Under the gaze of Ulysses –
Species, words and other landscapes
a TRAVEL NOTEBOOK by Manuel Valente Alves
HOME | SPECIES | WORDS | STARS IN MY POCKET | GRAINS OF SAND | ABOUT | CONTACT
Under the gaze of Ulysses –
Species, words and other landscapes
a TRAVEL NOTEBOOK by Manuel Valente Alves
HOME | SPECIES | WORDS | STARS IN MY POCKET | GRAINS OF SAND | ABOUT | CONTACT
Everything and nothing
“Ninguém houve nele; por trás do seu rosto (que, mesmo através das más pinturas da época, não se parece com nenhum outro) e das suas palavras, que eram copiosas, fantásticas e agitadas, não havia mais do que um pouco de frio, um sonho não sonhado por alguém. [...] Perseguido, deu em imaginar outros heróis e outras fábulas trágicas. Assim, enquanto o corpo cumpria o seu destino de corpo, em lupanares e tabernas de Londres, a alma que o habitava era César, que não dava ouvidos à admoestação do áugure, e Julieta, que se
aborrece com a cotovia, e Macbeth, que conversa no páramo com as bruxas que também são as parcas. Ninguém foi tantos homens como aquele homem que, à semelhança do egípcio Proteu, conseguiu esgotar todas as aparências do ser. Por vezes deixou nalgum meandro da obra uma confissão, certo que a não decifrariam; Ricardo afirma que, só na sua pessoa, faz o papel de muitos e Yago diz, com curiosas palavras, não sou o que sou. A identidade fundamental de existir, sonhar e representar inspirou-lhe passagens famosas. [...]
A história acrescenta que, antes ou depois de morrer, se viu em frente de Deus e lhe disse: Eu que tantos homens fui em vão, quero ser um e eu. A voz de Deus respondeu-lhe de dentro de um torvelinho: Eu também não sou; sonhei o mundo como tu sonhaste a tua obra, meu Shakespeare, e entre as muitas formas do meu sonho estás tu, que tal como eu és muitos e ninguém.” –– Jorge Luis Borges, "Everything and Nothing" (1961)
HOME | SPECIES | WORDS | STARS IN MY POCKET | GRAINS OF SAND | ABOUT | CONTACT