projeto olhos da mata

coibindo o desmatamento legal em tempo próximo ao real

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Uma das principais ameaças à humanidade no século XXI são as consequências - não inteiramente previsíveis - das mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global. Segundo o informe acadêmico do Future of Humanity Institute da Universidade de Oxford denominado "Existential Risk: Diplomacy and Governance Global Priorities Project 2017":


"(...) É impossível dizer com confiança em que ponto o aquecimento global se tornará suficientemente grave para representar uma ameaça existencial [à Humanidade]. A pesquisa sugeriu que o aquecimento de 11-12°C tornaria a maior parte do planeta inabitável e devastaria completamente a agricultura. Isso representaria uma ameaça extrema à civilização humana como a conhecemos. O aquecimento de cerca de 7°C ou mais poderia potencialmente produzir conflitos e instabilidade em tal escala que os efeitos indiretos poderiam ser um risco existencial (...)." (GLOBAL PRIORITIES PROJECT 2017)


O desmatamento ilegal no Brasil é, por si só, responsável por 35% das emissões de gases do efeito estufa (GEE) no país, configurando-se como a atividade de maior impacto nas emissões brasileiras (maior, por exemplo, que as emissões decorrentes de toda a frota nacional de veículos automotores). Somada ao uso das áreas ilegalmente desflorestadas para o uso da pecuária na Amazônia Legal, esse percentual atinge 49% das emissões brasileiras (LEITE, 2015).

Após a adoção de políticas públicas voltadas a coibir o desmatamento ilegal no Brasil, observou-se uma redução na área desmatada de 2005 a 2013 no território nacional (MELLO, 2016, p. 46). No entanto, nos últimos anos o índice tem se elevado novamente a patamares iguais ou superiores àqueles observados nos períodos de maior desmatamento.

Assim, garantir o cumprimento das normas ambientais brasileiras para proteger as florestas brasileiras é uma das principais contribuições que o Ministério Público pode oferecer para atenuar uma mudança climática abrupta e catastrófica.

Nesse contexto, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso, por meio da Promotoria de Justiça de Itiquira, após um período prévio de experimentação de julho a outubro de 2018, adotou a partir de março de 2019 um procedimento operacional visando combinar as novas tecnologias de sensoriamento remoto que permitem o conhecimento de sinais de alteração da cobertura florestal em tempo próximo ao real (alertas GLADs e VIIRs, da plataforma Global Forest Watch, indicando alterações a partir de 0,09 hectare (menos de um décimo de um hectare), com o cruzamento de dados públicos e as prerrogativas jurídicas de que dispõe o Ministério Público na tutela da reparação civil do dano ambiental, visando coibir o desmatamento ilegal. O objetivo principal do referido procedimento é reduzir ao máximo o tempo de reação do Estado diante de indícios do ilícito ambiental.

É reconhecido que, no processo coletivo, em matéria ambiental, é cabível a inversão do ônus da prova (artigo 6º, VIII, do CDC), posicionamento reforçado pelo STJ (Súmula 618).

O princípio da precaução encontra-se positivado em documentos internacionais e no ordenamento interno (art. 15 da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente – ECO-92; art. 225 da Constituição Federal; art. 54, § 3º, da Lei Federal nº 9.605/1998). Parte da doutrina ainda encontra no princípio da precaução um fundamento para a inversão do ônus da prova:

“Assim, a incerteza científica milita em favor do meio ambiente e da saúde (in dubio pro natura ou salute). […] É com base no princípio da precaução que a parte da doutrina sustenta a possibilidade de inversão do ônus da prova nas demandas ambientais, carreando ao réu (suposto poluidor) a obrigação de provar que a sua atividade não é perigosa nem poluidora, […]. Inclusive esta tese foi recepcionada pelo STJ no segundo semestre de 2009 (REsp 972.902-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 25.08.2009) (Direito Ambiental Esquematizado, Frederico Amado, Editora Método, 3ª Ed., 2012, p. 54 - grifamos)

O Superior Tribunal de Justiça também possui precedentes neste mesmo sentido (STJ, AgRg no AREsp 183202/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 10/11/2015, DJe 13/11/2015).

Pretende-se, com o presente procedimento, combinar tecnologias jurídicas (princípio da precaução, inversão do ônus da prova) e geotecnologias (notadamente, o sensoriamento remoto por meio dos alertas GLAD e VIIRS disponibilizados pela plataforma GFW) e para uma atuação extrajudicial proativa e autônoma do Ministério Público no processamento destas informações, visando estancar o desmatamento ilegal logo em seu início, bem como isolar (e garantir o isolamento) das áreas de ilícitos ambientais.

1.2 Desafios da atuação em tempo próximo ao real

Do início da ocorrência de um ilícito ambiental (desflorestamento ilegal), sua detecção por um alerta (ex: DETER), seu processamento e emissão do respectivo boletim (após um ou dois meses), conferência “in loco” dos polígonos, até a lavratura de um auto de infração (para fins de responsabilidade administrativa) e seu aporte ao Ministério Público (para fins de se promover a responsabilidade civil e penal pelo ilícito ambiental) há, em regra, o lapso temporal de vários meses.

Assim, mesmo diante de uma evidência robusta (como um alerta DETER, SAD, GLAD ou VIIRS), há o desenrolar de um procedimento administrativo visando comprovar o alerta (verificar se não se tratar, por exemplo, de um falso positivo), atestar a materialidade do dano ambiental (seja presencialmente, por drone ou SIG/GIS) e, assim, subsidiar-se a lavratura de um auto de infração, com base no qual agirá o Ministério Público.

No entanto, diversamente do que ocorre na esfera administrativa (e penal), na esfera cível - da reparação civil do dano ambiental - o Ministério Público tem a seu favor a possibilidade de inversão do ônus da prova, nos termos da Súmula 618 do STJ: "A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental."

Em razão disso, abre-se a possibilidade de atuação do Ministério Público com o mero recebimento de alertas, encurtando-se, assim, o tempo de reação do Estado ao dano ambiental de meses para dias e a um custo reduzidíssimo (notificação por meio eletrônico ou pelos Correios).

De fato, diante do grau de certeza dos referidos alertas (de cerca de 87%), e, ainda, dos princípios da prevenção, precaução e "in dubio pro natura", e, finalmente, ante a possibilidade de inversão do ônus da prova para a reparação do dano ambiental, não há justificativa (a não ser a falta de estrutura), para se aguardar o aporte de auto de infração do órgão administrativo para que o Parquet atue. Ao contrário: o Ministério Público não só pode como deve ser o primeiro dos órgãos estatais a atuar diante de indícios de ilícito de dano ambiental, seja pelas prerrogativas de que dispõe a tutela coletiva do meio ambiente, seja por se tratar de órgão cuja atuação independe dos ventos políticos momentâneos (já que seus membros são profissionais de carreira, dotados das mesmas prerrogativas dos juízes, tais como a inamovibilidade e a vitaliciedade).

No âmbito desta linha de ação, ao receber um alerta GLAD ou VIIRS, cadastrado no e-mail da Promotoria de Justiça, a informação é cruzada com bancos de dados de que o Ministério Público dispõe (base do SIMCAR, Infoseg e outras bases da SEMA) e o imóvel e seu proprietário são identificados.

A partir de sua identificação, é estabelecido contato telefônico, se este estiver disponível, comunicando-se o proprietário de que o Ministério Público tem conhecimento de situação de possível desmatamento ilegal em seu imóvel, solicitando-se ao proprietário esclarecimentos sobre o que está se passando em sua propriedade rural.

Após a tentativa de contato telefônico, o proprietário é formalmente notificado pelo correio com AR a cessar todo e qualquer desmatamento não autorizado.

Essa notificação preventiva ambiental (direta, sem prévio auto de infração) e em tempo próximo ao real pelo Ministério Público (em poucos dias após o início do desmatamento) tem como consequência a interrupção do desmatamento ilegal logo em seu início.

E, sendo o desmatamento ilegal, seguido de queimadas, a principal fonte brasileira para o aquecimento global, essa prática pode se traduzir em importante contribuição do Ministério Público brasileiro para esse problema de escala global.

2. Objetivos

Criação de procedimento operacional capaz de coibir o desmatamento ilegal em tempo próximo ao real pela atuação do Ministério Público, utilizando-se dos seguintes instrumentos e princípios:

    1. Notificação preventiva ambiental - Atuação do MPMT anterior e independente dos órgãos ambientais (SEMA, IBAMA) com base elementos indiciários (alertas de incêndios ativos VIIRS e GLAD) em tempo próximo ao real (diários, para queimadas, e semanais, para desmatamento) do GFW e mediante a notificação do proprietário com base nos alertas poucos dias após o início do desmatamento ilegal;

    2. Servidão ambiental perpétua - Celebração de termos de ajustamento de conduta com preferência pela reparação do dano "in natura" com transformação de áreas de desmatamento ilegal ou ativos ambientais (excedentes de vegetação nativa) em servidões ambientais perpétuas;

    3. Isolamento dos locais de crime ambiental com "cerca eletrônica" (polígono do imóvel onde foram emitidos alertas);

    4. Ênfase na atuação extrajudicial proativa, resolutiva e precaucionária do Ministério Público;

    5. Ênfase na atuação na esfera cível em que o interesse coletivo é privilegiado com a responsabilidade objetiva, imprescritibilidade da reparação do dano ambiental e a inversão do ônus da prova (Súmula 618 do STJ);