As primeiras confrontações de Martin Heidegger com os textos de Aristóteles no Natorp-Bericht (1922) e seus desdobramentos no período marburguense (1923-1928)

Área: Fenomenologia e hermenêutica.

Minicurso no Programa de Pós-Graduação em Filosofia (Mestrado acadêmico) da Universidade Federal da Paraíba

Ano: 2024/1 

Local: Centro de Ciências Humanas, Letras e Arte – CCHLA

Sala: 512 - PPGF

Período: de 15 a 19 de abril de 2024.  

Horário: das 14h às 17h, de segunda-feira a sexta-feira.


Professor: Jorge Augusto da Silva Santos (UFES/CNPq/FAPES)

Objetivo geral:

 

 Destacar a apropriação fenomenológica da vida humana fática em sua facticidade (o sentido do ser) com base nas preleções de Martin Heidegger seja entre 1919 e 1923 (primeira fase de docência em Freiburg como assistente de Edmund Husserl), seja entre 1923 e 1928 (na qualidade de “professor extraordinário” em Marburg); compreender, metodologicamente, seja a definição principial da filosofia, isto é, um filosofar a partir da realização histórico-concreta da vida fática (→ das Historische), seja o deslocamento dessa concepção para uma ontologia do Dasein a partir de 1924, na qual a  facticidade da vida estará doravante anexada ao sentido: portanto, do sentido de ser da vida, compreendido de modo vital enquanto mobilidade fática, assistimos ao deslocamento dessa compreensão como estrutura ontológica do Dasein: “Na projeção para possibilidades já foi antecipada a compreensão do ser. O ser está compreendido no projeto, não ontologicamente concebido”[1].  



[1] M. HEIDEGGER, Sein und Zeit, § 31, 147 [Ser e Tempo, 419. Trad. Fausto Castilho - 2012]. Tradução modificada.

Objetivos específicos:

 

Examinar as Frühe Freiburger Vorlesungen (1919-1923) em seu valor autônomo a partir de uma leitura “imanente” do célebre Relatório-Natorp (1922), como já realizado em minha obra A fenomenologia hermenêutica da vida fática de Martin Heidegger (1919-1923) (em 2023 pela Editora LiberArs[1]), bem como as primeiras Marburger Vorlesungen (1923-1928) à luz da apropriação da ontologia de Aristóteles (a partir da Física, do De Anima, da Ética a Nicômaco (Livro VI) e dos Livros da Metafísica: GA 17; GA 18; GA19; GA 21; GA 22) para associar a facticidade como sentido do ser da vida à ideia de movimento ou mobilidade (Bewegtheit, Um-ruhe, kinesis). No período de docência em Marburg, o curso de 1924 (GA 18) “é o primeiro e mais completo documento de uma confrontação orgânica com de Heidegger com Aristóteles”, reconhecia o famoso aristotélico Enrico Berti[2].



[1] Ver A Fenomenologia hermenêutica da vida fática de Martin Heidegger (1919-1923) - Editora Liber Ars

[2] E. BERTI, Las pasiones entre Heidegger y Aristóteles, In: XOLOCOTZI YÁÑEZ, A.; GIBU SHIMABUKURO, R. & OREJARENA TORRES, J. (coordinadores). Aristóteles y la fenomenología del siglo XX: estudios en torno a la presencia de Aristóteles en la obra de Heidegger y Husserl, 343.

Programa:

 

Após uma apropriação kairológica do cristianismo das origens em preleções anteriores (publicadas em GA [Gesamtausgabe = obra completa] 60), Martin Heidegger realiza uma primeira apropriação da ontologia aristotélica (em GA 61 e no Natorp-Bericht de 1922) para “salvar” a facticidade cristã e a temporalidade que lhe é conexa, isto é, volta-se para a ontologia aristotélica (GA 62) a fim de suprir a carência da descoberta do Cristianismo das origens sob o aspecto conceitual e categorial: o inquietum cor nostrum de Agostinho, por exemplo –, que, na verdade, é a inquietude mesma da vida fática –, é reconduzida à motilidade da vida em si mesma, sem amparo no além e, portanto, lançada radicalmente ao nada da vida fática. Nas primeiras preleções friburguenses (1919-1923) já existe uma coesão originária entre vida fática e ser, entre ôntico e ontológico, coesão que perderá paulatinamente sua primazia por causa da prioridade dada à ontologia do Dasein como existência autêntica no período marburguense (1923-1928), sem que Heidegger solucione satisfatoriamente a ambiguidade da diferença ontológica entre ser e ente. Nesse sentido, o Relatório-Natorp é um texto de “passagem”, no qual Heidegger declina o estado atual de suas pesquisas no primeiro período friburguense para concorrer a uma vaga de docente nas Universidades de Marburg ou de Göttingen e anuncia os seus projetos posteriores de trabalho no período marburguense. Daí os acenos à relação entre a cura e a morte, a referência à phrónēsis (Umsciht), à sophia (Verstehen), ao kairos (Augenblick = instante) e à stérēsis (privação). Não faltam referências à ousía (enticidade → “o como do ser” = o ser-aí sob o modo do ser-disponível), à alētheia (Unverborgenheit = não-ocultamento), e ao sentido do ser como produtividade, temas que serão aprofundados nos cursos de Marburg e que, posteriormente, desprovidos da linguagem aristotélica, se tornaram as propostas de uma ontologia fundamental de Sein und Zeit em 1927.  

INTRODUÇÃO: fundação de uma hermenêutica fenomenológica da vida fática: GA 56/57; GA58; GA 59; GA 60; GA 61; GA 62; GA 63.

 

PRIMEIRA PARTE: a situação hermenêutica; estruturas constitutivas da vida fática; facticidade e existência   

 

1.  A indicação da situação hermenêutica da interpretação fenomenológica sobre Aristóteles no Natorp-Bericht

A. A posição do olhar (→ Vor-habe)

B. A direção da visão  (→ Vor-sicht)

C. A extensão da visão (→ Vor-griff)

D. O “histórico” (das Historische) da investigação filosófica: recuperar a temporalização do momento imanente na pesquisa passada 

2. As estruturas constitutivas da vida fática: o cuidar, a tendência-para-o-ruir, o como do ter a morte

A. O cuidar [das Sorgen]

B. A tendência-para-o-ruir [Das Verfallenstendenz]

C. O como do ter a morte – [das Wie des den Tod Habens]

3. Facticidade e existência: a possibilidade da “negação” como operação constitutiva e originária do ser  

SEGUNDA PARTE: A apropriação fenomenológica dos textos de Aristóteles

 

1. Interpretação fenomenológica da Ética a Nicômaco, Livro VI.

A. O fenômeno autêntico da verdade e as virtudes dianoéticas 

B. Epistēmē, technē, nous 

C. Sophia e phronēsis 

2. A interpretação da sophia (Metafísica A [primeiro], capítulos 1-2)

A. A sophia compreendida a partir do fio condutor da facticidade no Relatório-Natorp

B. A gênese da sophia na preleção marburguense Platão: o Sofista (WS 1924/1925)

a) Questões metodológicas: convicções e objetivos de Heidegger

b) A sabedoria é a aretē da téchnē (técnica): “o compreender autêntico, sophia, é a plenitude, aretē, teleíōsis, do saber manejar-se próprio de uma produção”(Ética a Nicômaco 1141 a 11ss).

c) Da tendência à poiēsis até sua transformação na theōria sob o aspecto de uma prioridade ontológica:  simultaneidade dos fenômenos da produção e do ver puro (Aristóteles) ou caráter derivado da theōria (Heidegger)?

3. Interpretação fenomenológica do movimento (Física, livros I-III; Metafísica, livros VII, VIII, IX)

A. a explicação categorial do movimento na Física (I , II , III, 1-3)

B. O sentido norteador do ser e das categorias (Metafísica VII, VIII, IX)

 

Livro-texto: Martin HEIDEGGER, Phänomenologische Interpretationen zu Aristoteles. (Anzeige der hermeneutischen Situation), In: GA 62, 345-399. Será disponbilizada em PDF a minha tradução completa do Relatório-Natorp para os discentes. Texto suplementar para o primeiro período friburguense: Bento SILVA SANTOS, A fenomenologia hermenêutica da vida fática de Martin Heidegger (1919-1923). São Paulo: Editora LiberArs,1923, 558 p. 

Referências bibliográficas:

 

Obras de Martin Heidegger (GA = Gesamtausgabe = obra completa)[1]

 

_____, Phänomenologische Interpretationen zu Aristoteles. Einführung in die phänomenologische Forschung [WS 1921/1922] (GA 61). Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann,1985, (21994); trad. brasileira de Enio P. Giachini: Interpretações fenomenológicas sobre Aristóteles. Introdução à pesquisa fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 2011;

_____, Phänomenologische Interpretationen ausgewählter Abhandlungen des Aristoteles zu Ontologie und Logik, [Sommersemester 1922] (GA 62). Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2005, 1-339.

_____, Phänomenologische Interpretationen zu Aristoteles. (Anzeige der hermeneutischen Situation), In: M. Heidegger, Phänomenologische Interpretationen ausgewählter Abhandlungen des Aristoteles zu Ontologie und Logik, Frühe Freiburger Vorlesung [Sommersemester 1922] (GA 62), 345-419 (texto + suplementos). Traduções disponíveis: M. HEIDEGGER, Interpretaciones fenomenológicas sobre Aristóteles. Indicación de la situación hermenéutica [Informe Natorp]. Edición y tradución de Jesús Adrián Escudero. Madrid: Editorial Trotta,2002, com introdução, notas detalhadas e história do documento); Interpretazioni fenomenologiche di Aristotele. Indicazione della situazione ermeneutica. A cura di Adriano Ardovino e Andrea Le Moli, In: Atti Del convegno nazionale su “Il giovane Heidegger tra neokantismo, fenomenologia e storicismo” tenutosi a Palermo il 6 maggio 2005, In: Fieri. Annali Del Dipartimento di Filosofia, Storia e Critica dei Saperi3 (2005) 165-198. 

 

Referências complementares:

 

AGNELLO, C. Heidegger e Aristotele: verità e linguaggio.Genova : il melangolo,2006.

ARDOVINO, A. Heidegger. Esistenza ed effettività. Dall'ermeneutica dell'effettività all'analitica esistenziale (1919-1927). Milano : Guerini e Associati,1998.

ARRIEN, S.J. L’inquiétude de la pensée. L’herméneutique de la vie du jeune Heidegger (1919-1923). Paris: PUF, 2014.

CAMPBELL, S.M. The Early Heidegger’sPhilosophy of Life. Facticity, Being, and Language.New York: Fordham University Press,1992.

CARBONE, G. La questione de lmundo nei primi corsi friburghesi di Martin Heidegger. Milano : Mimesis Edizioni,2017.

GREISCH, J. L’Arbre de vie et l’Arbre du savoir. Les racines phénoménologiques de l’herméneutique heideggerienne (1919-1923).Paris : Cerf,2000.

KRELL, D.F. The ‘Factical Life’of Dasein: From the Early Freiburg Courses to Being and Time, In: KISIEL, T. & BUREN, J. (ed.). Reading Heidegger from the start: essays in his earliest thought,.Albany: State University of New York,1994.

QUESNE, Ph. Les Recherches philosophiques du jeune Heidegger.Dordrecht : Kluwer Academic Publishrers,2003.

POGGI, S. Apofantica, ermeneutica e negazione: una lettura del Natorp-Bericht, In: MAZZARELLA, E. (ed.), Heidegger a Marburgo (1923-1928).Genova: il melangolo,2006, 41-53.

RUOPPO, A.P. L’attimo della decisione. Su possibilità e limiti di un’etica in Essere e Tempo.Genova : il melangolo, 2011, 79-100.

SOMMER, Ch. L’inquiétude de la vie facticielle:Le tournant aristotélicien de Heidegger (1921-1922), In : Les Études philosophiques 76/1 (2006) 1-28;

SURACE, V. L' inquietudine dell'esistenza. Le radici luterane dell'ontologia della vita di Martin Heidegger.Milano: Mimesis,2014.

SEGURA PERAITA, C. Hermeneutica de la vida humana. En torno al Informe Natorp de Martin Heidegger. Madrid: Trotta Editorial,2002.

SILVA SANTOS, Bento. Fenomenologia e Idade Média.Curitiba: Editora CRV,2013.

___________, Heidegger e Paulo: A modalidade de vida autêntica (Wie) e a temporalidade escatológica na apropriação fenomenológica da Proclamação da parusia, KRITERION (UFMG. IMPRESSO). Retomado em: Bento SILVA SANTOS, A fenomenologia hermenêutica da vida fática de Martin Heidegger (1919-1923). São Paulo: Editora LiberArs,2023, 355-371.

___________, O fenômeno da tentatio e a historicidade do si (Selbst) na apropriação fenomenológica do Livro X das Confissões de Agostinho, TRANS/FORM/AÇÃO (UNESP. MARÍLIA). Retomado em: Bento SILVA SANTOS, A fenomenologia hermenêutica da vida fática de Martin Heidegger (1919-1923), 418-424.

___________, Heidegger e Paulo. Contração da temporalidade e religiosidade 'escatológica' na situação do hos me paulino (1 Cor 7, 29-31). Retomado em: Bento SILVA SANTOS, A fenomenologia hermenêutica da vida fática de Martin Heidegger (1919-1923), 371-388.

___________, Uma confrontação (Auseinandersetzung) de Martin Heidegger com Edmund Husserl. Em busca de uma concepção hermenêutica da fenomenologia. SÍNTESE - REVISTA DE FILOSOFIA, 45 (2018) 229-258. Retomado em: Bento SILVA SANTOS, A fenomenologia hermenêutica da vida fática de Martin Heidegger (1919-1923), 230-241.

XOLOCOTZI YÁÑEZ, A.; GIBU SHIMABUKURO, R. & OREJARENA TORRES, J. (coordinadores). Aristóteles y la fenomenología del siglo XX: estudios en torno a la presencia de Aristóteles en la obra de Heidegger y Husserl. Buenos Aires: Editorial Biblos,2022.

YFANTIS, D. Die Auseinandersetzung des frühen Heidegger mit Aristoteles: ihre Entstehungund Entfaltung sowie ihre Bedeutung für die Entwicklung der frühen Philosophie Martin Heideggers (1919-1927).Berlin : Duncker & Humblot,2009, 104-122.



[1] Para a “lista cronológica das obras de Heidegger” do primeiro período friburguense, cf. DENKER, A.; GANDER, H.-H.& ZABOROWSKI, H. (Herausgegeben von), Heidegger und die Anfänge seines Denkens. Heidegger-Jahrbuch 1. München: Verlag Karl Alber,2004, 459-475.