O Outro, Os outros e a Vida Urbana

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O OUTRO, OS OUTROS E A VIDA URBANA

Pressupondo o encantamento e o desencantamento com a cidade em um contexto de crises democráticas, pensar a cidade é pensar a sociedade, a esperança e o futuro. A questão, portanto, é mobilizar ideias em torno desses conceitos universais em processos de mutação. Diante disso, faz-se necessário o interesse pela discussão teórica e metodológica sobre a construção social da realidade urbana em contextos intersubjetivos, em que múltiplos cotidianos coexistem através de sociabilidades e lugares. Esse cotidiano é o do Outro e os outros expropriados pela urbanização perversa, que aprenderam “modos de fazer” a sociedade mantendo como signos os gestos da existência, da sobrevivência e da resistência. Por isso, propõe-se pensar conteúdos sociais e políticos em que o psiquismo conscientemente resiste pelo desejo de ser, de estar e de habitar a cidade, isto é, a realidade que se opõe à cidade hostil com os corpos, consciências e essências.

Nesse viés, as adversidades urbanas podem ser registradas observando a vida do Outro em que o tempo é marcado pela ausência de moradia, serviços públicos, infraestruturas e serviços urbanos para sintetizar a realidade visível. Todavia, também é marcado pelo trauma da espera em habitar a cidade como lugar onde se celebra a (re)existência. Essa realidade em reivindicar lugares, sentidos, simbologias e memorias é, portanto, o ato de instituir sistemas rememorativos e figurativos à vida urbana, portanto, modos de fazer a sociedade. Para Milton Santos é a sociedade por baixo, negligenciada pela academia e instituições, mas carregada de narrativas do que é o território vivido, a esperança e o futuro. De acordo com Ana Clara Torres Ribeiro, é a dimensão do território praticado por ações e práticas de reivindicação. Tais preposições implicam em um sistema de relações citadinas figurando o espaço comum e compartilhável. A questão, portanto, é epistemológica e ontológica à medida que a realidade factual é tratada à margem do conhecimento científico, dado que a sociedade do conhecimento assimilou a vida como tratado social institucionalizado, mais ainda, o ordenamento das relações políticas, negligenciando a cultura periférica que ultrapassou o território físico habitado pelo Outro e os outros expropriados, violentados e estigmatizados. No entanto, esse Outro e os outros foram e são capazes de (re)construir a realidade social do cotidiano em oposição a valores institucionalizados como representação do vivido e praticado.

Desse modo, foi permitido o pressuposto de que a realidade da periferia se difundiu pelos espaços urbanos e metropolitanos; a rua e o edifício; o público e o privado; o objeto e o sujeito; o homem e a natureza; a forma e o contexto; o quantitativo e o qualitativo; a experiência e a vivência; a ciência e a técnica; a luta e a resistência; ou seja, todos os sujeitos estão unidos por temporalidades periféricas. Contudo, a diferença é que o Outro e os outros tratados nesta chamada estão acostumados a acreditar, a agir e reagir, a constituir, a criar, a confrontar, a desenhar, a fazer, a instituir, a lutar, a mobilizar, a organizar, a praticar e a (re)inventar o cotidiano através dos modos de fazer a vida e os lugares para manter sociabilidades e experiências. Portanto, enfrentam a hostilidade da cidade com seus gestos de existência, (re)existência e sobrevivência pelo desejo de ser, estar e habitar. Sendo assim, esse Outro possui relações conceituais com o homem ordinário do Michel de Certeau (1994); os homens lentos de Milton Santos (1994); o homem dos riscos de Naomar de Almeida Filho (1992); o flâneur de Baudelaire (1988); O poeta intempestivo do Giorgio Agamben (2009), entre outros.

Por fim, o enfrentamento teórico e metodológico das questões postas parece retomar “discretas esperanças” no interior das crises democráticas e societárias.

Atenciosamente,

Prof. Wesley da Silva Medeiros

Editor responsável

Referências

ALMEIDA-FILHO, Naomar. A clínica e a epidemiologia. Salvador: APCE – Abrasco, 1992.

AGAMBEN, GIORGIO. “O que é o Contemporâneo?” In: O que é o Contemporâneo? e outros ensaios; [tradutor Vinícius Nicastro Honesko]. — Chapecó, SC: Argos, 2009.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.

SANTOS, Milton. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Hucitec, 1994.

BAUDELAIRE, Charles-Pierre. O pintor da vida moderna. In: BAUDELAIRE, C. A. Modernidade de Baudelaire. Apresentação de Teixeira Coelho. Tradução Suely Cassal. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 159-212