Gestalt, linguagem universal/local e a reeducação visual


Pretendo, através deste texto, citar as leis da gestalt e sua importância para os designers na execução de seu fazer, não de maneira limitante, mas sim como uma nova lente para olhar o mundo. Além de falar um pouco de uma linguagem visual universal versus uma linguagem local/cultural, e como uma pode complementar a outra e pode ser aplicada em situações diferentes.


Apesar dos nomes e do título aparentemente complicado, a mensagem que quero passar é bem mais simples. Irei começar falando um pouco da gestalt e suas leis.


A Gestalt é uma escola alemã, originada por Wertheimer, em 1910. Era um estudo presente no campo da percepção visual, em que buscava o porquê de algumas formas agradarem e outras não. Esse estudo se apoiava na fisiologia do nosso sistema nervoso, intrínseco ao ser humano.


Primeiramente, fiquem com essa fala em mente: “Não vemos partes isoladas, mas relações. As partes são inseparáveis do todo.” (FRACCAROLI, 1952)

Isto é, as partes influenciam uma à outra. Uma influencia a nossa percepção sobre a outra, as partes, o todo.


Nosso cérebro tende a organizar as informações que vemos de maneira espontânea em “todos” coerentes e unificados. Essa organização é regida por forças internas e externas. As forças internas são os mecanismos espontâneos do nosso cérebro. As forças externas são os fatores do ambiente em que se encontra o artefato e o ambiente em si, em outras palavras, a luz que estimula a nossa retina.


Abaixo os “princípios básicos que regem as forças internas de organização”, também conhecidos como leis da gestalt:

1. Força de segregação e unificação: porque uma superfície contornada se separa do resto do campo como unidade visual.

Figura 1

2. Fechamento: existe uma tendência psicológica de unir intervalos e estabelecer ligações, continuarmos vendo um triângulo mesmo estando incompleto na imagem a seguir:

Figura 2

3. Boa continuidade: toda unidade linear tende a se prolongar na mesma direção e com o mesmo movimento. Ao observar uma linha fazendo uma curva, tendemos a visualizar uma continuidade dela para frente na mesma curvatura/direção, como se estivesse em movimento.

Figura 3

4. Proximidade e semelhança.

Proximidade: elementos que estejam próximos tendem a ser vistos juntos, como uma unidade e/ou fazendo parte do mesmo grupo. Quanto mais curta a distância (maior proximidade), entre dois pontos/elementos, mais unificação se dá;

Semelhança: elementos com cores e formas iguais “despertam uma tendência dinâmica de constituir unidade”, isto é, tendemos a buscar estabelecer grupos com elementos similares, sendo essas similaridades a cor, a forma ou outra característica. Fracarolli cita que a semelhança é ainda mais importante que a proximidade como fator de organização.


Figura 4

5. Figura e Fundo: a percepção de uma figura (acontece também com cores) muda em relação ao fundo em que está localizada/emoldurada. Nosso cérebro define prioridades do que ver, em um momento a figura é principal/primária e o fundo se torna secundário. Se trocarmos, troca-se o título (figura//fundo) e a importância (primário//secundário). Mas, ao mesmo tempo, também vemos o todo.


6. Pregnância da forma ou força estrutural: é a união dos fatores citados acima, a sua atuação em conjunto. A combinação da atuação das forças internas e externas. A busca dessas forças por um equilíbrio. Uma “tendência dinâmica de organizar, de estruturar, da melhor forma possível, esses estímulos exteriores.” (FRACCAROLI, 1952)

Ao mesmo tempo, a pregnância também se trata da facilidade que um elemento tem de ser lembrado e assimilado/identificado. Quanto mais simples e mais fácil de se entender, mais pregnante.



Muitas vezes uma peça gráfica é considerada boa ou bem executada exatamente (e intencionalmente) por ter aplicado bem um ou mais desses princípios, por entender como vemos o mundo, não por algum motivo aleatório, ou porque “simplesmente é”. É importante que os designers tenham isso em mente.


“Sem dúvida, o indivíduo pode aprender a ver de determinada maneira e é possível, mesmo, que esse treino deturpe a percepção original.” (FRACCAROLI, 1952, p.28)


Também acho importante ressaltar a importância de buscar conhecer o repertório do público específico para o qual se está criando. Um elemento pictórico de um boneco para representar o banheiro feminino ou masculino (ou compartilhado) pode até ser reconhecido ao redor de boa parte do mundo, mas quando se trata de cor, por exemplo, para nós do Brasil o branco é muito adequado para as cerimônias de casamento, no entanto, na Ásia a cor branca é muito relacionada ao luto.


Entender que cada cultura/povo possui maneiras de enxergar o mundo, signos, significados, o que é familiar e o que é estranho.


“Em vez de personalizar o modernismo, poderíamos colocar em foco o poder e a penetração das linguagens que utilizamos - visuais e verbais, privadas e públicas, abstratas e convencionais.” (MILLER & LUPTON, 2008, p.37)


Utilizar os princípios da gestalt para criar peças visualmente interessantes com pregnância e buscar elementos para representar ideias que façam sentido para o público é a combinação a qual sugiro os designers estarem sempre buscando. Buscar além da sua própria visão e investigar o porquê das peças possuírem harmonia e/ou cumprirem suas funções.


“A grande contribuição da Gestalt no campo da Estética seria fornecer argumentos de combate às teorias relativistas que sempre reinaram no tratamento do assunto.” (FRACCAROLI, 1952, p.33)


Figura 7: Série de pictogramas desenvolvidos pelo designer alemão Aicher Otlpara os jogos olímpicos de Munique em 1972.

Aluno: Renan Alves de Meneses

Email: renanalvesdemeneses@gmail.com


Referências:

  • MILLER, J. Abbott; LUPTON, Ellen. ABC da Bauhaus. São Paulo: Cosac Naify, 2008

  • FRACCAROLI, Caetano. A Percepção da Forma e Sua Relação com o Fenômeno Artístico - O Problema Visto Através da Gestalt (Psicologia da Forma). São Paulo: FAUUSP, 1952


Texto desenvolvido por Renan Alves de Meneses para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).