Transparência Eleitoral

O documento eletrônico individual do voto dará transparência às eleições

assinado com um certificado da ICP-Brasil para garantir a sua validade jurídica

Carlos Rocha

Presidente do Instituto Voto Legal, engenheiro formado no ITA, liderou o desenvolvimento e a fabricação da urna eletrônica

Processo eleitoral atual descumpre a lei

Recentemente, especialistas do Comando de Defesa Cibernética sugeriram ao TSE a "adoção de medidas que permitam a validação e a contagem de cada voto sufragado". Concordo com quem entende que a urna eletrônica deixa de cumprir duas leis: a que define o registro digital de cada voto e a que garante a validade jurídica do documento eletrônico. Isto torna impossível ao eleitor confirmar o registro digital do seu voto e à seção eleitoral realizar a contagem pública dos votos, como determina o Art. 37 da Constituição Federal. A urna faz uma apuração secreta, quando todo ato administrativo deve ser público para ter validade jurídica. Sem os instrumentos técnicos necessários, os partidos políticos não conseguem fiscalizar todas as fases da votação e apuração na urna eletrônica, um procedimento garantido pelo Art. 66 da Lei 9.504 de 1997.

Registro digital de cada voto

A Lei 9.504/97 estabelece, no parágrafo 4º do Art. 59, que: “A urna eletrônica disporá de recursos que, mediante assinatura digital, permitam o registro digital de cada voto e a identificação da urna em que foi registrado, resguardado o anonimato do eleitor.” Basta ler o texto para compreender que a Lei exige o registro digital do voto feito de modo individual e, naturalmente, através de um documento eletrônico que tenha a sua validade jurídica garantida por um certificado digital ICP-Brasil.

Em vez de fazer o registro individual do voto, a urna eletrônica armazena todos os votos juntos em um único arquivo, chamado de Registro Digital do Voto RDV. O nome no singular pode passar uma mensagem enganosa, pois, ao guardar todos os votos de uma seção eleitoral, o arquivo único deveria se chamar “Registro Digital de Todos os Votos”, o que, obviamente, não atende ao que a lei determina.

Como o arquivo único RDV reúne todos os votos, ele não pode se tornar um documento eletrônico com validade jurídica, antes do final da votação, porque, a cada novo voto recebido pela urna, o conteúdo do RDV é alterado. Por isso, o arquivo RDV não impede a manipulação dos votos, no caso de um ataque interno aos programas da urna, realizado por alguém que está dentro da organização e tem controle absoluto sobre o código-fonte. Quase 70% das invasões de sistemas tem origem dentro das próprias organizações. O registro digital do voto, realizado em uma linha da planilha RDV, não tem a necessária validade jurídica que só seria garantida, através de um documento eletrônico individual criado para cada voto, assinado digitalmente com um certificado digital da ICP-Brasil.

Validade jurídica do documento eletrônico do voto

"Fica instituída a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras". Este é o art. 1º da Medida Provisória (MP) 2.200 de 2001, considerada o marco normativo da validade jurídica do documento digital no direito brasileiro.

Tempos atrás, você chegava a uma loja e, depois da compra, aguardava o vendedor retirar o talão de notas fiscais da gaveta e preencher a sua nota em papel, manualmente. Isso se tornou coisa do passado. Hoje, todas as empresas emitem a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), que substitui a nota fiscal impressa em papel. O documento eletrônico mantém um formato similar ao documento em papel e contém os mesmos dados da empresa, sem qualquer dado do funcionário que emite a nota. Cada empresa precisa fazer a assinatura digital da Nota Fiscal eletrônica com o seu e-CNPJ, o respectivo certificado digital da ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica do documento eletrônico da nota fiscal.

O documento eletrônico individual do voto substitui a cédula impressa em papel

Nas eleições de 2022, continuarão ocorrendo votação e apuração realizadas com cédulas impressas em papel, quando não são usadas urnas eletrônicas, na forma definida pela Resolução TSE Nº 23.669, de 14 de dezembro de 2021. Assim, para gerar o registro digital de cada voto, seria natural a urna eletrônica criar um documento eletrônico individual, seguindo o mesmo formato definido para as cédulas em papel. Entre os artigos 82 a 89, a Lei 9.504/1997 define duas cédulas oficiais impressas em papel: uma de cor branca, para as eleições proporcionais, e outra de cor amarela, para as eleições majoritárias.

Um certificado digital ICP-Brasil para cada seção eleitoral, similar ao usado em cada empresa

Para as eleições de 2022, a seção eleitoral assinaria digitalmente cada documento eletrônico do voto, com o seu respectivo certificado digital da ICP-Brasil pré-instalado na urna eletrônica para usá-lo da mesma forma que toda empresa faz. Na urna, um programa certificado pelo INMETRO gera um documento eletrônico para cada voto, com a validade jurídica da assinatura digital ICP-Brasil. No documento eletrônico criado para o registro digital de cada voto, não haverá qualquer informação sobre o eleitor ou sobre o momento do voto, para garantir o sigilo do voto, exatamente da mesma forma realizada nas cédulas impressas em papel.

O novo documento eletrônico do voto poderia ser exibido ao eleitor, na tela da urna eletrônica, para a sua verificação e confirmação. A contagem pública ocorreria na seção eleitoral, com a exibição de cada voto na tela, para a fiscalização dos partidos. Auditorias independentes fariam a recontagem dos documentos eletrônicos dos votos, após a eleição. A autenticidade legal do documento eletrônico do voto será sempre garantida pela certificação digital da ICP-Brasil, com uma cadeia de confiança independente do TSE.

Ao usar "tecnologia de hardware com os mesmos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil", a urna eletrônica não consegue garantir a validade jurídica dos documentos que gera. A validade jurídica de um documento eletrônico só será garantida com a assinatura digital de um certificado digital fornecido por uma Autoridade Certificadora credenciada na ICP-Brasil e independente do TSE.

Certificar a urna eletrônica no INMETRO, igual ao que se exige da balança da padaria

A urna eletrônica deve ser o único produto eletrônico profissional, no Brasil, que não tem qualquer certificação independente. Até a balança da padaria precisa ser certificada pelo INMETRO, antes de medir o peso da mortadela comprada pelo consumidor. INMETRO e TSE definirão, em conjunto, o processo de certificação independente da urna eletrônica e dos programas do sistema eletrônico de votação.

Este debate exige qualificação técnica profissional

A integridade do seu voto, a segurança da informação e a governança organizacional da Administração Eleitoral são temas essencialmente técnicos e devem ser tratados por especialistas que estudam o assunto, sem a polarização política que vem ocorrendo.

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