UnB rompe barreiras do DF e está presente também em outros pontos do Cerrado; na imagem, paisagem típica da Chapada dos Veadeiros | Duda Bentes
A atuação da Universidade de Brasília (UnB) não se restringe apenas aos quatro campi localizados no Distrito Federal (DF). A Universidade rompe as barreiras do quadradinho e também está presente em outros locais do Cerrado, considerado o segundo maior bioma do Brasil.
Na Chapada dos Veadeiros (GO), por exemplo, a UnB conta com uma sede na cidade de Alto Paraíso de Goiás e um polo de extensão dedicado aos estudos e trocas de experiências entre estudantes da instituição e comunidade local.
Localizado a 230 km de Brasília, o Centro de Estudos do Cerrado da Chapada dos Veadeiros, conhecido como Centro UnB Cerrado (CER), simboliza a integração das iniciativas de pesquisa, ensino e extensão da UnB na região. O projeto é multidisciplinar e está ligado ao Gabinete da Reitora Márcia Abrahão, assim como outros na Universidade.
Na imagem, vista área do conjunto de nove blocos que compõem o CER em Alto Paraíso de Goiás (GO) | Antônio Felipe
Maria Júlia Martins é diretora do Centro UnB Cerrado desde 2021 e professora do Instituto de Biologia (IB) da UnB. A pesquisadora, que atua no CER desde que ele foi criado, em 2011, contou ao Campus Multiplataforma que a iniciativa de construir uma sede para o projeto foi do ex-vereador de Alto Paraíso Eduardo Estellita (PV-GO) em 2007.
“Ele achava importante ter a presença da Universidade lá na região. Então, perturbou todo mundo aqui no Congresso e conseguiu uma emenda parlamentar direcionada para a construção de um centro ligado à UnB", disse.
Nos nove blocos de construções térreas, o UnB Cerrado conta com laboratório, biblioteca, espaço para estudo compartilhado, auditório, refeitório, além de quatro salas de aula | Duda Bentes
O CER tem um colegiado comunitário que escuta tanto as prefeituras dos municípios da Chapada dos Veadeiros (Cavalcante, Alto Paraíso, Colinas do Sul, Nova Roma, Teresina de Goiás e São João d'Aliança) quanto representantes da sociedade civil, como ONGs e líderes locais.
Isso tudo, segundo envolvidos na iniciativa, para que a UnB possa atuar de maneira assertiva nos territórios, entendendo as realidades e particularidades de cada um.
Nos nove blocos de construções térreas finalizadas em maio de 2022, há um laboratório, biblioteca, espaço para estudo compartilhado, auditório, refeitório e quatro salas de aula. A estrutura permite que possam ser realizadas encontros presenciais, projetos de pesquisa e atividades de extensão.
Na imagem, laboratório do UnB Cerrado, inaugurado em maio de 2022 | Beto Monteiro
A diretora do CER explicou ao Campus que, nos últimos anos, a UnB tem dado uma atenção especial para a área de extensão. “O Ministério da Educação começou a exigir que os cursos de graduação das universidades públicas tivessem 10% de extensão em seus currículos. Então, a reitora fez um movimento para que o Decanato de Extensão tivesse mais recursos para oferecer bolsas”, disse.
Esse investimento na articulação entre universidade e sociedade fez com que a UnB criasse um núcleo focado em incentivar os trabalhos na região. O Polo de Extensão Chapada dos Veadeiros foi inaugurado em maio de 2022 junto com o espaço físico do UnB Cerrado. A sede da iniciativa funciona dentro do centro.
A estrutura é uma polo da Diretoria de Desenvolvimento e Integração Social (DDIS) e do Decanato de Extensão (DEX) e faz parte da Rede de Polos de Extensão (Repe) da UnB. A Repe conta com 61 projetos e cinco polos. São eles:
Recanto das Emas;
Paranoá;
Estrutural;
Kaluga; e
Chapada dos Veadeiros.
Segundo Rogério Ferreira, diretor da DDIS, a rede busca organizar as ações da Universidade nos territórios, saindo da dimensão de projetos específicos para a dimensão de programa.
“Nós tínhamos ações sendo feitas no mesmo território há anos, com perspectivas parecidas, mas que não se conheciam entre si. Nós estamos rompendo essas barreiras e integrando a comunidade acadêmica”, disse.
Assista (24s):
Maria Fernanda Nince também é professora do Instituto de Biologia e acumula duas funções de coordenadora: do Polo de Extensão UnB Chapada dos Veadeiros e de extensão do Centro UnB Cerrado. Ao Campus, contou que a possibilidade de conversar com as comunidades locais tem aumentado, proporcionando a divulgação científica e o trabalho de valorização dos saberes.
“A atuação da comunidade, a participação nas questões de sustentabilidade e a gestão dos territórios são muito importantes. Por isso, vimos a necessidade de estarmos presentes na região”, afirmou.
Na imagem, integrantes realizam atividade no auditório do centro | Arquivo UnB Cerrado
Alguns professores do UnB Cerrado atuam no Polo Kalunga, que tem como base territorial o município de Cavalcante. Dentro do Polo Chapada, são 12 projetos. O número representou um aumento em relação ao ano passado, quando eram nove iniciativas aprovadas. Cada um desses tem um coordenador e dois bolsistas, mas também contam com extensionistas voluntários.
“Todos os projetos têm um eixo comum na sustentabilidade e isso é bem visível para nós. Mas eles abrangem temas das mais variadas áreas, como saúde, biologia, conservação, gestão de resíduos sólidos, ocupação da cidade, comunidades tradicionais, artes e educação ambiental”, explicou Nince.
Para que os estudantes saiam de Brasília para participar de atividades no Centro UnB Cerrado, é preciso que sejam garantidos, no mínimo, transporte e hospedagem. E essas foram observações feitas por quase todos os entrevistados ouvidos pelo Campus Multiplataforma.
O conjunto de casas que serviria de alojamento para os visitantes estava previsto no projeto arquitetônico e começou a ser construído. Entretanto, a obra parou por falta de verba. Outra problemática, explicou a diretora, é o fato de ser fora do DF e, então, a responsabilidade deixa de ser da UnB e passa a ser do governo federal.
“Recentemente, consegui, junto com os funcionários do Centro, levar o pessoal da infraestrutura da UnB para avaliar a construção. Eles fizeram esse trabalho e vão nos dar um valor, e eu vou tentar fazer com que a Reitoria banque", disse.
Pesquisadores ouvidos pelo Campus são unânimes em relatar problemas de falta de recursos; na imagem, obra do alojamento do CER está abandonada por falta de verba | Arquivo UnB Cerrado
A própria Maria Júlia, que é professora de graduação e pós-graduação, relata que ainda não conseguiu fazer uma saída de campo para o Centro porque a locomoção ainda é o maior problema.
“Nós já conseguimos nos relacionar com os donos de pousadas e campings, e eles fazem um preço mais barato tanto para os alunos quanto para os professores. Então, nesse quesito, conseguimos viabilizar as viagens”, disse. Em relação ao transporte, a pesquisadora conta que a UnB tem complicações relacionadas à empresa responsável pelo serviço.
Assista (1min):
Monitorar a presença dos sapos Allobates goianus faz parte da atual pesquisa de Reuber Brandão, professor do Departamento de Engenharia Florestal da UnB. Ele é membro do UnB Cerrado desde o início, em 2011, e desenvolve pesquisas voltadas à conservação, ecologia e taxonomia da herpetofauna (répteis e anfíbios) do Cerrado.
Na imagem, sapo da espécie pesquisada pela UnB na Chapada| Reuber Brandão
Para Brandão, o foco do Centro não se restringe apenas em pesquisas na Chapada dos Veadeiros, mas em expandir a atuação e se tornar um grande vetor de geração de conhecimento sobre a biodiversidade do Cerrado.
O pesquisador resumiu a sua participação como geradora de conhecimento em biodiversidade: “Eu realizo muitas pesquisas na Chapada e regiões vizinhas. Já descrevemos espécies novas de anfíbios e répteis para a região, trabalhamos muito com questões do fogo na conservação da fauna, desmatamento, atropelamento de animais”.
Atualmente, um grupo de estudantes orientados pelo professor está trabalhando com a conservação da espécie de sapo, ameaçada de extinção. “Estamos estudando o papel de cupinzeiros como abrigos microclimáticos para o fogo e, eventualmente, para mudanças climáticas", contou. "E como que essa maior ocorrência de fogo e menor conforto climático, para esses animais, que são animais muito sensíveis a mudanças no clima, podem ser amenizadas pela presença de cupinzeiros na paisagem", disse.
Equipe de Brandão vão campo na Chapada dos Veadeiros | Reuber Brandão
Segundo Brandão, não adianta pensar em uso sustentável do Cerrado se não tiver biodiversidade: “Se a gente não tiver essa preocupação forte em proteger o que é a base, que é a biodiversidade, todo o resto desaba”.
Nas épocas de interesse dos alunos, como quando está chovendo muito ou acontecem eventos relacionados ao manejo do fogo, eles vão a campo. O laboratório do departamento em que Reuber atua possui uma kombi disponível para saídas, mas, segundo ele, nem sempre há recursos disponíveis para a manutenção do veículo.
De acordo com o biólogo, não só o transporte é um desafio para a equipe, mas também a estadia na região. “Os alunos muitas vezes não tem condição de se manter na Chapada, porque é uma região cara e que está ‘gourmetizada’. Se tiver recurso para finalizar o alojamento, a gente consegue levar grupos com mais frequência e, quem sabe, ministrar disciplinas completas por lá”, relatou.
Na imagem, o professor Departamento de Engenharia Florestal da UnB (à dir.) com pesquisadores na Chapada | Arquivo pessoal/Reuber Brandão
Ameaçada de extinção, a onça-pintada é o terceiro maior felino do mundo. A presença do animal quase sempre indica que o ecossistema está equilibrado, já que elas são bastante sensíveis às alterações do ambiente. Monitorar as aparições da espécie é importante para a conservação do Cerrado, e esse trabalho é desenvolvido pela UnB.
José Luiz de Franco é professor de história ambiental na Universidade e faz parte do grupo de fundadores do Centro UnB Cerrado. Ele também é um dos coordenadores do Programa de Conservação dos Mamíferos da Chapada dos Veadeiros (PCMCV).
O grupo de pesquisa monitora a presença de mamíferos de grande e médio porte na região por meio de armadilhas fotográficas. O projeto tem câmeras no Parque Nacional, em Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e em outras áreas privadas.
A ideia é entender a diversidade dos animais, os comportamentos e a abundância relativa de cada espécie. Há uma atenção especial com as onças-pintadas, já que Franco é um estudioso do animal. “Escrevo sobre a história da onça-pintada no Brasil, e isso vai desde como a espécie chegou aqui, até a história da relação entre seres humanos e estes animais. No passado, os caçadores eram as principais fontes sobre o tema”, explicou.
Na imagem, o o historiador especialista em onças-pintadas com o animal| Arquivo pessoal/José Luiz Franco
O professor recebe apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) para viabilizar um projeto que foca na conservação dos felinos por toda a extensão do Cerrado.
Ele contou que se tem registros de onças-pintadas desde o DF e o município de Formosa (GO), até a Chapada dos Veadeiros, Serra do Tombador, Parque Estadual de Terra Ronca, na Bahia, e no Parque Nacional Grande Sertão Veredas, entre Minas Gerais e Bahia. Toda essa extensão territorial foi denominada de corredor central da onça-pintada.
A delimitação territorial permite que os pesquisadores possam entender quais as áreas por onde as onças se movimentam e se dispersam, e assim estabelecer estratégias de conservação.
“A onça-pintada é uma espécie que chamamos de espécie-chave. Se você tira ela de um ecossistema, provavelmente isso terá um efeito cascata e outras espécies serão afetadas e podem ser extintas. Quando você protege a onça-pintada, você protege as outras espécies também”, explicou o historiador.
Recentemente, o projeto conseguiu verba para comprar 50 novas armadilhas fotográficas, e a equipe, composta por dois bolsistas de pós-doutorado e outros pesquisadores, se prepara para instalá-las.
Além disso, os estudiosos buscam realizar oficinas para entender as expectativas dos diversos atores sociais nos municípios da Área de Proteção Ambiental (APA) do Pouso Alto — local que será mais focalizado.
As artes cênicas também têm espaço no UnB Cerrado. Jonas Sales, professor do Departamento de Artes Cênicas da UnB, desenvolve pesquisas no campo do corpo e negritude, expressões populares e pedagogias da cena.
O artista é um dos membros fundadores do UnB Cerrado e contribuiu na reflexão sobre a importância da Universidade estar na Chapada dos Veadeiros.
Chamado “Cena Sankofa no Cerrado”, o projeto desenvolvido por Sales na região busca levar oficinas de teatro, música e dança, conectando os alunos com os jovens das comunidades, principalmente os quilombolas Kalunga, em Cavalcante. A partir disso, foi possível mapear as expressões artísticas das localidades e analisá-las.
“Evidentemente não podemos chamar as expressividades cênicas que existem no Cerrado de teatro, mas a gente consegue perceber uma espetacularidade contida neste universo das expressões tradicionais", afirmou ao Campus Multiplataforma.
Ele citou, por exemplo, a dança tradicional Kalunga Sussa, a Festa da Caçada da Rainha, considerado patrimônio imaterial goiano, e a festa religiosa Império do Divino como exemplos de manifestações populares com elementos cênicos. Segundo o pesquisador, é possível fazer conexões entre o que é considerado tradicional dentro do teatro.
Na imagem, registro da performance "Axé Nzinga", apresentada por Jonas Sales no auditório do CER em julho de 2022 | Arquivo UnB Cerrado
Para o professor, sair do espaço da UnB é muito importante, porque os alunos percebem que o conhecimento também é encontrado além das fronteiras do espaço físico, em Brasília. "Nossa luta hoje é fazer com que outros saberes sejam construídos fora do ambiente acadêmico”, declarou.
Esta reportagem foi editada por Isadora Albernaz
O Campus Multiplataforma é um jornal-laboratório da UnB sob a coordenação de Zanei Barcellos