por outro lado, o discurso ecológico oficial entende que a questão do lixo é,

antes de tudo, um problema de ordem técnica, e não cultural. Se para o discurso

ecológico alternativo a questão é o próprio consumismo, o discurso ecológico oficial,

6

Aprovado no Fórum Internacional de Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais, o Fórum

Global, no Rio de Janeiro em 1992.

que divulga seus ideais sobre a questão do consumo através da Agenda 217, entende

que é o consumo insustentável. É fundamental perceber que a compreensão do

problema é diferente para os dois modelos discursivos: enquanto a posição ideológica

do discurso alternativo é radical e subversiva, a posição do discurso oficial é moderada

e conservadora, na medida em que qualifica o consumo como insustentável,

pressupondo, assim, a possibilidade da existência de um consumo sustentável. O

consumo sustentável é propiciado pela aliança da reciclagem com as tecnologias

limpas e eficientes. A ideologia hegemônica permite a crítica ao consumo insustentável

porque hoje existe um consumo sustentável; no entanto, não se permite a crítica ao

consumismo, pois a frugalidade representa uma subversão perigosa demais ao

sistema econômico dominante.

Existem portanto, duas interpretações possíveis sobre o significado da Política

dos 3R's. Para o discurso ecológico oficial, não faz sentido propor uma redução do

consumo, pois o problema para ele não é o consumismo, mas o consumo

insustentável. Ou seja, o problema não seria cultural, mas técnico. Enquanto a crítica

ao consumismo exige a cultura da frugalidade como enfrentamento, a crítica ao

consumo insustentável exige a técnica da reciclagem para tornar o consumo

sustentável.

Há então dois modos de ação derivados das possibilidades de compreensão da

Política dos 3R's,: o primeiro prioriza a redução e reutilização e articula-se com o

projeto político-ideológico progressista; o outro prioriza a reciclagem e articula-se com

o projeto liberal. Se a Agenda 21, representante do discurso ecológico oficial, não

considera o consumismo como o problema, não surpreende que se tenha omitido

quanto à redução do consumo no documento. E se a cultura do consumismo é o alvo

da mudança de valores preconizada pelo discurso ecológico alternativo, a reciclagem

revela-se contraditória em relação à redução do consumo e à reutilização, pois ela não

ameaça o sistema dominante, já que não questiona o consumismo. O curioso é que

até mesmo o Clube de Roma (Meadows et al, 1992) reconhece que o aumento da

vida útil dos bens, a diminuição da obsolescência planejada, a recuperação dos bens

deteriorados e a reutilização de bens descartados são estratégias mais eficientes que a

reciclagem, pois demandam menos energia para a conversão. Dobrar a vida útil de um

produto significa diminuir pela metade o consumo de energia, o lixo e a poluição

gerada.

Dessa forma, o discurso ecológico oficial altera a ordem de prioridade da

Pedagogia dos 3R's: confere máxima importância à reciclagem, em detrimento da

redução do consumo e do reaproveitamento; desativa a redução do consumo, mas

para evitar a formação de uma lacuna, transporta a importância da redução do

consumo para o desperdício; e mantém o discurso quando afirma a necessidade da

reutilização, mas sem grande interesse, até porque sua aceitação é controversa, já que

envolve questões culturais relativas à posição social8. A Pedagogia dos 3R's

preconizada pelo discurso ecológico oficial torna-se uma prática comportamentalista,

ao invés de reflexiva, pois reduz a Pedagogia dos 3R's à Pedagogia da Reciclagem.

Exemplificando o tom discursivo do ambientalismo oficial, Sosa (1992) afirma

que a reciclagem não só possibilita o aumento da vida útil dos materiais, gerando

novos negócios empresariais, como também contribui para a proteção ambiental.

Reconhece ainda que para que a reciclagem seja uma solução viável e concreta ao

problema ambiental da indústria, o fator educativo é basilar para a geração de

7

Um dos produtos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que trata do

tema no capítulo IV, "Mudança dos Padrões de Consumo" (Brasil, 2000a).

8

Quando, por exemplo, o consumo constitui um ato de diferenciação social (Baudrillard, 1995).

comportamentos adequados diante do lixo, estimulando-se uma correta disposição dos

resíduos sólidos, que facilitam sua seletividade e posterior reciclagem. Mas

acrescentamos: sem alterar os valores culturais vigentes.

O mecanismo da estratégia de dominação ideológica denomina-se

conservadorismo dinâmico (Guimarães, 1995): o discurso ecológico oficial aceita o

alternativo antes que se torne ameaçador para a seguir absorver-lhe apenas os

elementos compatíveis - a reciclagem, a redução do desperdício e o reaproveitamento

– suprimindo-lhe o elemento crítico - a redução do consumo. O efeito dessa estratégia

para o ambientalismo alternativo é anestésico, pois os grupos sociais dessa vertente

vêem, com certa ingenuidade, o discurso da reciclagem como uma conquista gradual

de suas reivindicações, sem perceber a anulação do poder crítico da ideologia contra-

hegemônica. É nesse sentido que Figueiredo (1994) entende a preferência pela

reciclagem nos programas de Coleta Seletiva de Lixo como uma prática que se adapta

perfeitamente ao modelo economicista atual. No mesmo sentido, Zacarias (1998)

atesta que apesar de o discurso oficial representar avanços aparentes no pensamento

ecológico, sua implementação não tem buscado soluções definitivas, pois acarretariam

prejuízos aos atores sociais representantes da ideologia hegemônica.

Essa constatação não se encontra isolada: Blauth (1996/97) avalia que o

equacionamento da problemática dos resíduos sólidos tem sido enfocado apenas na

reciclagem, a qual tem a capacidade de produzir um efeito ilusório, tranqüilizante na

consciência dos indivíduos, que podem passar a consumir mais produtos, sobretudo

descartáveis, sem constrangimento algum, pois agora são recicláveis e, portanto,

ecológicos. A autora afirma que as indústrias que utilizam símbolos referentes à

reciclabilidade nos rótulos de seus produtos criam a suposição da reciclabilidade

garantida e infinita, além da suposição de que a embalagem é inerentemente

ecológica, quando na verdade o próprio símbolo torna-se um componente estimulador

da descartabilidade, reforçando a ideologia do consumismo.

Para Adams (1995), um dos expoentes da Teoria Cultural do Risco, esse

fenômeno intitula-se compensação do risco: ele age quando um risco passa a ser

controlado, e a atitude humana volta-se para a aceitação de um outro risco. Se o

consumismo gera um risco ambiental para a sociedade moderna através do

esgotamento dos recursos naturais e da saturação dos depósitos de lixo, criam-se

mecanismos que garantem o controle desse risco, o que aqui se traduz pela

reciclabilidade. Dessa forma, ao invés de se reduzir o consumo, cria-se a oportunidade

de manter o padrão convencional de consumo, pois a ameaça torna-se relativamente

controlada, e a reciclagem passa a desempenhar a função de compensação do risco

do consumismo. Contudo, trata-se de uma falsa segurança, que significa a alienação

da realidade, a qual cumpre a função de gerar a sensação de que um comportamento

ambientalmente correto - a reciclagem - contribuirá para a resolução de um problema,

quando, na verdade, camufla a crítica ao consumismo e, além de tudo, reforça as

estratégias de concentração de renda, como veremos adiante. Recicla-se para não se

reduzir o consumo. Afinal, a reciclagem representa, além da salvação da cultura do

consumismo, a permanência da estratégia produtiva da descartabilidade e da

obsolescência planejada, permitindo a manutenção do caráter expansionista do

capitalismo.

O verdadeiro tamanho dos benefícios ambientais da reciclagem da lata de alumínio

É no contexto de ameaças ao status quo que entra em cena um elemento que

traz novas complexidades para a análise da possibilidade de uso didático da Pedagogia

dos 3R's. Em 1991, inicia-se no Brasil, a reciclagem da lata de alumínio9, de modo

sistematizado, com a criação do Programa Permanente para Reciclagem da Lata de

Alumínio pela Reynolds Latasa. Em 1993, com a criação do Projeto Escola, a empresa

insere-se com vigor no ambiente escolar. Voltado inicialmente para o público escolar, o

Projeto Escola que, segundo Almeida Jr. (1997), está sendo adotado nos principais

municípios brasileiros, conta atualmente com mais de 16.000 estabelecimentos

associados, de escolas, restaurantes, igrejas, associações de moradores, condomínios,

hospitais a unidades militares.

O Projeto Escola consiste no estabelecimento de parcerias para o

desenvolvimento de programas de educação ambiental e na troca de latas de alumínio

vazias, limpas e prensadas por equipamentos como ventiladores de teto,

computadores, bebedouros e máquinas copiadoras. Desde seu início, a Latasa já

trocou latas de alumínio vazias por mais de 35.000 equipamentos com as instituições

participantes do projeto. Segundo a empresa, essa troca constitui uma ótima

oportunidade para a modernização desses estabelecimentos, carentes de recursos

financeiros para a aquisição de tais equipamentos.

Além dos argumentos clássicos utilizados pela Latasa para a persuasão do

público, os quais evidenciam as vantagens do uso da lata de alumínio10 em relação a

outras embalagens de bebidas - praticidade, economia de espaço no armazenamento,

empilhamento eficiente, leveza no transporte, segurança no manuseio -, agregam-se

outros argumentos que sublinham as vantagens da reciclagem, teoricamente

significativas para o alumínio, já que ele é 100% reciclável. Os dois primeiros

argumentos, de caráter ecológico, dizem respeito à diminuição do volume dos

resíduos nos depósitos de lixo e à economia do recurso natural necessário para a sua

fabricação, a bauxita. O terceiro argumento, de apelo econômico, refere-se ao fato de

o alumínio ser trocado por bens de consumo pelo consumidor ou pelas instituições

participantes do Projeto Escola. O quarto argumento, de caráter social, refere-se aos

benefícios sociais da geração de renda pelos catadores e sucateiros, e o quinto

argumento, de caráter econômico, refere-se à economia de energia elétrica.

Certo material promocional da Latasa afirma, a respeito dos dois primeiros

argumentos: "A reciclagem do alumínio traz benefícios ao meio ambiente e ao país,

economizando matéria-prima e energia elétrica. A cada quilo de alumínio reciclado,

cinco quilos de bauxita são poupados. Para se reciclar o alumínio, gastam-se somente

5% da energia que seria utilizada na produção do alumínio primário. Além disso, a

reciclagem reduz o volume de lixo enviado aos aterros sanitários e ajuda a manter a

cidade limpa." (Grifos nossos). O texto a seguir ilustra ainda o tom do discurso do

primeiro argumento: "Os integrantes das instituições voltadas para a reciclagem

reafirmam o crescimento da atividade no país, graças ao interesse dos órgãos públicos

e da iniciativa privada em resolver a destinação final dos resíduos sólidos." (SENAC,

2000) (Grifo nosso).

9

A história do alumínio no Brasil é antiga: o Brasil foi o primeiro país da América Latina a produzir alumínio.

Já em 1945 a Companhia Eletro-Química Brasileira produziu 800 toneladas em Ouro Preto, Minas Gerais. Em

razão da alta oferta mundial e do alto custo de produção, ocorreu uma breve interrupção da produção após a

Segunda Guerra Mundial, a qual foi retomada em 1951 pela Alcan, controladora da empresa (Ramos, 1982).

Mas apesar de o Brasil ter uma longa história na produção de alumínio, apenas a partir de 1990 o país passou a

contar com latas de alumínio para embalar bebidas.

10

O alumínio é um dos principais minerais do grupo dos metais estruturais leves, de grande importância para a

industrialização, já que vem progressivamente substituindo o ferro na indústria mecânica e o cobre na indústria

elétrica (Brasil, 1975). A demanda por alumínio é alta, pois suas características fisico-químicas (leveza, força,

maleabilidade, resistência à corrosão e boa condutividade elétrica) permitem uma variada gama de utilização.

Não por acaso, Penna (1999) observa que entre 1950 e 1987, enquanto a população mundial dobrava e o

consumo de aço aumentava quase 400%, o de alumínio aumentou em mais de 1.000%.

Em outra publicação, verificamos a presença do segundo argumento: "(...)

Como a bauxita tem normalmente baixíssimos teores de óxido de alumínio, a alumina,

são necessários cinco toneladas de bauxita para se obter uma tonelada de alumínio.

Então, uma tonelada de alumínio reciclado economiza cinco de bauxita. Só este ano, a

Latasa já evitou a extração de duas mil toneladas de bauxita a cada mês, já que foram

recicladas, em média, por mês, quatrocentas toneladas de latas." (Schmidt, 1995:29)

(Grifo nosso). Em outro trecho, o autor recorre ao terceiro argumento de persuasão

usualmente utilizado, embora em segundo plano: "Vantagens econômicas são boas

professoras de educação ambiental. (...) Talvez tenha sido nisto que a única fabricante

de latas de alumínio para cerveja e refrigerante do país apostou quando criou o projeto

de reciclagem de latas (...) o projeto é um exemplo de como boas idéias podem ter

abrangência social e ambiental e ainda gerar lucros." (Schmidt, 1995:27).

Nessa conjuntura, comemora-se o atual índice de 73% das latas de alumínio

recicladas no Brasil, um recorde mundial. Mas, afinal, qual é o tamanho da "ajuda" que

a reciclagem da lata de alumínio proporciona ao meio ambiente? Qual é o tamanho da

redução da demanda de bauxita, e da minimização do espaço nos depósitos de lixo?

O Instituto Virtual de Educação para Reciclagem11 afirma que o Brasil produz em

média 241.614 toneladas de lixo diariamente, e a composição média do lixo domiciliar

no Brasil é assim distribuída: 65% de matéria orgânica, 25% de papel, 4% de metal, 3%

de vidro e 3% de plástico; quanto às latas de alumínio, o volume encontrado nos

depósitos de lixo corresponde a apenas 1% do total dos resíduos sólidos urbanos. Ora,

se esse volume não é significativo, o argumento de que a reciclagem da lata de

alumínio contribui para alongar a vida útil dos depósitos de lixo não se sustenta.

Jardim & Wells (1996) reconhecem, aliás, que a contribuição geral da Coleta

Seletiva de Lixo nesse sentido é muito pequena: estimativas apontam que apenas 25%

do fluxo dos resíduos - a taxa de desvio - pode ser efetivamente reciclada. Os 3/4

restantes terão necessariamente que receber o tratamento convencional, seguindo

para os depósitos de lixo.

De acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral (Brasil, 2000b),

as atuais reservas mundiais de bauxita são da ordem de 31 bilhões de toneladas.

Apenas seis países (Austrália, Guiné, Brasil, Índia, Jamaica, China) respondem por

quase 80% das jazidas. Desse total, o Brasil, ocupa a 6a posição, com 2.4 bilhões de

toneladas de minério (7,7% das reservas mundiais), cujas jazidas mais significativas

localizam-se no estado do Pará.

Desde 1991, ano em que a Latasa iniciou o Programa Permanente para

Reciclagem da Lata de Alumínio, os índices de reciclagem foram crescentes. Em 1991,

37% (4.500 toneladas) das latas de alumínio já eram recicladas no Brasil. Em 1999,

esse índice atingiu o patamar de 73%. Cada tonelada de alumínio reciclado economiza

cinco toneladas de bauxita. Por essa ótica, a proporção de 1:5 parece mesmo ser

significativa. Mas se o argumento refere-se ao panorama de esgotamento da bauxita,

devemos observar a influência da reciclagem em suas reservas mundiais. Se cada

tonelada de alumínio reciclado poupa cinco toneladas de bauxita, as 86.409 toneladas

de latas de alumínio recicladas no Brasil em 1999 permitiram a economia de 432.045

toneladas de bauxita, o que significa que 0,0179% das reservas brasileiras e 0,0138%

das reservas mundiais foram poupadas. Na verdade, esses números não se revelam

muito expressivos, pois são estatisticamente insignificantes12.

11

www.matrix.com.br/peixe.

Nosso propósito não é o de fornecer números exatos, afinal esse não é um ensaio sobre economia mineral.

Nossa intenção é apenas a de ilustrar a proporcionalidade dos números envolvidos nas estatísticas da reciclagem

para obter uma dimensão realista do tamanho da "ajuda" da reciclagem ao meio ambiente.

12

No entanto, esses dados correspondem a um índice de 73% de reciclagem. Se

100% das latas de alumínio atualmente produzidas fossem recicladas no Brasil,

teríamos cerca de 118.368 toneladas de alumínio reinseridas no processo produtivo,

de forma que cerca de 591.842 toneladas de bauxita seriam poupadas, ou seja,

0,019% das reservas mundiais desse minério seriam economizadas no ano de 1999.

Dessa forma, mesmo se toda a produção de latas de alumínio fosse reciclada, haveria

uma mudança pouco expressiva.

Qual seria então o tamanho da ajuda da reciclagem de latas de alumínio desde

que o Programa Permanente para Reciclagem da Lata de Alumínio teve início, ou seja,

qual a contribuição de uma década? Nesse caso, o somatório das latas de alumínio

recicladas consiste em cerca de 327.4 mil toneladas. Desse modo, cerca de um

milhão e 637 mil toneladas de bauxita deixaram de ser extraídas pelo Brasil, o que

representa uma economia de 0,052% das reservas mundiais desse minério. Ainda

assim, a contribuição de uma década de esforços direcionados no país para a

reciclagem das latas de alumínio significa muito pouco na redução da demanda pela

exploração da bauxita.

O fato é que o Brasil não deixou de extrair bauxita, nem reduziu sua produção

de alumínio primário em função da reciclagem. Ocorre que, como qualquer outro

negócio, o investimento na produção de alumínio depende da demanda interna ou

externa13. De acordo com o CPRM (Brasil, 1972), o desempenho da produção de

alumínio, à semelhança do aço, está intimamente ligado ao desempenho econômico

do país: à medida que a economia cresce, aumenta a demanda por alumínio. Se as

mineradoras brasileiras continuarem competitivas, elas prosseguirão à plena carga para

abastecer a demanda. Esse parece ser o fator determinante da exploração da bauxita.

É preciso lembrar ainda que o alumínio é o metal mais abundante existente na

Terra (Brasil, 1972, Tayra, 1998), aliás, o ferro e o alumínio são os únicos metais que

podem ser considerados praticamente ilimitados (Meadows et al, 1992). Segundo

Penna (1999), em 1992 estimava-se em 222 anos a longevidade das reservas

mundiais de bauxita14. O autor recorda, porém, que nas duas últimas gerações foram

utilizados mais minerais do que em toda a história humana, e muitos deles poderão

esgotar-se ainda antes da metade do século XXI. Dados de 1992 apontam que

algumas jazidas minerais têm menos de um século de vida15. Por que então a

preocupação com a reciclagem focalizada no alumínio, se outros metais vitais para a

civilização industrial possuem longevidade expressivamente inferior? Se existe de fato

uma genuína preocupação empresarial com o panorama do esgotamento dos recursos

naturais não-renováveis, não seria mais sensata a existência de uma "força-tarefa" do

setor produtivo direcionada para a reciclagem desses outros minerais?

Além disso, entende-se que o uso dos recursos naturais não-renováveis

acarretará inevitavelmente seu esgotamento. Mas segundo Rattner (1979), a relação

entre finitude e esgotabilidade não é tão direta assim: se os recursos são finitos, não

significa que sejam esgotáveis. O volume dos recursos naturais da Terra,

particularmente dos minerais, uma vez retirado da litosfera e metabolizado pela

13

Garrida Filho et al (1990) evidenciam que a produção brasileira de bauxita depende do mercado externo, pois

a produção nacional obedece ao modelo exportador, além de ser controlada majoritariamente por multinacionais.

Isso significa que o volume de bauxita "economizada" pela reciclagem de latas de alumínio no Brasil, mesmo

que fosse significativo, não poderia alterar a demanda de extração do minério.

14

Caso a bauxita estivesse sob ameaça iminente de esgotamento, Weinberg (1976) lembra ainda que na pior das

hipóteses, em termos utilitaristas, o magnésio pode ser utilizado na atividade humana como substituto da bauxita,

podendo ser explorado em águas marinhas a custos inferiores ao da exploração da bauxita.

15

São aproximadamente 51 anos para o níquel, 45 para o estanho, 43 para o mercúrio, 33 para o cobre, 20 para o

zinco e 18 para o chumbo (Penna, 1999).

tecnosfera, com raras exceções, continua presente no planeta, pois a tecnologia

contribui para o redimensionamento do tamanho das jazidas minerais através de dois

fatores: a reciclagem (que pereniza o uso de um recurso finito) e a tecnologia da

mineração16 (que torna economicamente viável a extração de minerais existentes em

concentrações diminutas nos minérios). Se o nível das reservas naturais depende das

condições tecnológicas disponíveis para sua extração, isso quer dizer que o prazo de

esgotamento dos recursos minerais não é absoluto, mas relativo. Nesse sentido, para

o CPRM (Brasil, 1972), o desenvolvimento tecnológico permitiu o aproveitamento em

escala comercial da bauxita com teores de alumina cada vez menores: em 1930, o

teor médio da bauxita utilizada nos EUA era de 60% de alumina, em 1958 essa

proporção baixou para 50% e a tendência é reduzir para 30%. Assim, as reservas

mundiais de bauxita têm variado ao longo do tempo, em função da descoberta de

novas jazidas e dos avanços tecnológicos para sua extração economicamente viável17.

No entanto, em apenas sete anos de experiência de coleta seletiva, o país já

atingiu o invejável índice de 73% de reciclagem de latas de alumínio. Uma marca nada

desprezível se comparada ao índice de 63% dos EUA, que detêm mais de trinta anos

de experiência em reciclagem de latas de alumínio, além de um padrão de consumo

quinze vezes superior ao brasileiro: segundo o CEMPRE, o brasileiro consome em

média apenas 25 latas de alumínio por ano, enquanto se consomem cerca de 375

latas por ano nos EUA. Por que então o alumínio se tornou o ícone da reciclagem? Esse

índice foi conquistado às custas de uma conscientização ecológica, ainda que

enganadora, ou econômica? Que tipo de motivação induz os indivíduos a reciclarem

latas de alumínio?

De qualquer maneira, não é por acaso que num país de gritantes desigualdades

sociais e onde um grande contingente da população vive à beira da miséria tenha sido

tão fácil atingir o índice de 73% de reciclagem da lata de alumínio18. A coleta seletiva,

em especial da lata de alumínio, torna-se uma alternativa de geração de renda para

uma significativa parcela da população brasileira; segundo Jardim & Wells (1996), os

catadores ganham acima da média brasileira, sua renda chega a superar o salário

mínimo. Nesse cenário, segundo o CEMPRE (2000), cerca de 150 mil sucateiros vivem

das latas de alumínio e são responsáveis por 50% do suprimento de sucata de

alumínio à industria de reciclagem, além do que, latas corresponderam a 43% das cem

mil toneladas de alumínio disponíveis em 1997. Por esse motivo, Almeida Jr. (1997)

acredita que o aumento da reciclagem de latas de alumínio no Brasil deve-se tanto ao

Projeto Escola como aos cerca de 250 Postos de Troca voluntária, mas sobretudo aos

catadores. Esse talvez seja o maior fator indutor da reciclagem das latas de alumínio no

Brasil.

16

Meadows et al (1992) explicam que o metal sempre é encontrado misturado em concentrações variadas dentro

dos minerais, e o potencial econômico das jazidas é calculado em função do tamanho da reserva, mas também do

teor de metal presente no minério. Quanto maior o teor, mais vantajosa economicamente é a exploração da

jazida. Então, quando o teor do metal encontrado no minério é reduzido, tornam-se necessárias quantidades de

energia muito maiores para a extração do metal, ao mesmo tempo em que a média dos rejeitos produzidos cresce

exponencialmente quando o teor do metal declina a níveis inferiores a 3%. Nesse caso, quase sempre o custo do

tratamento desses rejeitos ultrapassa o valor do metal produzido. Quando, por exemplo, a mina de cobre de Butte

em Montana (EUA) teve o teor de cobre reduzido de 30% para 0.5%, os rejeitos minerais por tonelada produzida

subiram de três para duzentas toneladas.

17

Para se ter uma idéia da evolução das jazidas, de acordo com Ramos (1982), as reservas mundiais de bauxita

em 1945 eram de um bilhão de toneladas, em 1955 passaram para três, em 1965, seis, e em 1975, chegaram a 18

bilhões de toneladas.

18

Ferreira (2000) ressalta que a reciclagem é amplamente praticada não só no Brasil, como na América Latina

toda, principalmente em função dos elevados níveis de desemprego, que possibilitam tornar essa alternativa de

trabalho uma possibilidade de sobrevivência.

Esse panorama representa o argumento de caráter social defendido pela

indústria, o qual enfatiza o benefício social da reciclagem do alumínio. Porém, na

contramão desse raciocínio, Calderoni (1998) sinaliza que apesar de a remuneração do

catador e sucateiro oriunda da reciclagem contribuir para a melhoria de sua condição

de vida, os ganhos econômicos estão mal distribuídos: sua pesquisa, realizada no

município de São Paulo, indicou que a indústria da reciclagem aufere a maior parte dos

ganhos, alcançando quase R$ 215 milhões (cerca de 66% da fatia total obtida através

da reciclagem do lixo19). O restante dos ganhos é repartido entre a Prefeitura, que

retém R$ 36 milhões (11%), os sucateiros, que recebem R$ 32 milhões (quase 10%)

e os catadores, que obtêm quase R$ 43 milhões (13%).

Nesse contexto, os catadores e sucateiros atuam como operários terceirizados

da indústria da reciclagem, desprovidos de quaisquer benefícios trabalhistas. Segundo

o autor, a indústria paga os preços mínimos necessários à sua sobrevivência. Isso

ocorre porque enquanto os catadores e sucateiros operam na situação de concorrência

perfeita, por não terem condição de determinar os preços praticados no mercado da

reciclagem, a Latasa, única empresa que compra dos sucateiros as latas de alumínio

vazias e também a única fornecedora de latas de alumínio para o mercado de bebidas,

possui um extraordinário poder de negociação20. Essa relação configura a exploração

do trabalho pelo capital de modo selvagem e revela uma das engrenagens

responsáveis pela concentração de renda no país.

Calderoni (1998) identifica ainda que não existem políticas públicas brasileiras

destinadas à questão da Coleta Seletiva de Lixo; o Estado abandona-a ao sabor do

laissez-faire. Ora, isso quer dizer que se o Estado não atua como mediador das

relações econômicas (pautadas por injustas relações de poder), no sentido da

intervenção no mercado para a criação de uma concorrência perfeita para ambas as

partes - o capital e o trabalho -, na verdade, ele também compactua com o modelo

neoliberal da acumulação do capital e concentração de renda em favor das elites

econômicas.

De acordo com o quinto argumento, a produção de uma tonelada de alumínio a

partir de alumínio reciclado significa uma economia energética da ordem de 95% em

relação à produção de uma tonelada de alumínio a partir da bauxita. Com 17.600 kWh,

pode-se fabricar apenas uma lata de bebida com a utilização de alumínio primário, ou

então, fabricar vinte latas de bebidas com a utilização de alumínio reciclado.

Para Ramos (1982), embora haja aspectos ambientais importantes na

reciclagem do alumínio, o mais significativo é a economia de energia para a empresa.

Já que 70% da energia consumida no processo de redução eletrolítica dá-se sob a

forma de eletricidade, reduzir custos em energia elétrica significa reduzir custos de

produção. Portanto, a tendência natural é que a reciclagem tenha cada vez maior

importância, pois ela elimina o processo de redução eletrolítica na fase de produção.

De fato, o autor lembra que a Reynolds Metals já declarava em 1980 que a empresa

objetivava aumentar a tonelagem de metal reciclado. É muito mais econômico reciclar

latas de alumínio do que produzi-las a partir do metal novo. E, assim, a lata de alumínio

vazia torna-se a mais fácil e lucrativa fatia da reciclagem.

É a economia de energia proporcionada pela reciclagem que torna a lata de

alumínio muito valiosa21. De acordo com dados dos boletins Cempre Informa, que

19

Com uma perspectiva de atingir R$ 851 milhões, que representam praticamente três quartos dos ganhos totais

da reciclagem do lixo.

20

Exceção feita à criação das cooperativas e associações de catadores de lixo, que aglutinam interesses numa

instância coletiva de organização social/produtiva, aumentando, assim, seu potencial de negociação.

21

De acordo com o CEMPRE, a partir de 1997 a reciclagem de latas de alumínio poderia atingir economia de

escala permitindo um retorno financeiro sob a forma de barateamento do custo de produção. Segundo Calderoni

apresentam a cotação dos preços dos materiais recicláveis comercializados em várias

cidades do país, o valor da tonelada de alumínio no primeiro semestre de 2000 foi o

mais elevado de todos. O material é vendido em média a R$ 1.366,70 por tonelada,

cinco vezes o valor do papel branco, que obteve o segundo melhor preço de

comercialização, e trinta e oito vezes o vidro colorido, o material mais barato do

mercado. Reciclar alumínio significa obter um rendimento várias vezes superior a

qualquer outro item reciclável. Dessa forma, se tanto seu conteúdo energético como

seu preço de comercialização são superiores aos demais materiais recicláveis, não

surpreende que seu índice de reciclagem também o seja.

A conjuntura da reciclagem da lata de alumínio insere-se na guerra

mercadológica das embalagens. O apelo à reciclagem do alumínio significa a

transformação da lata de alumínio vazia em mercadoria, a qual, de acordo com Ramos

(1982), compete com o aço, o vidro, o papel e o plástico na produção de embalagens.

Sua competitividade está na pequena espessura da lata, que permite um uso menor

de metal por unidade produzida em relação ao aço. E apesar de a indústria de

embalagens de latas de alumínio ter sofrido um golpe após a crise do petróleo em

1973, devido ao aumento da energia para sua produção, o fiel da balança tendeu a seu

favor, em razão da facilidade de reciclabilidade: basta limpar e refundir a lata.

Almeida Jr. (1997) avalia que o mercado brasileiro de bebidas gaseificadas é um

dos principais do mundo; as empresas de bebidas têm realizado vultosos

investimentos voltados para a expansão da capacidade produtiva. Tendo em vista o

crescimento do mercado de bebidas no Brasil, o setor de embalagens também

anuncia a realização de investimentos proporcionais ao do setor de bebidas: é o

chamado market-share, responsável pelo investimento de cerca de um bilhão de

dólares entre 1996 e 2000, apenas para suprir a demanda gerada pela produção de

cerveja.

Em 1990, apenas 1% da produção nacional de bebidas gaseificadas foi

envasada em latas de alumínio. Já em 1996 esse índice chegou a 10% e, no ano

seguinte, 12,8%. Para se ter uma idéia do potencial de expansão desse mercado,

apenas nos EUA, ainda em 1997, 97% das bebidas já eram acondicionadas em latas

de alumínio. De fato, o depoimento de um funcionário da Latasa afirma que desde

cedo ficou evidente a importância que as latas passaram a ter no cenário da

reciclagem do alumínio no Brasil, já que a maior parte da sucata de alumínio disponível

era de ciclo longo, pois era utilizada na indústria aeronáutica e na construção civil. Mas

a lata de alumínio, por ser uma sucata descartável e também pelo volume disponível,

assumia uma posição estratégica (Almeida Jr., 1997). Tambem poder-se-ia

argumentar, em favor da importância da reciclagem das latas de alumínio, que a

mineração da bauxita provoca outra ordem de impactos ambientais além do

esgotamento desse recurso, como o desmatamento, a retirada do solo para a lavra, a

erosão e o assoreamento e que, portanto, a reciclagem das latas de alumínio

contribuiria indiretamente para evitar tais problemas. Embora seja uma verdade,

Garrida Filho et al (1990) reconhecem que é possível haver controle e recuperação

ambiental dessas áreas, e essas medidas são de fato implementadas pela Mineração

Rio do Norte.

A precariedade do metabolismo industrial

(1998), o valor da lata de alumínio é tão alto que supera os custos de separação e processamento para quaisquer

quantidades, não sendo necessário, portanto, o armazenamento de grandes volumes para tornar a

comercialização economicamente viável.

"A imagem da Terra vista pelos astronautas teve a virtude de nos incutir a

consciência de que, longe de habitar um espaço infinito, habitamos uma

espécie de nave espacial isolada, dentro de uma cápsula de recursos

constantes, que consumimos, e que somente não esgotamos porque

reciclamos. Este conceito da necessidade de reciclagem - de nada perder, de

nada destruir, de tudo usar de novo - desta cápsula de recursos constantes

acordou-nos para a ameaça da poluição, que interrompe o processo de

reciclagem pela inutilização do recurso ou pelo envenenamento." (Silva,

1975:1).

Segundo Ayres (1989), o sistema econômico faz da matéria e energia um uso

que se assemelha muito ao dos sistemas naturais da biosfera, e a expressão

metabolismo industrial evoca essa analogia. Para Hawken et al (1999), o metabolismo

industrial, da mesma forma que o biológico, ingere energia, água e produtos orgânicos

na entrada e excreta resíduos sólidos, líquidos e gasosos na saída do sistema. Mas

com o metabolismo industrial, o capitalismo criou um compartimento artificial, a

tecnosfera, que deve agora trocar matéria e energia, com outro ritmo e intensidade,

com os demais compartimentos naturais: atmosfera, litosfera e hidrosfera. Embora o

metabolismo industrial ainda seja "primitivo", por ser um ciclo aberto, a reciclagem

traduz-se nesse contexto como um "processo evolutivo" em andamento.

No entanto, a reciclagem do lixo produzido pelo consumo, apesar de

importante, resolve apenas uma diminuta fração do problema: Meadows et al (1992)

lembram que para cada tonelada de lixo gerada pelo consumo, vinte toneladas de lixo

são geradas pela extração dos recursos e cinco toneladas de lixo são geradas durante

o processo de industrialização. Nos EUA, por exemplo, para se produzirem quatro

quilos e meio de produtos, gera-se pelo menos uma tonelada e meia de resíduos

(Hawken et al, 1999). Isso significa que o metabolismo industrial norte-americano é

mais eficiente em gerar lixo do que produtos, pois 99,7% do que os EUA retiram da

natureza e transportam para a tecnosfera são diretamente destinados ao lixo sem

qualquer utilidade para o ser humano. Esta é, sob a ótica do metabolismo biológico de

Gaia, indubitavelmente uma cultura do desperdício.

O paradigma da reciclagem representa, ou pelo menos anuncia a possibilidade,

da superação da contradição do modelo de desenvolvimento econômico exponencial e

ilimitado a partir de uma base de recursos naturais finita, no eterno jogo da busca do

controle do binômio abundância/escassez. Esse controle traz o discurso da eficiência,

que combate o desperdício (na entrada e na saída do metabolismo industrial), e a

reciclagem vem agregar-se ao discurso da agora ecoeficiência, inscrito na lógica da

racionalidade econômica22.

Entretanto, a busca da eficiência que se traduz na racionalidade econômica não

pode ser confundida com consciência ecológica e muito menos com responsabilidade

social. É importante lembrar que na cadeia da reciclagem, desde o consumidor até à

indústria, em nome da eficiência, o catador configura-se como o intermediário que

22

A "pegada ecológica" é uma outra ferramenta analítica utilizada para estimar o consumo de recursos naturais e

a geração de resíduos produzidos pela economia de uma determinada sociedade, mas inserida na lógica da

racionalidade ecológica, com a focalização do binômio degradação/equilíbrio ambiental e, portanto, fora do

eixo da eficiência no controle da abundância/escassez da racionalidade econômica. Metaforicamente, a pegada

ecológica traduz-se em termos de impacto por área equivalente, em km². Quanto maior for o impacto produzido

pela sociedade em questão, maior será a área estimada para a pegada ecológica. A média mundial equivale a uma

pegada ecológica de 18 km², enquanto no extremo inferior está a Índia, com apenas 0,4 km², e no extremo

superior os EUA, a maior pegada do planeta, medindo 51 km² de degradação ambiental (Wackernagel & Rees,

1996).

deve ser eliminado do processo e, de fato, é o que vem ocorrendo, já que para a

indústria da reciclagem, o fortalecimento desse grupo social significa uma potencial

perda da sua capacidade de concentração de renda. Nesse contexto, não é por acaso

que se tem verificado uma expressiva queda da participação dos catadores nos índices

da reciclagem: em 1992, 90% das latas eram recicladas por catadores, já em 2000,

eles reciclaram apenas 35%, enquanto que as 16 mil instituições coletoras de latinhas

reciclaram 65% do total, metade das quais são representadas pelas escolas23.

Uma possível interpretação lógica para esse fato é a existência de uma

correlação positiva entre o aumento da "consciência ecológica" do consumidor a

respeito da necessidade da reciclagem e a diminuição da participação dos catadores

no ciclo da reciclagem, pois o consumidor que recicla voluntariamente acaba por

suprimir a tarefa do catador. Se a opção preferencial da indústria da reciclagem não é o

apoio à criação de cooperativas de catadores e sua justa remuneração, mas sim a

"troca" de equipamentos por latas de alumínio vazias, é porque essa é provavelmente a

opção mais econômica. Isso significa que uma das consequências do Projeto Escola

talvez consista mesmo na eliminação do catador do processo da reciclagem24.

Nesse sentido, Rodrigues (1998) fornece um dado complementar para a

confirmação dessa tendência: sua pesquisa indicou que os indivíduos que fazem a

separação doméstica do lixo reciclável na cidade de São Paulo, imbuídos, portanto, de

uma "consciência ecológica", normalmente desconhecem que os materiais recicláveis

são vendáveis e sequer conhecem as diferenças de preços praticados no mercado dos

recicláveis. Nessa situação, o consumidor, motivado por uma "genuína", mas ingênua

consciência ecológica, acaba por doar o material reciclável, ao contrário do que ocorre

com o catador, que o vende à indústria. Por isso discordamos de Ferreira (2000), o

qual acredita que a tendência da América Latina, ao invés da implementação da coleta

seletiva domiciliar, seja o fortalecimento de grupos da população de baixa renda,

através da criação de associações e cooperativas de catadores, com o objetivo de

estabelecer uma melhor condição de negociação com a indústria da reciclagem. Ao

invés de tendência, talvez o mais correto seria afirmar que essa é ou deveria ser a

pauta de reivindicação do discurso ecológico alternativo, já que a tendência atual,

como os dados indicam, é mesmo a coleta seletiva ocorrer no âmbito domiciliar.

É importante ressaltar que a reciclagem cumpre historicamente no Brasil uma

relevante função social, na medida em que para o grupo dos catadores, era uma

oportunidade única de geração de renda, mesmo que no mercado informal. É bem

verdade que o atual estímulo fornecido pela reciclagem confere maior visibilidade ao

processo, contudo, esse fato traz outras consequências: na medida em que a

reciclagem se torna manifestação de uma consciência ecológica, é o próprio

consumidor que agora elimina o catador do processo, pois passa a separar em sua

residência os materiais recicláveis destinados diretamente à indústria. O discurso

ecológico oficial valorizou o R da reciclagem em detrimento dos demais para torná-la

um ato ecológico, retirando de cena sua função social. Procedendo dessa forma, ele

garante ao mesmo tempo que as latas de alumínio retornem à indústria, sem

passarem pelas mãos dos catadores, pois firma um pacto oculto com o consumidor

através de sua adesão voluntária à Coleta Seletiva. O consumidor não sabe, mas ao

assumir a reciclagem como um ato ecológico, aprofunda um problema social.

23

A matéria veiculada em 26/10/2000 no jornal Valor Econômico (www.valoronline.com.br) "Brasil vai tornar-

se campeão de reciclagem" fornece os dados estatísticos.

24

Almeida Jr. (1997), que acentua a importância social da reciclagem espontânea, já havia alertado para os

possíveis efeitos prejudiciais das políticas de incentivo à reciclagem voluntária ou domiciliar para os catadores, o

que vem se confirmando no caso brasileiro.

Lembrando Brügger (1994), para que a reciclagem seja um genuíno ato de

preservação do meio ambiente, seria necessário que os dividendos obtidos com a

economia proveniente da recuperação das latas de alumínio fosse repassada aos

operários dessa fábrica informal.

O que ocorre com o controle do desperdício pela lógica da ecoeficiência é a

articulação entre os interesses da proteção ambiental com os da economia, os quais

eram considerados antagônicos até a formulação do conceito de desenvolvimento

sustentável. Todo o alarde em torno da reciclagem do alumínio manifesta essa

novidade, pois evidencia a factibilidade do desenvolvimento sustentável, exatamente

como preconizava a Comissão Brundtland (CMMAD, 1988): a integração da economia

com a ecologia, mas pela via do mercado, não das políticas públicas. Evidentemente, a

existência desse mecanismo só é possível se a solução do constrangimento resultar

na criação de novas mercadorias. No caso da questão do lixo, ele encontrou caminhos

de superação quando convertido em mercadoria. No entender de Rodrigues (1998),

podemos mesmo considerar a mercadoria da reciclagem como uma "matéria-

segunda", como uma forma de alusão à "matéria-prima" virgem na entrada do

metabolismo industrial. Segundo Rodrigues,

"É evidente que os discursos da empresa mostram uma nova matriz discursiva.

Mostram a importância das 'novas mercadorias' sem contudo denominá-las

mercadoria. Parece que as empresas estão preocupadas apenas com a

problemática ambiental e que ao assim procederem, cumprem uma função

social. Mas, é evidente que lhes interessa obter mais dessas novas

mercadorias. A ampliação da separação para reciclagem pode possibilitar a

obtenção de maior volume de 'matéria-prima' a preço menor" (Rodrigues,

1998:167).

Com a supervalorização do aspecto ambiental da reciclagem, ela acaba

tornando-se um álibi, de forma que essa nova mercadoria aparece ao consumidor com

um valor unicamente simbólico (de proteção da natureza), camuflando-se seu real

valor econômico.

Mas se por um lado a integração do elemento comum da pauta ambiental com

a econômica, a ecoeficiência, está aparentemente sendo encaminhada de maneira

correta pelo mercado, sua eficácia ainda não foi devidamente comprovada, em razão

do critério seletivo do mercado na escolha de materiais nobres para reciclagem e da

diminuta expressão da reciclagem no funcionamento do metabolismo industrial.

A questão é que o discurso ecológico oficial, representante da ideologia

hegemônica, vê na crise ambiental um possível fator limitador do caráter expansionista

do capitalismo, o que poderia acarretar medidas limitadoras da ação do livre-mercado

por meio da regulação estatal. Nessa conjuntura, o significado implícito da produção

discursiva oficial resume-se na argumentação de que o capitalismo possui mecanismos

internos de auto-regulação, demonstrando capacidade de superação dos problemas

ambientais por ele criados à medida em que evolui. Em outra ocasião, discutimos o

significado da ISO 14000 e do consumidor verde com a função de sinalizar ao Estado

que o mercado não precisa ser regulado para controlar a crise ambiental na atividade

produtiva (Layrargues, 2000b).

Martell (1994) adverte, inclusive, que esperar a sustentabilidade ser atingida

pelo mercado, através da ação voluntária do consumidor verde, não é uma atitude

realista. E aqui, no que diz respeito à questão do lixo, a mensagem que o discurso

ecológico oficial procura transmitir revela que a saturação dos depósitos de lixo e o

esgotamento dos recursos naturais não-renováveis serão revertidos graças à

reciclagem. A lata de alumínio foi eleita o ícone da reciclagem, como uma mensagem

do mercado dirigida ao Estado, numa alusão à capacidade do setor produtivo de

prescindir de mecanismos coercitivos para induzir uma reciclagem compulsória.

Entretanto, o caso do alumínio não pode ser considerado como regra geral, pois essa

mercadoria possui um valor consideravelmente superior aos demais materiais

recicláveis. Ele é, portanto, a exceção e, nesse sentido, não poderia ser utilizado como

mensagem sinalizadora de que o mercado possui os instrumentos necessários para

dirigir o rumo do metabolismo industrial.

Esse fenômeno não seria também válido para os demais materiais, ou melhor,

para as demais mercadorias presentes no lixo? Todas elas podem tornar-se novas

mercadorias com preços atraentes para a indústria em tempo hábil para evitar-se a

saturação dos depósitos de lixo e o esgotamento dos recursos naturais não-

renováveis?

Provavelmente não, pois essa perspectiva ainda é apenas potencial e encontra-

se distante da realidade. Muito se pode e se deve fazer em relação ao metabolismo

industrial, na lógica da redução do desperdício e na busca da eficiência. A eficácia da

reciclagem, por enquanto, é mais simbólica do que concreta, pois apenas sinaliza o

rumo a ser tomado, sem indicar quanto ainda falta para sua concretização. A

reciclabilidade não significa que tudo o que é passível de reciclagem será

necessariamente reciclado.

Apesar de o papel, por exemplo, ser o item reciclável mais presente no lixo

brasileiro e o segundo economicamente mais valioso, somente cerca de 35% do papel

produzido no país são anualmente reciclados (SENAC, 2000), o que representa apenas

a metade da taxa registrada para a lata de alumínio. Por que se recicla o dobro de

alumínio em relação ao papel? Por que as estatísticas não são equivalentes para todos

os materiais recicláveis? Será que a consciência ecológica para evitar a suposta

derrubada de árvores é diferente daquela relativa ao suposto esgotamento da bauxita?

Será que a consciência ecológica da falta de espaço nos depósitos de lixo é diferente

para o volume de alumínio em relação ao papel? Se os números indicam que o papel é

responsável por um maior volume de lixo (cerca de 39%, segundo Jardim & Wells,

1996), superior ao das latas de alumínio, não seria mais sensata a realização de

parcerias de empresas com escolas e outras instituições para a implantação de

programas de reciclagem de papel, ao invés de alumínio?

Não que os argumentos ambientais sejam falsos, eles simplesmente mascaram

o interesse da indústria de reciclagem em promover a reciclagem de alumínio,

utilizando-se como justificativa a associação dessa prática à melhoria da qualidade

ambiental. Cria-se a ilusão de que a prática ecologicamente correta da reciclagem

contribuirá para a resolução de um problema ambiental. Com a falsa segurança e

alienação da realidade, obtém-se a possibilidade de uma parceria do mercado com a

sociedade, na qual o mais importante para a indústria de latas de alumínio é a garantia

de obtenção da matéria-prima que não passe pelo atravessador e dispense 95% do

custo energético para a fabricação do produto. É verdade que o meio ambiente

também é beneficiado através da reciclagem das latas de alumínio, mas nesse caso o

fator determinante é a redução do custo da empresa.

A reciclagem, da maneira como vem sendo feita, ou seja, desprovida de

políticas públicas, tem muito pouco de ecológico; na verdade, tornou-se uma atividade

econômica como qualquer outra. Contudo, esse dado é omitido no discurso, pois se

esse fosse o argumento central para a persuasão da necessidade de reciclagem, talvez

a voluntariedade para a reciclagem de alumínio não fosse a mesma.

A "ajuda ao meio ambiente" proporcionada pela reciclagem não passa de uma

externalidade positiva da produção de latas de alumínio. Mas tal como na apropriação

ideológica do discurso, explica-se a causa pela conseqüência, produzindo-se o

fenômeno da alienação: não se reciclam latas para a aquisição de lucro e

competitividade empresarial, mas para a proteção do meio ambiente. Afinal de contas,

não é por acaso que a indústria mundial do alumínio já dirigia esforços para a

reciclagem desse metal antes mesmo do surgimento da sensibilidade ambiental e da

ISO 14000 (Almeida Jr., 1997), revelando sua verdadeira intenção.

É sintomático verificar que a iniciativa da reciclagem da lata de alumínio tenha

partido de uma empresa que produz embalagens de alumínio, e não uma mineradora

de bauxita, ou uma agremiação de empresas, a exemplo da Associação Brasileira de

Alumínio. É sintomático verificar também que a Reynolds Latasa não faz parte do

CEMPRE25, apesar de a instituição ser mantida apenas por empresas privadas. O fato é

que uma mineradora não pode interessar-se pela redução da demanda de alumínio,

pois isso significaria uma queda suicida em seus rendimentos. Por outro lado, para

uma empresa de produção de embalagens em alumínio, qualquer ação para baratear a

produção é válida e, se ela for compatível com a proteção ambiental, tanto melhor.

A reciclagem pode mesmo ser o traço de união entre produção e consumo,

mas é também a alienação do consumismo como fator de degradação ambiental e

engrenagem dos mecanismos sociais de acumulação de capital e concentração de

renda. O ato de reciclar, atualmente, ainda significa muito pouco em relação à melhoria

ambiental, mas isso não quer dizer que a idéia da reciclagem deva ser abandonada; ao

contrário, essa constatação evidencia o tamanho do desafio que há pela frente26.

Enfim, essas considerações também nos permitem enfatizar que o enfrentamento da

questão do lixo requer medidas tanto técnicas como políticas27, estas últimas

essenciais para acelerar o ritmo do metabolismo industrial e para evitar a continuidade

da exploração do trabalho pelo capital28.

Na contramão desse raciocínio, Scarlett (1992) entende como um equívoco a

proposta de dirigir as políticas públicas sobre a gestão do lixo para a regulação estatal,

como por exemplo, através da reciclagem compulsória, pois essa perspectiva

impositiva poderia limitar a liberdade da margem de manobra da indústria para adotar

tecnologias apropriadas visando à minimização da geração de resíduos. A ausência de

flexibilidade dos regulamentos inibiria a criação de alternativas eficientes. A autora

acredita que os mecanismos de mercado facilitam a internalização dos custos ligados

às externalidades negativas, como é o caso do lixo, pois entende que muito dos

resíduos em geral e as embalagens, em particular, na verdade não se configuram

como uma forma de poluição, já que seriam mercadorias. Em seu ponto de vista, a

25

Compromisso Empresarial para Reciclagem, entidade sem fins lucrativos fundada em 1992 que visa promover

a reciclagem dentro de uma visão do gerenciamento integrado de resíduos sólidos.

26

A obra de Silva (1975) não deixa dúvidas de que o comportamento da natureza é cíclico, na medida em que

apresenta o funcionamento do ciclo do carbono, do oxigênio, da água, do nitrogênio, do fósforo e do enxofre.

Aliás, a alternância da vida e da morte, do dia e da noite, dos ciclos circadinos também não evidenciam isso?

Afinal, se a natureza possui um comportamento cíclico, a ponto de ter inspirado antigas civilizações, como os

Astecas, a representarem o tempo de uma forma cíclica, por que não criar um sistema de produção e consumo

que também seja cíclico?

27

Martell (1994) também considera inadequado o desenvolvimento centrado apenas em soluções técnicas que

esperam sustentar indefinidamente o crescimento econômico, pois tratam unicamente das conseqüências, e não

das causas. A verdadeira solução deve ser política.

28

Ferreira (2000) esclarece que os serviços de limpeza urbana na América Latina atualmente apresentam uma

tendência em se tornarem terceirizados por empresas privadas, relegando ao Poder Público a tarefa de controle e

fiscalização dessas atividades. Mas até o momento, o resultado dessa tendência revela mais sinais de atuação dos

mecanismos de concentração de renda, já que a terceirização dos serviços de limpeza pública no município do

Rio de Janeiro acarretaram uma redução média dos salários dos trabalhadores em 40%.

embalagem só se torna poluente a partir do momento em que não é devidamente

dirigida ao tratamento convencional. No entanto, deve-se ressaltar que essa não é a

realidade brasileira, pois segundo Bojadsen (1997), apenas 24% do lixo no país são

devidamente tratados. Ou seja, no Brasil, o lixo caracteriza-se mesmo como uma fonte

de poluição, não apenas como uma nova mercadoria, a exemplo da realidade dos

países ricos.

Jacobi & Teixeira (1998) analisam duas iniciativas de coleta seletiva de lixo, do

município de Embu, em São Paulo, e de Belo Horizonte, em Minas Gerais, onde foi

justamente a vontade política do poder público em equacionar a articulação da

reciclagem com a inclusão social que possibilitou o sucesso das experiências, na

medida em que as administrações municipais apoiaram a criação de cooperativas de

catadores e providenciaram o suporte necessário básico. Tais projetos evidenciam a

possibilidade de construção de políticas públicas de reciclagem e coleta seletiva de lixo

como genuína alternativa de geração de renda com inclusão social dos grupos sociais

marginalizados. Os autores reforçam, assim, o argumento de que é possível executar a

gestão dos resíduos sólidos por intermédio de políticas públicas que não sejam refém

exclusivas do jogo do livre mercado. Ressaltam ainda que:

"o momento atual exige que a sociedade esteja mais motivada e mobilizada

para assumir um caráter mais propositivo, para questionar de forma concreta a

falta de iniciativa dos governos em implementar políticas pautadas pelo binômio

sustentabilidade e desenvolvimento, num contexto de crescentes dificuldades

para promover a inclusão social." (p. 60).

Essas constatações são relevantes na medida em que anunciam a cristalização

da controvérsia do ecocapitalismo, respondendo, assim, a uma de suas críticas, que

diz respeito à impossibilidade de a economia prosseguir seu rumo inexoravelmente

acelerado, pois logo chegaria ao colapso ambiental. O sucesso da reciclagem, no

limite, poderá significar o esvaziamento da crítica ecologista ao modelo econômico de

produção capitalista. E se a ecoeficiência for mesmo a síntese capitalista para enfrentar

a crise ambiental moderna, então o ambientalismo terá perdido a oportunidade de

articular-se ao socialismo - mas um socialismo renovado - para enfrentar

concomitantemente a degradação ambiental e a injustiça social. Ou se resgata

definitivamente a dimensão social da sustentabilidade, ou as lutas sociais terão que ser

travadas novamente fora do terreno ambientalista.

A Pedagogia da Reciclagem é liberal ou progressista?

Como a educação ambiental interage com essa situação, em que momento o

discurso ecológico oficial substitui a Pedagogia dos 3R's pela Pedagogia da

Reciclagem? A educação ambiental, que se traduz como a "atribuidora de sentidos" aos

problemas ambientais, se qualifica aqui como liberal ou progressista? À primeira vista,

causa estranheza a tentativa de rotular o modelo pensado e praticado de educação

ambiental. Contudo, autores como Carvalho (1998), Lima (1999), Guimarães (2000) e

Loureiro & Layrargues (2000), ressaltam que já não é mais possível definir a educação

ambiental a partir de um único modelo, não é mais possível se referir genericamente a

uma educação ambiental, sem qualificá-la. Nas palavras de Carvalho (1998),

"do mesmo modo que o debate ecológico, a educação ambiental ao expandir

sua área de visibilidade e adesão pelos diversos setores da sociedade tem sido

associada a diferentes matrizes de valores e interesses, gerando um quadro

bastante complexo de educações ambientais com orientações metodológicas e

políticas bastante diversas." (p. 124)

A educação é apontada ingenuamente como solução para tudo, como se fosse

um mero instrumento de socialização. Mas é também, por intermédio da escola, um

instrumento de dominação, de manutenção da ideologia hegemônica e dos interesses

da classe dominante, em luta contra as forças contra-hegemônicas. A educação é um

aparelho ideológico que se torna palco permanente de conflito entre interesses

conservadores e libertários. E cada ação cotidiana, cada projeto, como os programas

de Coleta Seletiva de Lixo nas escolas, carregam uma determinada filiação ideológica,

ainda que não intencional.

A educação ambiental progressista, concebida como instrumento de

transformação social, no entender de Almeida Jr. (1992), não visa apenas à

internalização da pauta ambiental na escola e na sociedade. Seu verdadeiro sentido é a

promoção da reflexão dos valores fundamentais da sociedade moderna e das

instituições que se valem desses princípios para dominar, oprimir e explorar tanto a

natureza como certas camadas da sociedade.

Zacarias (1998), ao analisar o Projeto Escola em algumas escolas públicas de

Juiz de Fora, Minas Gerais, conclui que em princípio, a ideologia predominante nos

programas de Coleta Seletiva de Lixo em parceria com a indústria de reciclagem

restringe o processo pedagógico a uma finalidade mercantil e utilitarista. Sem dúvida,

as parcerias trazem benefícios para as escolas, a indústria e o ambiente, mas não

podem constituir uma ação isolada, pois reforçam a reciclagem e omitem a redução e

o reaproveitamento. A autora verificou que o Projeto Escola é contraditório, pois em

primeiro lugar, em muitas escolas o motivo principal da adesão ao programa foi a

aquisição de equipamentos; em segundo lugar, mesmo quando a preocupação

principal era a questão ambiental, e não a premiação, essa preocupação reduzia-se à

reciclagem, e não à reflexão sobre o consumismo. Tal fato mostrou-se recorrente em

todas as escolas que não possuíam um compromisso pedagógico crítico.

A preferência pela lata de alumínio como embalagem de bebidas pelas crianças

demonstra o significado do discurso ecológico oficial sobre a "mudança de padrão de

consumo": antes da embalagem de vidro retornável, o alumínio, descartável, foi eleito

como exemplo da mudança ecologicamente correta, devido à sua reciclabilidade. Ou

seja, a reciclabilidade tornou-se um ato de maior significado ecológico do que a

retornabilidade (reutilização), e o resultado foi o aumento do consumo de bebidas

gaseificadas embaladas em latas de alumínio. Ou seja, o significado do Projeto Escola é

a bem-sucedida campanha de marketing em favor da embalagem de alumínio, em

detrimento de seus concorrentes. O objetivo da indústria é reunir oportunidades para

recuperar matéria-prima a baixo custo e promover uma maior penetração de seu

produto, por meio de uma educação ambiental que premia comportamentos tidos

como ambientalmente corretos sob o ponto de vista da ideologia hegemônica,

diagnóstico também realizado por Guimarães (2000), que o evidencia como um

episódio exemplar de cooptação ideológica.

O discurso ecológico oficial propõe posturas menos políticas e mais técnicas

para o enfrentamento das questões ambientais, a exemplo da gestão ambiental por

intermédio da reciclagem, o que foi confirmado por Zacarias (1998). De fato,

Figueiredo (1994) atesta que "a despeito das reais motivações com relação aos

resíduos, são freqüentes as práticas que, longe de aprofundar a discussão, servem

como camuflagem ou de esquiva aos problemas fundamentais associados à questão,

com a intenção de manter e reproduzir a estrutura e a dinâmica vigente" (p. 37). Afinal

de contas, tudo indica que, no caso do lixo, o Estado é conivente com as forças

econômicas dominantes, não apenas porque abandona a dimensão técnica ao sabor

do laissez-faire, mas também porque permite que a esfera educacional reproduza e

cristalize os valores do discurso ecológico oficial, na medida em se associa ao mercado

e implementa programas voltados para a Pedagogia da Reciclagem nas escolas

públicas.

Segundo Zaneti (1997), "para reduzir o impacto no meio ambiente, tanto na

acumulação do lixo, como no esgotamento das fontes de recursos naturais, começam

os processos de reciclagem. Mas de nada adiantam campanhas para reciclar e

programas de Coleta Seletiva de Lixo, se não fizermos um trabalho de internalização de

novos hábitos e de atitudes para que, num futuro próximo, não haja mais lixo

excessivo e a sua causa, o consumo desmedido, tenha sido controlada." (p. 14). Ainda

de acordo com a autora, "a reciclagem vai reduzir, em parte, a crise, mas não vai

eliminá-la." (p. 15).

Embora corretas, ressaltamos que as considerações feitas pela autora são

incompletas, pois enquanto a educação ambiental, porta-voz das ideologias

ambientalistas, continuar aceitando o papel de disseminadora do discurso oficial e

enfatizando a reciclagem, sem discutir as causas da questão do lixo em suas

dimensões política, econômica, social e cultural e, sobretudo, persistir na neutralidade

ideológica, omitindo-se na criação de demandas por políticas públicas voltadas para o

enfrentamento concomitante dos problemas ambientais e da injustiça social, será

refém dos interesses alheios à transformação social e se comprometerá com uma

educação liberal, não progressista.

É verdade que, de acordo com Kligerman (2000), deve-se educar a sociedade,

pois, teoricamente, ela orienta a demanda. No entanto, é necessário avançar esse

raciocínio e questionar o educador e o que se ensina; do contrário, a prática educativa

poderá ser alvo da manipulação ideológica, a exemplo do que é possível verificar

quando a própria autora afirma que "temos que ajudar a natureza e a nós mesmos,

separando o lixo em nossa casa, fazendo a coleta seletiva" (p. 101).

Enfim, sem esquecer que os padrões de consumo praticados pelo primeiro

mundo e pelas elites do terceiro mundo - que não são mimeticamente generalizáveis

ao conjunto da humanidade -, é que constituem a força propulsora do esgotamento

ambiental (Parikh et al, 1994), o verdadeiro consumidor verde, ou melhor, o

verdadeiro cidadão consciente e responsável não é aquele que escolhe consumir

preferencialmente produtos recicláveis, ou que se engaja voluntariamente nos

programas de reciclagem, mas aquele que cobra do Poder Público, por meio de

processos coletivos de pressão, que o mercado ponha um fim na obsolescência

planejada e na descartabilidade, e, sobretudo, que exige do Estado a implementação

de políticas públicas que destruam os mecanismos perversos de concentração de

renda, propiciando, assim, a possibilidade de o grupo social dos catadores e sucateiros

repartir igualitariamente os ganhos oriundos da economia proporcionada pela

reciclagem do lixo, os quais, segundo Calderoni (1998), giram em torno de R$ 4,6

bilhões anuais. Se a educação ambiental pode ao mesmo tempo reverter tanto a

degradação ambiental como a opressão social e a exploração econômica, por que não

fazê-lo?

Referências Bibliográficas

ADAMS, J. Risk: the policy implications of risk compensation and plural rationalities.

London, UCL Press, 1995.

ALMEIDA Jr., J.B. de. A consolidação da indústria de reciclagem de latas de alumínio no

Brasil no período de 1990-1996. Rio de Janeiro, Monografia, USU, 1997.

ALMEIDA Jr., J.M. de. Educação como instrumento de transformação. In: INEP.

Desenvolvimento e Educação Ambiental. Brasília, INEP, 1992.

AYRES, R.U. Le metabolisme industriel et les changements de l'environnement

planetaire. Rev. Intern. Sci. Soc., Southampton, 121:401-412, 1989.

BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa, Edições 70, 1995.

BLAUTH, P. Rotulagem ambiental e consciência ecológica. Debates Socioambientais,

São Paulo, 2(5):10-12, 1996/97.

BOJADSEN, M.I. (Coord.) Lixo e reciclagem. São Paulo, 5 Elementos, 1997.

BRASIL. Alumínio. Rio de Janeiro, CPRM/DEGEC, 1972.

____. Minérios e metais não-ferrosos: desempenho e perspectivas 1964-1983. Rio de

Janeiro, DNPM, 1975.

____. Lei no 9.795, de 27 de abril de 1999. Brasília, Diário Oficial, 1999.

____. Agenda 21: Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento. Brasília, Senado Federal, 3a ed., 2000a.

____. Sumário Mineral 2000. Brasília, DNPM, 2000b.

BRÜGGER, P. Educação ou adestramento ambiental? Florianópolis, Letras

Contemporâneas, 1994.

CALDERONI, S. Os bilhões perdidos no lixo. São Paulo, Humanitas, 2a ed., 1998.

CARVALHO, I.C.M. Territorialidades em luta: uma análise dos discursos ecológicos. São

Paulo, Instituto Florestal. Série Registros, no 9, 1991.

____. As transformações na cultura e o debate ecológico: desafios políticos para a

educação ambiental. In: NOAL, F.O., REIGOTA, M. & BARCELOS, V.H. de L. (orgs.)

Tendências da Educação Ambiental Brasileira. Santa Cruz do Sul, Edunisc, p. 113-

126. 1998.

CEMPRE. Cempre Informa, São Paulo, 50(8), 2000.

CMMAD. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1988.

DURNING, A. How much is enough? The consumer society and the future of the Earth.

New York, WW Norton & Co., 1992.

EKINS, P. Uma noção subversiva. O Correio da Unesco, Rio de Janeiro, 26(3):6-9,

1998a.

____. Can humanity go beyond consumerism? Development, London, 41(1):23-27,

1998b.

FERREIRA, J.A. Resíduos sólidos: perspectivas atuais. In: SISINNO, C.L.S. & OLIVEIRA,

R.M. de. (Orgs.) Resíduos sólidos, ambiente e saúde: uma visão multidisciplinar.

Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, p. 19-40. 2000.

FIGUEIREDO, P.J.M. A sociedade do lixo: os resíduos, a questão energética e a crise

ambiental. Piracicaba, UNIMEP, 1994.

GARRIDA FILHO, I. et al. A mineração da bauxita no Vale do Trombetas: estudo de meio

ambiente e uso do solo. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, 52(3):41-

82, 1990.

GUIMARÃES, M. Educação ambiental: no consenso, um embate? Campinas, Papirus,

2000.

GUIMARÃES, R.P. O desafio político do desenvolvimento sustentado. Lua Nova, São

Paulo, 35:113-136, 1995.

HAWKEN, P. et al. Natural capitalism: creating the next industrial revolution. New York,

Little, Brown and Company, 1999.

JACOBI, P. & TEIXEIRA, M.A.C. Resíduos sólidos e educação ambiental: quando a

vontade influi nas políticas públicas. In: CASCINO, F., JACOBI, P. & OLIVEIRA, J.F. de

(Orgs.) Educação, meio ambiente e cidadania: reflexões e experiências. São Paulo,

SMA/CEAM, p. 53-60, 1998.

JARDIM, N.S. & WELLS, C. (Coords.) Lixo municipal: manual de gerenciamento

integrado. São Paulo, IPT/CEMPRE, 2a ed., 1996.

KLIGERMAN, D.C. A era da reciclagem x a era do desperdício. In: SISINNO, C.L.S. &

OLIVEIRA, R.M. de. (Orgs.) Resíduos sólidos, ambiente e saúde: uma visão

multidisciplinar. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, p. 99-110. 2000.

LANGENBACH, M. (Org.) A rede ecológica. Rio de Janeiro, PUC, 1997.

La ROVÈRE, A.L. & VIEIRA, L. (Orgs.) Tratados das ONG's aprovados no Fórum

Internacional de ONG's e Movimentos Sociais no âmbito do Fórum Global: Tratado

sobre Consumo e Estilo de Vida. Rio de Janeiro, Fórum Brasileiro de ONG's e

Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992.

LAYRARGUES, P.P. O discurso empresarial verde e a ideologia da racionalidade

econômica. São Paulo, Annablume, 1998.

____. Solving local environmental problems in environmental education: a Brazilian case

study. Environmental Education Research, Basingstoke, 6(2):167-178, 2000a.

____. Ideology and the environment: business leaders adopt a strategy of

environmental discourse regarding ISO 14000. Ciência e Cultura, São Paulo,

52(3):148-153, 2000b.

LIMA, G.F. da C. Questão ambiental e educação: contribuições para o debate. Ambiente

e Sociedade, Campinas, 2(5):135-153.1999.

LOUREIRO, C.F.B. & LAYRARGUES, P.P. Educação ambiental nos anos 90. Mudou, mas

nem tanto. Políticas Ambientais, Rio de Janeiro, 9(25):6-7. 2000.

MARTELL, L. Ecology and Society: an introduction. Cambridge, Polity Press, 1994.

MEADOWS, D.H. et al. Limites do Crescimento. São Paulo, Perspectiva, 2a ed., 1978.

MEADOWS, D.H. et al. Beyond the limits: confronting global colapse, envisioning a

sustainable future. Vermont, Chelsea Green Publishing Co., 1992.

PARIKH, J. et al. Padrões de consumo: a força propulsora do esgotamento ambiental.

In: MAY, P.H. & MOTTA, R.S. (Orgs.) Valorando a natureza: análise econômica para o

desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro, Campus, p. 1-10. 1994.

PENNA, C.G. O Estado do Planeta: sociedade de consumo e degradação ambiental. Rio

de Janeiro, Record, 1999.

RAMOS, C.R. Perfil analítico do alumínio. (Boletim no 55). Brasília, DNPM, 1982.

RATTNER, H. Estudos do Futuro: introdução à antecipação tecnológica e social. Rio de

Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1979.

RODRIGUES, A.M. Produção e consumo do e no espaço: problemática ambiental

urbana. São Paulo, Hucitec, 1998.

SCARLETT, L. Environnement et traitement des déchets: planisme ou marché. In:

FALQUE, M. & MILLIÈRE, G. (Dir.) Ecologie et liberté: une autre approche de

l'environnement. Paris, Litec, p. 307-322. 1992.

SCHMIDT, M. O lucro que vem do lixo. Ecologia e Desenvolvimento, Rio de Janeiro,

5(54):27-29, 1995.

SENAC. Brasil recicla mentalidade. Senac e Educação Ambiental, Rio de Janeiro,

9(1):32-33, 2000.

SEWELL, G.H. Administração e controle da qualidade ambiental. São Paulo, USP, 1978.

SILVA, P.M. da. A poluição. São Paulo, Difel, 1975.

SOSA, M.A. Reciclage: solución empresarial al problema de los desechos solidos.

Reciclage, alternativa ambientalista. Caracas, Adan, 1992.

TAYRA, F. Análise Setorial: mineração (Vol. 1). São Paulo, Gazeta Mercantil, 1998.

WACKERNAGEL, M. & REES, W.E. Our ecological footprint: reducing human impact on

the Earth. Gabriola Island, New Society Publishers, 1996.

WEINBERG, A.M. Raw materials unlimited. In: TANK, R.W. (Ed.) Focus on environmental

geology. New York, Oxford University Press, p. 270-281. 1976.

ZACARIAS, R. Coleta seletiva de lixo nas escolas e parceria com empresa: relato crítico

de uma experiência. Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado, PUC-RJ, 1998.

ZANETI, I. Além do lixo. Reciclar: um processo de trans form ação. Brasília, Terra

Una, 1997.