O encontro da Bauhaus com a Gestalt: heranças na construção de uma linguagem visual no Design


No ramo criativo, principalmente quando associado à estética e à usabilidade, habitualmente emergem dúvidas relacionadas à maneira como o que é criado será visto. Nesse sentido, toda a produção da Bauhaus - tanto material quanto teórica - constitui um importante instrumento para a compreensão dessa linha de pensamento voltada ao Design. Reconhecida mundialmente como a primeira escola dessa área, ela traz fundamentos para que hoje possamos discutir a identificação de uma linguagem visual.


Josef Albers discutindo esculturas de papel apresentadas por seus estudantes durante o Curso Básico na Bauhaus, Dessau, Alemanha (1928-1929).Foto: Umbo (Otto Umbehr) © The Joseph and Anni Albers Foundation (Fonte)

Por sua vez, essa linguagem da visão refere-se a “um código de formas abstratas direcionadas mais à percepção biológica imediata que ao intelecto culturalmente condicionado” (LUPTON & MILLER, p. 26, 2008). Os bauhausianos pretendiam, portanto, identificar um sistema de linguagem que transpassasse a visão carregada ideológica e culturalmente, se restringindo à percepção frontal do conteúdo. Essa era uma maneira de sintetizar e sistematizar o processo criativo, baseado nas ideias da Gestalt, isto é, psicologia da forma, como explica Fraccaroli:

“Em consequência de preocupações de ordem cultural, ou seja, de preconceitos intelectuais, morais e religiosos, o sujeito se desvia da percepção espontânea e puramente formal do objeto. Há uma cortina de bagagem cultural que lhe impede esse contacto direto com os valores reais de uma obra de arte.” (FRACCAROLI, pp. 30-31, 1952)

Marcada pelo funcionalismo, a Bauhaus acaba instaurando grandes mudanças em um curto espaço de tempo e em um cenário visual racionalista, que tinha forte presença de elementos ornamentais e era voltado à tradição. Um de seus princípios, sendo muito influente até os dias atuais, era a máxima de que “a forma segue a função” - uma frase emblemática dita por Louis Sullivan em meados de 1896. Isso significa que, nos princípios bauhausianos, para um bom design, quanto maior for a fidelidade do artefato àquilo que ele será atribuído, melhor.

Nesse sentido, é a partir das ideias gestaltianas que a Bauhaus traz uma revolução na arquitetura e no design. A Gestalt acabou tornando-se um subsídio teórico para essas áreas, uma vez que, como propôs Fraccaroli,

“A grande contribuição da Gestalt no campo da Estética seria fornecer argumentos de combate às teorias relativistas que sempre reinaram no tratamento do assunto. Temos que reconhecer que há algo na arte que transcende a um exclusivo gosto pessoal ou a um gosto na dependência de um momento histórico. Os aspectos culturais refletem-se nela, mas não constituem seu fundamento.” (FRACCAROLI, p. 33, 1952)

Um exemplo claro dessa transformação é a reformulação de objetos triviais, como as cadeiras. Na imagem a seguir, percebe-se a forte inclinação bauhausiana ao minimalismo, bem como a fidedignidade à função do objeto: não necessita-se de ornamentos e os materiais utilizados têm, sem exceção, fins práticos. Pautada na função, a produção também era privilegiada, uma vez que buscava esquematizar o processo e torná-lo o mais prático possível.


Mulher vestindo uma máscara teatral de Oskar Schlemmer e sentada na Cadeira B3 de Marcel Breuer, 1926.Foto: Erich Consemüller, Bauhaus-Archiv Berlin / © Dr. Stephan Consemüller (Fonte)

Assim, percebe-se a construção de princípios para a linguagem visual embasados na psicologia da forma, principalmente no que concerne ao design. No livro ABC da Bauhaus, Ellen Lupton discorre sobre a produção de um “dicionário visual”, citado anteriormente pelo artista Wassily Kandinsky quando este propôs uma universalização de teorias visuais para composição da arte. Isso pode se dar, como cita LUPTON (2008), embasados em “técnicas e estratégias para organizar materiais textuais e pictóricos: gráfico, grid, tradução e figura”.

Em termos gerais, a Bauhaus crescia concomitantemente à teoria da Gestalt na Alemanha. Quando unidas, principalmente através de palestras sobre esta psicologia na escola, criou-se uma força importante para a “ideologia da visão como faculdade autônoma e racional” (LUPTON & MILLER, p. 34, 2008) no cenário pós Segunda Guerra. É fundamental citar que

“A Gestalt não é tanto sobre o todo, como é sobre a relacionalidade - sobre ver padrões e formar conexões. A melhor evidência da Gestalt na Bauhaus está no modo como Albers antecipou e manipulou esse fenômeno perceptivo.

Há varias obras de Albers na Bauhaus que demonstram o seu interesse no que os psicólogos da Gestalt identificaram como a nossa tendência cognitiva inerente de constelar - isto é, percebemos formas separadas em termos de padrões, em vez de individualmente. Nós agrupamos formas devido à sua proximidade, e vemos elementos que parecem formar um todo.” (TEIXEIRA, COSTA & ROCHA, p. 17, 2019)

No comparativo de figuras a seguir, vimos que, como citaram Teixeira, Costa e Rocha, os pensadores e professores bauhausianos corroboraram para a inscrição da psicologia da forma no design. Até os dias de hoje, os fundamentos que a Bauhaus deixou para o mundo moderno, adicionados à Gestalt, constituem argumentos e princípios para linguagem visual. Além disso, incitam a continuação de estudos nessa área.

Figura 1 (esquerda): Desenho sem título, Josef Albers / © The Josef and Anni Albers Foundation (1976) Figura 2 (direita): Estudo da Figura e do Fundo, Edgar Rubin (1976)(Fonte)

Em contrapartida, como explica Lupton,

“Se a Gestalt privilegia estruturas perceptivas, ela desencoraja a reflexão sobre estruturas culturais. Os contextos sociais, linguísticos e institucionais do design recuam ante a figura dominante da forma.” (LUPTON & MILLER, p. 34, 2008)

Nesse viés, em uma opinião pessoal, acredito que deve haver um balanceamento no processo criativo do designer para que o seu papel não seja mecanizado e seus artefatos não se restrinjam a uma sistematização. É imprescindível, no mundo contemporâneo, saber ponderar que a arte e as produções visuais também são ferramentas políticas e devem levar em conta a história e a cultura, uma vez que não permanecemos num mundo estático. É indiscutível o papel fundamental que as teorias da visualidade têm no ramo do design e no próprio estudo da área, mas é também necessário questionar se existem regras ou se elas devem incluir a intuição pessoal do designer.

Referências

FRACCAROLI, C. A percepção da forma e sua relação com o fenômeno artístico: o problema visto através da Gestalt (psicologia da forma). São Paulo: FAU USP, 1952.

LUPTON, E.; MILLER, J. A. ABC da Bauhaus. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

TEIXEIRA, C. F. M; COSTA, L. E. S. P.; ROCHA, M. I. Q. Gestalt na Bauhaus: A estrutura e a forma. Universidade Lusófona do Porto, 2019.

Ficha Técnica

Texto desenvolvido por Yasla Emanuelle de Almeida Moreira para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).