A relação sujeito-objeto nas Teorias da Visualidade:

uma análise do papel do designer como mediador

na percepção das formas



“O design gráfico - que supre necessidades estéticas, obedece às leis da forma e às exigências do espaço bidimensional; que fala na língua das semióticas, das letras sem serifa e da geometria; que abstrai, transforma, traduz, gira, dilata, repete, espelha, agrupa e reagrupa - não será bom se não tiver nada a dizer” (RAND, 2015, p. 9).


O design é inerente às relações do cotidiano e pode ser entendido enquanto o caminho para a tradução de significados em artefatos. Como destaca Rand (2015), esse não será aprazível se não atuar tal qual um instrumento a serviço da comunicação. Isto é, necessitando ser expressivo.

Diante desse contexto, é possível compreender que o design se faz existente na inter-relação da escrita visual e verbal, onde há a síntese das palavras e imagens e, de igual modo, a forma se torna discursiva, refletindo e sendo interpretada a partir de dimensões socioculturais (LUPTON; MILLER, 2019). Assim, no processo desde a concepção e idealização da forma ao modo em que ela passa a ser percebida pelos sujeitos, se encontra o designer.

Para Lupton e Miller (2019, p. 29), “o designer gráfico ‘escreve’ documentos verbais/visuais ao distribuir, dimensionar, enquadrar e editar imagens e textos. As estratégias visuais do design não são absolutos universais; elas geram, exploram e refletem convenções culturais”. Posto isso, o designer atua de forma ativa na organização, construção e, consequentemente, percepção das formas pelos indivíduos, uma vez que, como destaca Papanek (1971 apud MONTEIRO, 2019, p. 34, tradução do autor¹), “a coisa mais importante sobre o design é como ele se relaciona com as pessoas”.

Assim sendo, faz-se necessário compreender como o designer, enquanto mediador da percepção, fortalece a relação sujeito-objeto, pautado nas Teorias da Visualidade, sobretudo nos princípios da Gestalt, que, como enfatiza Fraccaroli (2019), é um campo científico da psicologia experimental que se apoia na fisiologia do sistema nervoso na busca por explicar essa relação.

A teoria gestáltica afirma que nossa percepção se dá por excitação cerebral por extensão, onde a primeira sensação, global e unificada, é a forma. Ou seja, vemos “todos estruturados como resultado de relações” (KEPES, 1944 apud FRACCAROLI, 1952, p. 8). Desse modo, diante da existência de uma percepção estética, passamos a ver objetos por sua harmonia, em relações em que as partes são inseparáveis do todo e, fora dele, são distintamente percebidas. Além disso, todo esse processo se dá de maneira consciente, estando estritamente ligado às forças integradoras do processo fisiológico, sendo elas internas e externas (FRACCAROLI, 1952).

Ante o exposto, tem-se que:


[...] cada imagem percebida é resultado da interação dessas duas forças. As forças externas sendo os agentes luminosos bombardeando a retina e as forças internas constituindo a tendência dinâmica de organizar, de estruturar, da melhor forma possível, esses estímulos exteriores. (FRACCAROLI, 1952, p. 27).

Em outras palavras, visualizamos as formas por conta da organização desenvolvida a partir do estímulo próprio (FRACCAROLI, 1952). Logo, o designer pode se apropriar das constantes de organização, que estruturam as formas psicologicamente percebidas, para fortalecer a relação sujeito-objeto na produção de artefatos. Para tal, existem alguns padrões, fatores e princípios básicos que constituem as leis de organização da Gestalt, que se apresentam como norteadores para o entendimento da percepção na psicologia das formas.

Dentre elas, tem-se a segregação, que age diante à desigualdade de estimulação; a unificação, dialogando com a igualdade da estimulação; onde ambas explicam a formação de unidades (FRACCAROLI, 1952). De modo igual, tem-se a lei do fechamento, na qual completamos mentalmente ‘todos fechados’, isto é, as lacunas, a fim visualizar formas regulares ao unir intervalos; a da sequência/continuidade, em que prolongamos formas em uma mesma direção contínua, de modo sucessivo, em um destino comum e por meio de uma continuação natural. Ao que concerne à percepção de espaço, temos as leis de semelhança, em que elementos que possuam igualdades, sejam elas de forma ou cor, constituem um grupo; e a da proximidade, na qual elementos próximos tendem a ser vistos juntos; ambas agem em comum objetivo e de modo correlacionado, seja para reforço ou enfraquecimento mútuo (FRACCAROLI, 1952).

A fim de exemplificação, tem-se abaixo algumas figuras que traduzem a aplicação de tais princípios na prática.


Figura 1 - Campanha de Headphones da ” JBL”

Nessa primeira figura (Figura 1), é possível visualizar uma demonstração da lei de fechamento da Gestalt. Essa, correlacionando a contraforma da imagem (o fundo) aos demais elementos que a compõem (a figura), assim, alinhada à intenção publicitária da marca JBL de vender seus headphones e de apresentá-los como resistente a ruídos, a peça apropria-se de um princípio gestáltico e comunica seu sentido a partir da percepção da forma.

Figura 2 - Campanha de Adoção da “World For All: Animal, Care and Adoptions”

De natureza igual, a Figura 2 também faz uso do princípio de fechamento para a publicização da campanha, no entanto, com intenção comunicativa diferente. Nessa, a World for All busca expressar que “sempre cabe mais um'', em tal caso, adotando um animal como mais um membro da família.

Nesse contexto, ambas as figuras servem para exemplificar uma outra lei de organização fortemente experienciada no modo em que estabelecemos a percepção, esta: a figura-fundo. Destacada por Lupton e Miller (2019) como uma relação ambígua, em que a percepção de uma figura muda com o fundo que a emoldura, assim, recuando com condição necessária, mas invisível à percepção.


Figura 3 - Campanha da “Coca-Cola”

Para mais, tem-se na figura 3, uma exemplificação mais concisa da lei de proximidade, em que os elementos próximos (garrafas de Coca-Cola), se agrupam em nossa visualização, formando a figura de um sorriso. Desse modo, dialogando com a mensagem verbal da peça publicitária.

Posto isso, é possível entender as leis da Gestalt a partir de uma lei geral: a pregnância. Essa, age diante uma integrada estrutura do todo, de modo a estabelecer equilíbrio e unidade, estando fortemente relacionada às articulações e consistência da organização, guiando a forma para uma clareza percebida, entendida como a “boa Gestalt” (FRACCAROLI, 1952).

Em vista dos aspectos mencionados, é notório que se apresentam com extrema relevância diante a mediação da relação sujeito-objeto na percepção da forma e, nesse interposto, o designer necessita de se utilizar desses princípios gestálticos a favor de uma assertiva comunicação. A Gestalt se torna útil para o entendimento de como a informação será passada através das formas configuradas em um artefato. Além disso, auxilia as pessoas a entenderem e assimilarem melhor as informações objetivadas pela intenção comunicativa das imagens. Assim, ao conhecer tais leis, é possível utilizá-las de modo consciente e aperfeiçoar a tradução de significados percebidos.

O designer articula uma linguagem de signos combinando-as de acordo com leis gramaticais (LUPTON; MILLER, 2019) e, no universo visual, tais leis se encontram com as forças de organização, o que, consequentemente, as relacionam com as leis gestálticas. Em suma, articular a semântica e a sintaxe visual é correlacionar a forma, sua função e significados, estimulando compreensões e percepções que refletem uma assertividade da finalidade da comunicação.

Assim sendo,


[...] a tarefa dominante da moderna teoria do design foi a de revelar a sintaxe da linguagem da visão: ou seja, maneiras de organizar elementos geométricos e tipográficos em relação a oposições formais como ortogonal/diagonal, estático/dinâmico, figura/fundo, linear/planar e regular/irregular. (LUPTON; MILLER, 2019, p. 38)


Por fim, ao entender o relevante papel do designer como mediador desse processo de percepção, é necessário ter em mente que o processo de design também necessita de incluir a responsabilidade social nessa relação sujeito-objeto. As influências socioculturais são refletidas na interação com os artefatos, portanto, cabe ao designer “projetar coisas que tenham um impacto positivo na sociedade como um todo” (MONTEIRO, 2019, p. 35, tradução do autor²).

  1. “The only important thing about design is how it relates to people.” (PAPANEK, 1971 apud MONTEIRO, 2019, p. 34)
  2. “[...] design things which have a positive impact on society at large.” (MONTEIRO, 2019, p.35)

Referências

FRACCAROLI, C. A percepção da forma e sua relação com o fenômeno artístico: o problema visto através da Gestalt (psicologia da forma). São Paulo: FAU USP, 1952.

LUPTON, E.; MILLER, J. A. (Ed.). O ABC da Bauhaus: a Bauhaus e a teoria do design. Editorial Gustavo Gili, SL, 2019.

MONTEIRO, M. Ruined by design: How designers destroyed the world, and what we can do to fix it. Mule Design, 2019.

RAND, P. Pensamentos sobre design. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015.

Ficha Técnica

Texto desenvolvido por Gustavo Henrique Martins para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).