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A reflexão sobre Deus, sua natureza e papel em nossas vidas, tem sido uma questão central na trajetória humana, permeando a filosofia, a religião e até mesmo a psicanálise. A banda Voz da Verdade, em uma de suas canções, evoca Deus como o recurso supremo, um necessário ancoradouro para a existência humana, uma fonte de esperança e significado frente às adversidades da vida. Este conceito ressoa em diversas tradições espirituais e religiosas que veem em Deus não apenas uma presença transcendente, mas também um princípio orientador fundamental para a vida moral e ética.
A psicanálise, sobretudo na figura de Sigmund Freud, posiciona-se de forma crítica em relação à religião, considerando-a uma ilusão, uma construção humana para lidar com o sofrimento inerente à existência. Freud argumenta que a religião, ao prometer uma existência futura melhor ou um poder superior que cuida de nós, oferece um consolo para as angústias humanas, mas ao custo de uma certa negação da realidade. No entanto, essa crítica não se restringe exclusivamente à religião; a ciência e todas as construções culturais humanas também podem ser vistas sob essa ótica de ilusões estruturantes. Elas são narrativas que criamos para dar sentido ao mundo e à nossa existência dentro dele.
Aqui, o pensamento de Cazuza ganha relevância, ao lembrar-nos de que "todos precisamos de ideologias para viver". Nesse sentido, se todas as nossas grandes narrativas — seja a ciência, a arte, a filosofia ou a religião — carregam em si uma dimensão de ilusão, então a escolha de uma sobre as outras torna-se menos uma questão de verdade objetiva e mais uma de valor subjetivo. A fé em Deus, mesmo sob a crítica de ser uma ilusão, pode ser considerada uma das "melhores" ilusões, na medida em que fornece um recurso poderoso para enfrentar a vida, cultivar o bem e buscar um sentido mais profundo.
A filosofia de Blaise Pascal oferece uma reflexão pragmática sobre essa escolha com seu famoso "argumento do apostador", sugerindo que, diante da incerteza da existência de Deus, apostar em Sua existência é uma escolha racionalmente mais segura e potencialmente mais recompensadora. A fé em Deus, portanto, seria uma "melhor aposta", não por uma certeza dogmática, mas como um meio de navegar pela incerteza da existência com esperança e propósito.
Contudo, é crucial diferenciar a ideia de Deus — uma entidade ou princípio que se aperfeiçoa em nós através da reflexão, da moral, da ética e da poesia — da religião institucionalizada, com suas doutrinas e práticas que podem, às vezes, ser limitantes e resistentes à mudança. Deus, como recurso supremo, transcende as limitações humanas e as construções religiosas específicas, oferecendo uma base mais ampla e profunda para a experiência espiritual e moral.
A relação pessoal com o divino, cultivada através da reflexão e da poesia, propicia um relacionamento com um "saber-sentir" que ultrapassa os dogmas e as ortodoxias, permitindo uma vivência de fé que é ao mesmo tempo profundamente pessoal e universalmente conectada a um princípio maior de amor e justiça. Deus, nesse contexto, é visto não como uma entidade distante definida pelas escrituras ou pelas instituições, mas como uma presença viva que se revela na jornada individual e coletiva de busca por significado, compaixão e conexão.
Em conclusão, a ideia de Deus como o recurso supremo, mesmo que possa ser enquadrada como uma "ilusão" no sentido freudiano, oferece um rico campo para a reflexão filosófica, psicológica e espiritual. Ela nos convida a escolher conscientemente as "ilusões" com as quais nos envolvemos, buscando aquelas que nos elevam, nos desafiam a crescer e nos conectam mais profundamente uns aos outros e ao mistério da existência.
Ivo Fernandes