Maria das Dores Pereira da Silva nasceu em Lagoa Grande, interior de Vitorino – Maranhão, no ano de 1974. Sua infância foi de menina pobre, porém feliz. Na cidade onde morava não havia escola e, por isso, Maria não teve a oportunidade de aprender a ler e escrever em estabelecimento escolar na idade em que todas as crianças deveriam ser matriculadas. Enquanto menina, ela começou a estudar em 1982 aos 8 anos de idade, na casa de uma professora que alfabetizava de forma voluntária. Sem condições de adquirir material escolar, a professora dividia as folhas de um caderno com todas as crianças que frequentavam sua casa para serem alfabetizados e Maria dividia com os irmãos o uso de um par de chinelos de borracha dada a situação econômica dos pais que não podiam comprar calçados para os filhos. Em 1984, aos 10 anos, Maria e sua família foram embora do interior do Maranhão vindo morar em uma cidade maior onde pode estudar em escolas e até terminar o segundo grau que hoje é o ensino médio.
No início dos anos 2000, já casada e com duas filhas, Maria tinha um emprego no Maranhão, mas, seu marido estava desempregado. Maria então, decidiu sair do emprego para acompanha-lo à Roraima já que o mesmo considerava ser mais fácil arrumar trabalho nas terras roraimenses. Em 2001, a família de Maria chegou a Roraima onde ela e o marido conseguiram emprego. A vida ia bem até que, aos 27 anos, Maria teve um AVC que lhe deixou em cadeira de rodas e necessitando de muitos cuidados. O quadro de AVC gerou um coágulo no cérebro de Maria que precisou de um implante de válvula. Enquanto isso, o marido cuidava dela e das filhas pequenas.
Apesar de estar meio debilitada e vivendo em cadeira de rodas, Maria engravidou. Essa notícia a pegou de surpresa como também ao marido pois não haviam planejado uma gravidez estando Maria naquela situação. Os médicos não achavam adequado ela estar grávida pois, além das complicações do AVC, ela tinha pressão alta e cardiomegalia (coração grande): uma gravidez nessas condições colocava a vida de Maria em grande risco assim como a do bebê que estava se formando dentro dela.
Com a descoberta da gravidez, os médicos fizeram uma junta médica e decidiram recomendar o aborto por conta de toda situação de saúde que Maria estava enfrentando, mas, Maria não concordou com essa recomendação. No entanto, ela foi internada e a junta médica recorreu ao Ministério Público onde pediam a permissão para retirar o feto que estava ainda com três semanas. A justificativa para o aborto legal era relacionado com a vida de Maria em risco. Como a situação de Maria era realmente difícil se agravando pelo fato dela ser usuária de remédio controlado, a internação de Maria foi perdurando, pois, os médicos não eram de acordo com a alta dela ao mesmo tempo que queriam controlar o uso dos remédios e tentar o aborto logo que o MP autorizasse.
A permanência de Maria na maternidade Nossa Senhora de Nazaré durou mais ou menos 30 dias onde a mesma ficava mais tempo dormindo do que acordada devido aos remédios ministrados. Porém, um dia, após os profissionais terem dado banho nela e colocado na cadeira de rodas, o remédio para dormir não foi dado e, acordada, ela pediu para que algumas pessoas que estavam no quarto a levassem para fora para dar uma voltinha. Maria então, aproveitou o momento fora do hospital para fugir e voltar pra casa pois havia decidido a ter o bebê mesmo que os médicos dissessem que não seria o certo.
Maria, já fora do hospital, mas ainda em cadeira de rodas, fez o pré-natal normalmente e foi durante essa etapa da gravidez que descobriu que ela poderia sofrer um aborto espontâneo a qualquer momento devido aos remédios que ela tinha que tomar. Também descobriu por meio de exames que o bebê não tinha desenvolvido parte do cérebro e, caso sobrevivesse, logicamente não teria uma vida normal. Quando Maria completou 6 meses de gestação, teve pré-eclâmpsia sendo obrigada a ir imediatamente para maternidade a fim de se submeter a uma cesariana de emergência. Foi então que veio ao mundo, Ester em 15 de outubro de 2006. A criança recém-nascida chegou fora do tempo, pesando um pouco mais que 1 kg, com hidrocefalia bem avançada e sem a metade do cérebro funcionando adequadamente como havia dito o médico. Maria, por conta de sua situação de saúde gravíssima foi parar na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e lá ficou durante 20 dias.
Durante o período em que esteve gestando, Maria e o marido tinham convivência normal, porém, quando o mesmo foi a maternidade saber notícias da mulher e da filha que havia nascido, foi informado pelos médicos da situação de saúde da bebê Ester assim como da situação de Maria na UTI. Ele, no entanto, não aceitou as limitações neurológicas e físicas da filha chegando a dizer que não iria aguentar duas pessoas com deficiência na vida dele. Quando Maria saiu da UTI e voltou para o quarto, ainda na maternidade, chegou uma intimação para ela comparecer ao tribunal porque o marido estava requerendo o divórcio.
Maria agora estava diante de uma situação desesperadora: de um lado ela tinha um bebê que poderia morrer a qualquer momento por conta de todos os problemas que desenvolveu ainda no útero da mãe e por outro, tinha duas filhas pra criar e um divórcio pra assinar. Ela estava sozinha: nem familiares ela tinha em Roraima, apenas amigos. Inclusive foram amigos que ficaram tomando conta das suas filhas enquanto ela estava na maternidade.
No hospital, as notícias da saúde de Ester não eram nada boas, mas Maria havia decidido fazer o que podia para salvar a vida de sua filha. Ela recorreu a médicos neurologistas, ouviu de muitos que não tinha jeito de manter a filha viva e de outros, ouviu que havia possibilidade de fazer uma cirurgia para colocar uma válvula no cérebro que drenasse o liquido que a menina tinha desenvolvido no local. Nesse caso, a cirurgia era de alto risco podendo levar o bebê a óbito e deixando Maria apreensiva com o desfecho.
Mesmo estando com medo, Maria havia decidido fazer tudo o que fosse possível para salvar a vida de Ester e foi em frente com a autorização para cirurgia. Felizmente o procedimento foi um sucesso e a válvula drenou mais de 50% do liquido que estava no cérebro da bebê que começou a ganhar peso e a evoluir aos poucos. Maria e Ester permaneceram por 9 meses no hospital onde Maria ficava o tempo todo correndo atrás do melhor tratamento clínico para filha. Ela considera que foi a pessoa mais “chata” no local naquela época por conta de ter desenvolvido depressão pós-parto, coisa que só veio a descobrir tempos mais tarde quando esteve conversando com especialista.
Maria ficou morando na maternidade por um longo tempo e foi lá que ela conheceu a médica pediatra Ana Carolina. Essa médica também tinha um filho com deficiências por conta de um acidente que o menino havia sofrido na piscina de casa. O fato de Maria e de Ana Carolina terem filhos com características parecidas as aproximou e as duas tornaram-se amigas para realizarem juntas um projeto social que pudesse atender a mães e pais de crianças com necessidades especiais.
O projeto social idealizado por Maria e adotado pela médica Ana Carolina, tinha como objetivo em seu início, atender a 20 crianças que fossem portadoras de necessidades especiais onde essas receberiam alguma estrutura de atendimento especializado como também suas famílias em relação a direitos legalmente reconhecidos.
Em 2008, Maria, Ana Carolina e Valentina (assistente social) deram início ao projeto social que recebeu o nome de Associação Mães Anjos de Luz. Esse nome foi dado por Maria que, enquanto lavava roupa, teve a ideia pois, crianças especiais, para ela, podiam ser consideradas anjos.
Maria não fez nenhum curso superior ou curso de administração: tanto ela quanto as amigas não tinham nenhuma experiencia em lidar com esse tipo de projeto; tudo o que tinham era a dor pelos filhos que sofriam assim como não tinham nenhum local na cidade ou no interior que oferecesse apoio e inclusão para elas e eles.
E tudo começou de forma simples e com muita humildade. A Associação foi montada em sua própria casa que não tinha estrutura adequada e necessária para suprir todas as necessidades das crianças que ali começaram a chegar. Assim, no meio das necessidades, elas foram pedir ajuda à amigos e pessoas que poderiam fazer algo pela causa, assim como organizar eventos para conseguir recursos financeiros e doações.
Aos poucos, a Associação Mães Anjos de Luz foi crescendo, criando forma e sendo reconhecida pela sociedade roraimense sendo uma instituição filantrópica e sem fins lucrativos. Atualmente, a entidade atende mais de 9 mil pessoas com necessidades especiais dos 15 municípios, incluindo crianças, jovens, adultos e idosos que necessitam realizar algum tipo de tratamento. A entidade recebe semanalmente cerca de 300 pessoas, oferecendo-lhes café da manhã, almoço e jantar assim como local para se hospedarem caso necessitem. Também há pessoas que moram no local porque foram abandonadas pela família e dependem totalmente das ações dos voluntários da instituição para ter acesso a remédios, tratamentos e carinho.
Todos os que trabalham na Associação são voluntários que tem diversas profissões como médicos, enfermeiras, técnicos e outros e em maior parte são mulheres e mães de pessoas com necessidades especiais. Ela é mantida por doações de cestas básicas, roupas, materiais de limpeza, doações em quantias, para as despesas de luz, água etc. Ou seja, o que havia começado com dor teve resultado de muito orgulho e prazer em ajudar o próximo.
Maria teve que superar muitas dificuldades para chegar onde está hoje. Tudo o que hoje ela significa na vida de milhares de pessoas, veio como força de sua filha Ester que partiu em 05 de outubro de 2017, depois de viver 10 anos sendo referência para mãe. Sua história mostra superação além do empoderamento e da força feminina que sempre aparecem na hora de lutar pelo que se almeja. Mesmo passando por muitos problemas e obstáculos conseguiu mostrar para a sociedade que as adversidades fazem parte do caminho que tem de se trilhar para chegar ao objetivo. Atualmente Maria é presidente da Associação Mães Anjos de Luz além de ser uma inspiração e amiga para quem a conhece.
Escrita por Izadora Pimentel e Beatriz Barros em 01/11/2018
Orientadora: Rutemara Florêncio - Fotos: Fonte: Arquivo Pessoal
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