CRÔNICA

Sobre heroísmos e anonimato

Uma vida dedicada às curvas sinuosas do Copan

por Beatriz Quintas | 28.06.2022

Quantas histórias cruzam nossos caminhos diariamente? Eis a questão que assombra o fazer jornalístico desde seus primórdios.

Ezequiel Olímpio dos Santos poderia ser apenas mais um funcionário a trocar cumprimentos comigo naquela tarde ensolarada de sábado, eu jamais conheceria seu nome ou as dores que os 20 anos dedicados ao Copan lhe causaram. Fato é que a visita ao edifício rendeu mais que uma vista privilegiada da cidade.

Ezequiel, 53, técnico de segurança do trabalho do edifício Copan (Foto: Beatriz Quintas)

Conversa fácil, olhar desconfiado e uma alegria contida por ver a vida voltar ao terraço daquele prédio imerso na poluição do centro paulistano. “Deve ter uma década que não fazem um piquenique por aqui”, afirmou o técnico de segurança ao grupo de estudantes que se acomodava num vão coberto, organizando comes e bebes para o almoço improvisado.

Registrava tudo o que ocorria com uma máquina fotográfica simples, ordens do síndico, ao que parece. Enquanto isso, acompanhava o que acontecia em outras alas, atento ao barulhento rádio comunicador preso à sua cintura.

A figura intrigante não passara despercebida, estava decidido: o entrevistado do dia seria Ezequiel. Formou-se, então, a "roda viva" de curiosos com papel e caneta em mãos. Pouco a pouco, guiadas por perguntas incessantes, as memórias do homem - que se confundiam com as da sinuosa armação de concreto projetada por Niemeyer - eram acessadas.

Entrevista coletiva com estudantes aconteceu como parte do projeto Repórter do Futuro (Foto: Beatriz Quintas)

Detentor da confiança dos mais de três mil condôminos, o funcionário ali chegou em 2002, mas não foi aquele o momento em que conheceu de perto o Copan. Afinal, já acompanhara sua mãe e irmãos anos antes, quando também eram empregados do cartão postal.

Enquanto detalhava a rotina de serviços, que começa às oito da manhã, lembrou-se de quando, por puro reflexo, impediu um acidente durante uma manutenção de antenas. Certo dia, ainda se viu no difícil encargo de conter uma tentativa de suicídio.

“Na verdade, quem atua nessa área de segurança e atendimento, de um modo geral passa 24 horas trabalhando”, desabafou Ezequiel. Entre noites em claro para dar conta das múltiplas tarefas acumuladas, seu próprio corpo cedeu e foi levado às pressas para a Santa Casa com um quadro de estresse.

Como se previssem os rumos do diálogo, as nuvens encobriram os raios de sol que aqueciam o grupo. Ao invés de lágrimas nos olhos, o homem as continha em sua voz, era o luto que escondia desde o início. “Dando atenção para o condomínio, deixei minha vida pessoal para trás. Comecei a trabalhar aqui com uma família, e hoje não tenho nenhuma”, pontuou.

Não só sua saúde foi comprometida. Enquanto se dedicava ao trabalho, cuidando de tantas outras pessoas, seu filho sucumbia ao mundo das drogas. Há dois anos, veio a tão temida notícia: Danilo se foi. Finalmente, o técnico pôde se afastar do serviço, mas por 20 dias apenas.

É, caro leitor, Ezequiel Olímpio dos Santos poderia ser apenas mais um herói do cotidiano a trocar cumprimentos conosco num lugar qualquer, jamais conheceríamos seu nome ou as histórias que carrega...