MANUEL VALENTE ALVES / Notebook

Under the gaze of Ulysses –

Species, words and other landscapes

a TRAVEL NOTEBOOK by Manuel Valente Alves

Nouvelle météorologie

“Apesar de a doçaria ser muito mais antiga que a meteorologia como disciplina do conhecimento, e de todos os cozinheiros da história conhecerem as nuvens em todas as suas diferentes formas, cúmulos, cirros, estratos e todos os graus de transição possível – além de terem sido fustigados pela chuva ou pela neve produzida pelos nimbos, provavelmente mais do que teriam gostado – nenhum aproveitou essa espécie de laboratório aberto que é a natureza como inspiração para a arte doceira baseada nas claras batidas em castelo.

Olhando para as actuais farófias, eu diria que há bastante a fazer até atingir o grau de leveza que associamos às nuvens. Além de os cúmulos tradicionais, de relação formal mais evidente com as farófias, saírem, com frequência, bastante acaçapados, possivelmente também pela presença de alguma imperícia, falta às farófias a respiração etérea que os cirros lhes trariam. Para não mencionar os estratos que lhes dariam um requinte, em mais do que um sentido, estratosférico.

Olhando para a ilha de São Jorge, ou antes, para o sítio onde ela costuma estar, porque hoje o nevoeiro mal deixa ver a superfície do canal que a separa da ilha do Pico, e habituado que estou ao espectáculo do belíssimo tecto de nuvens que costuma favorecê-la, vêm-me ao pensamento as farófias. Talvez porque, subliminarmente, a massa de nuvens macias que com frequência se estende desde o Topo até à Ponta dos Rosais, isto é, que cobre toda a extensão da ilha, tem para mim qualquer coisa de apetitoso.

Se alguma vez vier a existir uma nouvelle météorologie tal como existe uma nouvelle cuisine, os futuros chefs terão muito que conversar.” –– Simão dos Reis, "Nuvens sobre São Jorge" (2013)

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